KANT e o Idealismo Alemão - Parte 2
Continuação...
Antecedentes à primeira Crítica
Com o advento do Iluminismo passou-se a delegar à Razão, à fria racionalidade, a tarefa de responder a todas as questões existenciais.
Ecoando o movimento de Voltaire, Diderot e outros pensadores, Francis Bacon fez com que a Europa e o resto do Ocidente outorgassem ao raciocínio, à Razão, a primazia de ser “o verdadeiro pensar”.
Fez com que se depositasse irrestrita confiança no poder das Ciências e da Lógica para resolver em definitivo as dúvidas filosóficas e para ilustrar “o quão perfeito é o homem”.
E Condorcert, Spinoza e mais alguns eruditos, não hesitaram em seguir esse novo caminho até que a crença, a fé e a própria divindade fossem relegadas a meras figuras de um passado sombrio, formado apenas pelas trevas da ignorância e da superstição, que as “luzes do século da Razão” extinguiriam para sempre.
Assim, quando os Filósofos Helvetius e Holbach desfecharam o ataque mais possante – que fez “o próprio clero tornar-se ateu” – , poucos duvidaram de que o novo padrão viera em definitivo.
Contudo, ainda existiam aqueles que não se conformavam com o rumo proposto e dentre estes se destacava a imponente figura de Jean Jacques Rousseau que nunca deixou de acreditar na força e na importância dos sentimentos, das sensações, das intuições e da fé, como um contraponto ao “Deus Raciocínio” ou à “Deusa Razão”.
E foi essa visão de Rousseau que embasou as ideias que germinavam em Kant. Depois, com o crescimento dessas convicções, ele percebeu que havia chegado a hora de se examinar cuidadosamente a real capacidade e validade daquele “Deus Intelecto” que com os seus silogismos lógicos, era saudado como o exterminador das crenças, das intuições etc. que durante milênios habitaram o coração do homem.
Afinal, ponderou Kant, a fé e a esperança, expressas em tantos formatos (quadros, igrejas, monumentos etc.) religiosos e românticos, estavam tão solidamente enraizadas na sociedade humana que para serem substituídas, seriam necessárias provas indubitáveis de que a Racionalidade era capaz de acertos contínuos e irrefutáveis e que a insipidez da Razão ainda seria suficiente para acalentar os sonhos humanos, ao invés de enxergá-los como um subproduto dos ditames lógicos.
Mas como até então não existissem sequer probabilidades de que tal correção da Razão houvesse efetivamente, outras vozes eruditas seguiram as pregações de Rousseau, como aconteceu, por exemplo, com John Locke que pela primeira vez analisou a Razão segundo as premissas da Filosofia; ou seja, de maneira lógica e racional. Quando ele afirmou que todo conhecimento provem necessariamente daquilo que foi captado pelos Sentidos (tato, visão, audição, paladar e olfato) e que ao nascer a Razão era um quadro em branco (uma tábula rasa), inexistindo, portanto, as chamadas “ideias inatas”, ele, de certo modo, reduziu a Racionalidade à condição de um órgão com funções definidas; e dependente de estímulos externos para formar conceitos, pensamentos, julgamentos etc. A Razão não seria, apenas por si, uma entidade capaz de gerir a vida humana. Outra voz que se destacou foi a de George Berkeley que ao afirmar que “real” não é a matéria em si, mas a nossa percepção da mesma, refutou a tese Materialista de Locke e reafirmou, embora de modo indireto, a desimportância da Razão, já que ela depende do que seja captado pelos Sentidos (tato, visão, audição, paladar e olfato) para formar seus conceitos, pensamentos ou juízos. E ainda nessa trilha, David Hume também reafirmou a dependência da mente em relação aos sentidos quando exarou sua tese acerca da inexistência de qualquer Metafísica.
Assim, o argumento inicial de Jean Jacques Rosseau de que a Razão não pode ser considerada como um juízo definitivo, viu-se seguido, direta ou indiretamente, por importantes eruditos de variadas matizes ideológicas. E o seu apego ao sentimentalismo*, ao instinto, à intuição consolidou-se como uma tendência merecedora de assaz consideração.
E foi com esse status que chegou até Kant que ao ler “Emilio”, obra prima do genebrino, encontrou no autor um homem que também buscava escapar da maré ateísta que predominava como símbolo de “modernidade e esclarecimento”. Um homem que não tinha o menor pejo em afirmar a sua crença na superioridade do sentimento em relação ao raciocínio e que, consequentemente, não hesitava em duvidar da hegemonia da Razão. Encontrou, enfim, alguém que não temia ir contra a corrente.
Então, Kant, para expor a sua própria dúvida sobre os limites e sobre a real capacidade da “Deusa Razão” viu que chegara o momento de iniciar a sua obra grandiosa. Ali nasceu o “Criticismo”.
Ecoando o movimento de Voltaire, Diderot e outros pensadores, Francis Bacon fez com que a Europa e o resto do Ocidente outorgassem ao raciocínio, à Razão, a primazia de ser “o verdadeiro pensar”.
Fez com que se depositasse irrestrita confiança no poder das Ciências e da Lógica para resolver em definitivo as dúvidas filosóficas e para ilustrar “o quão perfeito é o homem”.
E Condorcert, Spinoza e mais alguns eruditos, não hesitaram em seguir esse novo caminho até que a crença, a fé e a própria divindade fossem relegadas a meras figuras de um passado sombrio, formado apenas pelas trevas da ignorância e da superstição, que as “luzes do século da Razão” extinguiriam para sempre.
Assim, quando os Filósofos Helvetius e Holbach desfecharam o ataque mais possante – que fez “o próprio clero tornar-se ateu” – , poucos duvidaram de que o novo padrão viera em definitivo.
Contudo, ainda existiam aqueles que não se conformavam com o rumo proposto e dentre estes se destacava a imponente figura de Jean Jacques Rousseau que nunca deixou de acreditar na força e na importância dos sentimentos, das sensações, das intuições e da fé, como um contraponto ao “Deus Raciocínio” ou à “Deusa Razão”.
E foi essa visão de Rousseau que embasou as ideias que germinavam em Kant. Depois, com o crescimento dessas convicções, ele percebeu que havia chegado a hora de se examinar cuidadosamente a real capacidade e validade daquele “Deus Intelecto” que com os seus silogismos lógicos, era saudado como o exterminador das crenças, das intuições etc. que durante milênios habitaram o coração do homem.
Afinal, ponderou Kant, a fé e a esperança, expressas em tantos formatos (quadros, igrejas, monumentos etc.) religiosos e românticos, estavam tão solidamente enraizadas na sociedade humana que para serem substituídas, seriam necessárias provas indubitáveis de que a Racionalidade era capaz de acertos contínuos e irrefutáveis e que a insipidez da Razão ainda seria suficiente para acalentar os sonhos humanos, ao invés de enxergá-los como um subproduto dos ditames lógicos.
Mas como até então não existissem sequer probabilidades de que tal correção da Razão houvesse efetivamente, outras vozes eruditas seguiram as pregações de Rousseau, como aconteceu, por exemplo, com John Locke que pela primeira vez analisou a Razão segundo as premissas da Filosofia; ou seja, de maneira lógica e racional. Quando ele afirmou que todo conhecimento provem necessariamente daquilo que foi captado pelos Sentidos (tato, visão, audição, paladar e olfato) e que ao nascer a Razão era um quadro em branco (uma tábula rasa), inexistindo, portanto, as chamadas “ideias inatas”, ele, de certo modo, reduziu a Racionalidade à condição de um órgão com funções definidas; e dependente de estímulos externos para formar conceitos, pensamentos, julgamentos etc. A Razão não seria, apenas por si, uma entidade capaz de gerir a vida humana. Outra voz que se destacou foi a de George Berkeley que ao afirmar que “real” não é a matéria em si, mas a nossa percepção da mesma, refutou a tese Materialista de Locke e reafirmou, embora de modo indireto, a desimportância da Razão, já que ela depende do que seja captado pelos Sentidos (tato, visão, audição, paladar e olfato) para formar seus conceitos, pensamentos ou juízos. E ainda nessa trilha, David Hume também reafirmou a dependência da mente em relação aos sentidos quando exarou sua tese acerca da inexistência de qualquer Metafísica.
Assim, o argumento inicial de Jean Jacques Rosseau de que a Razão não pode ser considerada como um juízo definitivo, viu-se seguido, direta ou indiretamente, por importantes eruditos de variadas matizes ideológicas. E o seu apego ao sentimentalismo*, ao instinto, à intuição consolidou-se como uma tendência merecedora de assaz consideração.
E foi com esse status que chegou até Kant que ao ler “Emilio”, obra prima do genebrino, encontrou no autor um homem que também buscava escapar da maré ateísta que predominava como símbolo de “modernidade e esclarecimento”. Um homem que não tinha o menor pejo em afirmar a sua crença na superioridade do sentimento em relação ao raciocínio e que, consequentemente, não hesitava em duvidar da hegemonia da Razão. Encontrou, enfim, alguém que não temia ir contra a corrente.
Então, Kant, para expor a sua própria dúvida sobre os limites e sobre a real capacidade da “Deusa Razão” viu que chegara o momento de iniciar a sua obra grandiosa. Ali nasceu o “Criticismo”.
A Crítica da Razão Pura
Antes de tudo é importante assinalar que o termo “Crítica” não tem o significado que vulgarmente lhe é dado; ou seja, não se trata do sinônimo de “censura”. Kant não ataca a Razão Pura*, ao contrário, enaltece-a por julgar que se trata de uma forma de conhecimento que está isento de qualquer contaminação proveniente das imperfeitas captações feitas pelos Sentidos (tato, visão, audição, paladar e olfato).
Assim sendo, deve-se entender que este é o título dado ao estudo crítico, minucioso e detalhado dos limites e capacidades desse tipo de saber.
Se existe alguma censura por parte de Kant, esta acontece apenas no fim do trabalho quando ele questiona as suas limitações.
Outro ponto importante a ser esclarecido é a própria “Razão Pura”. O que é exatamente esse elemento?
Razão é um termo que no contexto filosófico equivale a raciocínio, juízo, análise etc. É a capacidade ou a faculdade de se conhecer, analisar, conceituar, definir etc. qualquer coisa, baseando-se nas evidências sensoriais (no que foi captado pelos Sentidos) e no ordenado segundo as regras da lógica. Quanto ao adjetivo: “Pura”, o sentido comum se mantém e ele indica a não contaminação por dados falsos, incorretos, incompleto etc. que são próprios do saber adquirido empiricamente.
Unindo-se, portanto, os dois nomes tem-se o “saber livre dos conhecimentos deformados pelas captações sensoriais”. Conhecimento que nos pertence graças à inata estrutura e natureza da mente. Saberes que já residem, pelo menos potencialmente, em nossa alma desde o nascimento.
Segundo Will Durant:
“Porque a Razão Pura deve indicar o conhecimento que não vem através dos nossos sentidos, mas é independente de toda experiência sensorial”.
Feitas essas preleções inicias, veremos que por acreditar na existência desses “saberes inatos”, Kant iniciou o livro opondo-se à concepção do filósofo Locke e dos outros membros da chamada “Escola Inglesa”, cuja tese principal afirmava que todo conhecimento seria proveniente das experiências sensoriais; ou seja, do que fora captado pelos cinco sentidos humanos. Hume, outro expoente dessa tendência, afirmava ainda que não existia a Alma, já que a Mente seria apenas uma espécie de marcha ou de procissão de nossas ideias e que as nossas certezas não passavam de meras probabilidades, de simples expectativas de que um resultado verificado fosse se repetir eternamente.
Em sua oposição, Kant argumentou que essas conclusões dos ingleses não se sustentavam pelo simples fato de que se originavam de falsas premissas, pois segundo ele:
“Se você presume que todo conhecimento vem das sensações separadas e distintas; naturalmente, estas não lhe podem dar a necessidade ou as invariáveis consequências das quais você possa ter certeza sempre”.
Em seguida, ele propôs a seguinte reflexão:
“Admitamos que seja impossível qualquer certeza absoluta acerca do conhecimento proveniente da experiência, do mundo externo; mas, e se possuirmos o conhecimento que independe da experiência? O conhecimento cuja veracidade seja certa a priori? Nesse caso, a verdade daquele saber fa-lo-á ser um ‘saber absoluto’; mas existirá tal saber? Haverá esse conhecimento absoluto?”.
É a resposta a esse questionamento o motivo e o objetivo da Crítica da Razão Pura. A investigação sobre o quê se pode obter com a Razão, ou Racionalidade, se lhe forem tirados os elementos da experiência. Verificar qual será a sua real capacidade e qual o seu limite.
E para responder a essas dúvidas, a obra examina detalhadamente a origem e a evolução dos conceitos ou definições que damos às coisas e faz uma análise profunda da estrutura que a mente herda geneticamente. Para Kant, nesse conjunto de dados estará a solução, ou no mínimo as suas chaves, dos problemas metafísicos.
Em suas palavras:
“Neste livro visei, principalmente, a completude; e me arrisco a afirmar que não deve existir um só problema metafísico que tenha sido resolvido aqui, ou para cuja solução não se tenha fornecido, aqui, a chave”.
Na sequência Kant assume o discurso direto e afirma que:
“A experiência não é, em absoluto, o único campo ao qual a nossa compreensão pode ficar confinada. A experiência nos diz o que algo é, mas ela não nos diz se aquilo é necessariamente o que é e não o contrário. Ela não nos fornece nunca qualquer verdade efetiva. Ela provoca a nossa Razão, mas não a satisfaz, pois o Raciocínio naturalmente almeja chegar à essência de qualquer saber apreendido. E isto acontece porque pela sua própria natureza as Verdades Gerais não pertencem ao domínio da experiência sensorial e justamente por esse distanciamento das imperfeições ocasionadas pelas limitações dos Sentidos (tato, visão, audição, paladar e olfato) é que tais Verdades são claras e certas por si mesmas”.
Para ilustrar a sua tese, Kant cita a Matemática como um exemplo dessas “Verdades a priori”, já que se pode imaginar que em certo dia o Sol não nasça no Oriente ou que num mundo de amianto o fogo não queime a madeira, mas não se pode sequer supor que em algum dia 2+2 deixe de ser quatro. Essa certeza não depende de qualquer experiência passada, presente ou futura. E certezas como esta são absolutas e necessárias.
Mas como esse tipo de Saber nos ocorre? Como sabemos que é absoluto e necessário?
Temos a certeza de que ele não provém da experiência, pois essa só nos oferece Sensações e eventos separados que poderão ser alterados no futuro.
Assim, por redução de alternativas, conclui-se que a origem do mesmo está na própria estrutura da mente humana (não confundir mente e cérebro físico) porque ela não é uma espécie de “cera” onde a experiência e a sensação dela resultante escrevem ao seu bel prazer. Tampouco é uma abstração para a série de estados mentais que naturalmente residem na alma humana.
Na verdade, a mente é um “órgão” atuante que molda e coordena as Sensações transformando-as em Percepções ou ideias. Um órgão que transforma a confusa multiplicidade proveniente das experiências em uma ordenada série de pensamentos.
Na sequência, Kant se propõe a explicar como tais transformações acontecem e para tanto investiga a “Estética”.
Assim sendo, deve-se entender que este é o título dado ao estudo crítico, minucioso e detalhado dos limites e capacidades desse tipo de saber.
Se existe alguma censura por parte de Kant, esta acontece apenas no fim do trabalho quando ele questiona as suas limitações.
Outro ponto importante a ser esclarecido é a própria “Razão Pura”. O que é exatamente esse elemento?
Razão é um termo que no contexto filosófico equivale a raciocínio, juízo, análise etc. É a capacidade ou a faculdade de se conhecer, analisar, conceituar, definir etc. qualquer coisa, baseando-se nas evidências sensoriais (no que foi captado pelos Sentidos) e no ordenado segundo as regras da lógica. Quanto ao adjetivo: “Pura”, o sentido comum se mantém e ele indica a não contaminação por dados falsos, incorretos, incompleto etc. que são próprios do saber adquirido empiricamente.
Unindo-se, portanto, os dois nomes tem-se o “saber livre dos conhecimentos deformados pelas captações sensoriais”. Conhecimento que nos pertence graças à inata estrutura e natureza da mente. Saberes que já residem, pelo menos potencialmente, em nossa alma desde o nascimento.
Segundo Will Durant:
“Porque a Razão Pura deve indicar o conhecimento que não vem através dos nossos sentidos, mas é independente de toda experiência sensorial”.
Feitas essas preleções inicias, veremos que por acreditar na existência desses “saberes inatos”, Kant iniciou o livro opondo-se à concepção do filósofo Locke e dos outros membros da chamada “Escola Inglesa”, cuja tese principal afirmava que todo conhecimento seria proveniente das experiências sensoriais; ou seja, do que fora captado pelos cinco sentidos humanos. Hume, outro expoente dessa tendência, afirmava ainda que não existia a Alma, já que a Mente seria apenas uma espécie de marcha ou de procissão de nossas ideias e que as nossas certezas não passavam de meras probabilidades, de simples expectativas de que um resultado verificado fosse se repetir eternamente.
Em sua oposição, Kant argumentou que essas conclusões dos ingleses não se sustentavam pelo simples fato de que se originavam de falsas premissas, pois segundo ele:
“Se você presume que todo conhecimento vem das sensações separadas e distintas; naturalmente, estas não lhe podem dar a necessidade ou as invariáveis consequências das quais você possa ter certeza sempre”.
Em seguida, ele propôs a seguinte reflexão:
“Admitamos que seja impossível qualquer certeza absoluta acerca do conhecimento proveniente da experiência, do mundo externo; mas, e se possuirmos o conhecimento que independe da experiência? O conhecimento cuja veracidade seja certa a priori? Nesse caso, a verdade daquele saber fa-lo-á ser um ‘saber absoluto’; mas existirá tal saber? Haverá esse conhecimento absoluto?”.
É a resposta a esse questionamento o motivo e o objetivo da Crítica da Razão Pura. A investigação sobre o quê se pode obter com a Razão, ou Racionalidade, se lhe forem tirados os elementos da experiência. Verificar qual será a sua real capacidade e qual o seu limite.
E para responder a essas dúvidas, a obra examina detalhadamente a origem e a evolução dos conceitos ou definições que damos às coisas e faz uma análise profunda da estrutura que a mente herda geneticamente. Para Kant, nesse conjunto de dados estará a solução, ou no mínimo as suas chaves, dos problemas metafísicos.
Em suas palavras:
“Neste livro visei, principalmente, a completude; e me arrisco a afirmar que não deve existir um só problema metafísico que tenha sido resolvido aqui, ou para cuja solução não se tenha fornecido, aqui, a chave”.
Na sequência Kant assume o discurso direto e afirma que:
“A experiência não é, em absoluto, o único campo ao qual a nossa compreensão pode ficar confinada. A experiência nos diz o que algo é, mas ela não nos diz se aquilo é necessariamente o que é e não o contrário. Ela não nos fornece nunca qualquer verdade efetiva. Ela provoca a nossa Razão, mas não a satisfaz, pois o Raciocínio naturalmente almeja chegar à essência de qualquer saber apreendido. E isto acontece porque pela sua própria natureza as Verdades Gerais não pertencem ao domínio da experiência sensorial e justamente por esse distanciamento das imperfeições ocasionadas pelas limitações dos Sentidos (tato, visão, audição, paladar e olfato) é que tais Verdades são claras e certas por si mesmas”.
Para ilustrar a sua tese, Kant cita a Matemática como um exemplo dessas “Verdades a priori”, já que se pode imaginar que em certo dia o Sol não nasça no Oriente ou que num mundo de amianto o fogo não queime a madeira, mas não se pode sequer supor que em algum dia 2+2 deixe de ser quatro. Essa certeza não depende de qualquer experiência passada, presente ou futura. E certezas como esta são absolutas e necessárias.
Mas como esse tipo de Saber nos ocorre? Como sabemos que é absoluto e necessário?
Temos a certeza de que ele não provém da experiência, pois essa só nos oferece Sensações e eventos separados que poderão ser alterados no futuro.
Assim, por redução de alternativas, conclui-se que a origem do mesmo está na própria estrutura da mente humana (não confundir mente e cérebro físico) porque ela não é uma espécie de “cera” onde a experiência e a sensação dela resultante escrevem ao seu bel prazer. Tampouco é uma abstração para a série de estados mentais que naturalmente residem na alma humana.
Na verdade, a mente é um “órgão” atuante que molda e coordena as Sensações transformando-as em Percepções ou ideias. Um órgão que transforma a confusa multiplicidade proveniente das experiências em uma ordenada série de pensamentos.
Na sequência, Kant se propõe a explicar como tais transformações acontecem e para tanto investiga a “Estética”.
Notas sobre a Estética Transcendental
Noutra obra de nossa autoria já ventilamos a questão da semântica como um poderoso fator inibitório à popularização da Filosofia e aqui encontramos outro exemplo desse fato com a palavra “Estética” que na atualidade é vulgarmente associada com beleza física, corpórea.
Na Filosofia clássica há, de fato, essa junção de Estética com o Belo (o “sentimento do belo”); porém para uso nesse Ensaio, resgata-se o significado original da palavra grega “Aisthetiké”, tendo-se, então, Sensações ou Sentimento.
Feita essa colocação, veremos que Kant chamou de “Filosofia Transcendental” o trabalho que desenvolveu para estudar a estrutura da mente e as Leis inatas do Pensamento, haja vista que tais questões transcendem, ultrapassam, e vão além da experiência sensorial. São, pois, transcendentais.
Nas palavras de Kant:
“Chamo de transcendental o conhecimento que se ocupa não tanto de objetos, quanto dos nossos conceitos a priori de objetos”.
Seu primeiro cuidado foi examinar o processo em que as Sensações se transformam em Percepções ou Pensamentos. Observou, então, que o mesmo se divide em dois estágios. A saber:
Na Filosofia clássica há, de fato, essa junção de Estética com o Belo (o “sentimento do belo”); porém para uso nesse Ensaio, resgata-se o significado original da palavra grega “Aisthetiké”, tendo-se, então, Sensações ou Sentimento.
Feita essa colocação, veremos que Kant chamou de “Filosofia Transcendental” o trabalho que desenvolveu para estudar a estrutura da mente e as Leis inatas do Pensamento, haja vista que tais questões transcendem, ultrapassam, e vão além da experiência sensorial. São, pois, transcendentais.
Nas palavras de Kant:
“Chamo de transcendental o conhecimento que se ocupa não tanto de objetos, quanto dos nossos conceitos a priori de objetos”.
Seu primeiro cuidado foi examinar o processo em que as Sensações se transformam em Percepções ou Pensamentos. Observou, então, que o mesmo se divide em dois estágios. A saber:
- O primeiro estágio consiste em organizar a matéria-prima das Sensações com o intuito de enquadrá-las nas chamadas “Formas de Percepção” que são o Tempo e o Espaço.
- O segundo estágio consiste em coordenar aquelas Sensações que já foram enquadradas no Espaço e no Tempo nas outras formas de concepção, as chamadas “Categorias do Pensamento*.
Usando a palavra “Estética” em seu sentido original (Sensação ou Sentimento), Kant chamou o primeiro estágio de “Estética Transcendental”. E usando a palavra “Lógica” com o significado de “Ciência das Formas de Pensamento”, chamou o segundo estágio de “Lógica ou Analítica Transcendental”.
São títulos que em um primeiro momento podem parecer indecifráveis e justamente por isso mereceram uma atenção individualizada.
Inicialmente examinaremos à seguinte questão: O que se entende exatamente por Sensações e por Percepções e como é que a mente transforma as primeiras nas últimas?
A Sensação, em si, é apenas a consciência de um estimulo ou, em outros termos, é sentir o efeito provocado por algo que nos atinge, como, por exemplo, o doce sabor da uva que comemos. O sentido do paladar nos deu essa Sensação, como antes o olfato já nos dera o odor da fruta etc. A Sensação, portanto, é o inicio bruto de qualquer experiência, ou de qualquer relacionamento com o mundo externo e não podem ser consideradas como “Conhecimento” exatamente por causa desse primarismo.
Contudo, quando várias Sensações sobre o mesmo objeto se agrupam no Espaço e no Tempo o individuo passa a ter a consciência de que aquele objeto existe realmente. Passa a ter uma “Percepção” daquela existência.
É o caso da uva citada no exemplo anterior, pois quando se juntam as Sensações de sabor, odor, visão etc. têm-se a consciência (ou se sabe) de que existe uma coisa que reúne ao mesmo Tempo e no mesmo Espaço todas aquelas Sensações. A Sensação transformou-se em Conhecimento.
Esse processo da Sensação transmutar-se em Conhecimento goza de aceitação pela maioria da comunidade filosófica, mas o consenso não se repete quando se pergunta sobre o motivo dele ocorrer.
Filósofos empiristas como Locke e Hume afirmam que as Sensações agrupam-se natural e espontaneamente, colocando-se automaticamente na ordem necessária para se transformarem em Percepções.
Kant, todavia, rejeitou esse automatismo que, a bem da verdade, iniciou-se no principio da Filosofia quando Platão usou uma frase dura para se referir às Sensações – a ralé dos Sentidos.
Para o mestre alemão, esses mesmos sentidos não passariam de uma tropa desorganizada e carente de um general que a organizasse. Um comandante que coordenasse a turba de sensações que chegam até a Mente através de inúmeros canais (ou orgãos dos Sentidos (tato, visão, audição, paladar e olfato) e inúmeros nervos aferentes que passam pelos olhos, pelos ouvidos, pela epiderme) e que se depositam em suas câmaras à espera do necessário ordenamento para se transformarem em saber efetivo, deixando de ser um múltiplo confuso e inútil.
Para Kant, portanto, é imprescindível que haja uma força organizadora, pois, em primeiro lugar, deve-se observar que nem todas as mensagens trazidas pelas sensações são aceitas, vez que há uma multidão de estímulos indevidos que atingem inutilmente o indivíduo, pois apenas as Sensações que podem ser transformadas em Percepções adequadas ao propósito do sujeito, ou que lhe possam dar um aviso importante, como o de perigo, por exemplo, é que serão acatadas.
Um exemplo típico da situação descrita no parágrafo acima é a do tique-taque de um relógio que atinge continuamente o nosso ouvido, mas não é selecionado para se transformar em conhecimento, exceto se o nosso objetivo for escutar-lhe por algum motivo, como o de conferir o seu funcionamento regular.
Baseado nessas observações, Kant reafirmou, então, a sua opinião de que a associação das Sensações não acontece automaticamente por simples contiguidade de Espaço e Tempo, tampouco por analogia, frequência, intensidade etc.
A vinculação, segundo a sua ótica, só ocorre de acordo com o propósito do indivíduo. Segundo a sua vontade.
As Sensações e as Ideias são elementos subalternos que aguardam ao chamado da Mente, o “Agente de Seleção e de Direção”, que as utiliza segundo os seus objetivos, analogamente a um General que organiza as mensagens que lhe chegam, destinando-as corretamente.
Primeiramente ela utiliza os conceitos de Tempo e Espaço para classificar aquilo que lhe foi trazido. Em seguida, em átimos, atribui as Sensações a este ou àquele objeto e a este ou àquele momento do Presente ou do Passado.
O Tempo e o Espaço, onde ficam as Sensações, são elementos chaves no pensamento kantiano. Não são “coisas” que podem ser percebidas, mas são “modos de Percepção”; ou seja, maneiras de se perceber qualquer coisa, haja vista ser impossível notarmos a existência de algo se o mesmo não puder ser relacionado a algum lugar (ou espaço) e há algum tempo (se acontece, se aconteceu, acontecerá, se está, se esteve etc.).
Através desses “órgãos de percepção” é que se consegue dar sentido à Sensação, pois se elas não fossem organizadas segundo esses parâmetros seria como se recebêssemos apenas mensagens abstratas, surreais, desfocadas, justapostas, incompletas etc. que até poderiam ser belas, mas inaproveitáveis para a vida prática do indivíduo.
Espaço e Tempo são considerados saberes a priori; isto é, existentes antes de ter havido qualquer experiência empírica. Um tipo de “saber” que já está na mente do individuo desde o seu nascimento.
E são a priori porque toda experiência que foi organizada sinaliza que eles a organizaram e, portanto, antecederam-lhe. Sem eles, as Sensações jamais poderiam transformar-se em Percepções*. E, também, são a priori porque é inconcebível que venhamos a ter qualquer experiência no futuro que não os envolva.
Destarte, por serem a priori, são regidos pelas mesmas Leis absolutas e necessárias que regem a Matemática e as outras Ciências que possam vir a ser consideradas "A Priori", desde que os seus princípios básicos, ou seja, a Lei de Causa e Efeito* (ou Causalidade*) sejam comprováveis e elas possuam a característica de serem tão inerentes aos processos de compreensão que não se possa sequer pensar numa experiência sem as mesmas, como acontece, por exemplo, com o Tempo e o Espaço.
São títulos que em um primeiro momento podem parecer indecifráveis e justamente por isso mereceram uma atenção individualizada.
Inicialmente examinaremos à seguinte questão: O que se entende exatamente por Sensações e por Percepções e como é que a mente transforma as primeiras nas últimas?
A Sensação, em si, é apenas a consciência de um estimulo ou, em outros termos, é sentir o efeito provocado por algo que nos atinge, como, por exemplo, o doce sabor da uva que comemos. O sentido do paladar nos deu essa Sensação, como antes o olfato já nos dera o odor da fruta etc. A Sensação, portanto, é o inicio bruto de qualquer experiência, ou de qualquer relacionamento com o mundo externo e não podem ser consideradas como “Conhecimento” exatamente por causa desse primarismo.
Contudo, quando várias Sensações sobre o mesmo objeto se agrupam no Espaço e no Tempo o individuo passa a ter a consciência de que aquele objeto existe realmente. Passa a ter uma “Percepção” daquela existência.
É o caso da uva citada no exemplo anterior, pois quando se juntam as Sensações de sabor, odor, visão etc. têm-se a consciência (ou se sabe) de que existe uma coisa que reúne ao mesmo Tempo e no mesmo Espaço todas aquelas Sensações. A Sensação transformou-se em Conhecimento.
Esse processo da Sensação transmutar-se em Conhecimento goza de aceitação pela maioria da comunidade filosófica, mas o consenso não se repete quando se pergunta sobre o motivo dele ocorrer.
Filósofos empiristas como Locke e Hume afirmam que as Sensações agrupam-se natural e espontaneamente, colocando-se automaticamente na ordem necessária para se transformarem em Percepções.
Kant, todavia, rejeitou esse automatismo que, a bem da verdade, iniciou-se no principio da Filosofia quando Platão usou uma frase dura para se referir às Sensações – a ralé dos Sentidos.
Para o mestre alemão, esses mesmos sentidos não passariam de uma tropa desorganizada e carente de um general que a organizasse. Um comandante que coordenasse a turba de sensações que chegam até a Mente através de inúmeros canais (ou orgãos dos Sentidos (tato, visão, audição, paladar e olfato) e inúmeros nervos aferentes que passam pelos olhos, pelos ouvidos, pela epiderme) e que se depositam em suas câmaras à espera do necessário ordenamento para se transformarem em saber efetivo, deixando de ser um múltiplo confuso e inútil.
Para Kant, portanto, é imprescindível que haja uma força organizadora, pois, em primeiro lugar, deve-se observar que nem todas as mensagens trazidas pelas sensações são aceitas, vez que há uma multidão de estímulos indevidos que atingem inutilmente o indivíduo, pois apenas as Sensações que podem ser transformadas em Percepções adequadas ao propósito do sujeito, ou que lhe possam dar um aviso importante, como o de perigo, por exemplo, é que serão acatadas.
Um exemplo típico da situação descrita no parágrafo acima é a do tique-taque de um relógio que atinge continuamente o nosso ouvido, mas não é selecionado para se transformar em conhecimento, exceto se o nosso objetivo for escutar-lhe por algum motivo, como o de conferir o seu funcionamento regular.
Baseado nessas observações, Kant reafirmou, então, a sua opinião de que a associação das Sensações não acontece automaticamente por simples contiguidade de Espaço e Tempo, tampouco por analogia, frequência, intensidade etc.
A vinculação, segundo a sua ótica, só ocorre de acordo com o propósito do indivíduo. Segundo a sua vontade.
As Sensações e as Ideias são elementos subalternos que aguardam ao chamado da Mente, o “Agente de Seleção e de Direção”, que as utiliza segundo os seus objetivos, analogamente a um General que organiza as mensagens que lhe chegam, destinando-as corretamente.
Primeiramente ela utiliza os conceitos de Tempo e Espaço para classificar aquilo que lhe foi trazido. Em seguida, em átimos, atribui as Sensações a este ou àquele objeto e a este ou àquele momento do Presente ou do Passado.
O Tempo e o Espaço, onde ficam as Sensações, são elementos chaves no pensamento kantiano. Não são “coisas” que podem ser percebidas, mas são “modos de Percepção”; ou seja, maneiras de se perceber qualquer coisa, haja vista ser impossível notarmos a existência de algo se o mesmo não puder ser relacionado a algum lugar (ou espaço) e há algum tempo (se acontece, se aconteceu, acontecerá, se está, se esteve etc.).
Através desses “órgãos de percepção” é que se consegue dar sentido à Sensação, pois se elas não fossem organizadas segundo esses parâmetros seria como se recebêssemos apenas mensagens abstratas, surreais, desfocadas, justapostas, incompletas etc. que até poderiam ser belas, mas inaproveitáveis para a vida prática do indivíduo.
Espaço e Tempo são considerados saberes a priori; isto é, existentes antes de ter havido qualquer experiência empírica. Um tipo de “saber” que já está na mente do individuo desde o seu nascimento.
E são a priori porque toda experiência que foi organizada sinaliza que eles a organizaram e, portanto, antecederam-lhe. Sem eles, as Sensações jamais poderiam transformar-se em Percepções*. E, também, são a priori porque é inconcebível que venhamos a ter qualquer experiência no futuro que não os envolva.
Destarte, por serem a priori, são regidos pelas mesmas Leis absolutas e necessárias que regem a Matemática e as outras Ciências que possam vir a ser consideradas "A Priori", desde que os seus princípios básicos, ou seja, a Lei de Causa e Efeito* (ou Causalidade*) sejam comprováveis e elas possuam a característica de serem tão inerentes aos processos de compreensão que não se possa sequer pensar numa experiência sem as mesmas, como acontece, por exemplo, com o Tempo e o Espaço.
Continua...