ADOLESCENTE... O BONECO E A VIDA.
A Secretaria da Saúde do Estado da Paraíba formalizou uma parceria com uma Instituição de caridade (freiras e padres), um convento. As adolescentes privadas de liberdade tinham histórias diversas a contar.
A equipe profissional resolveu fazer um trabalho com oficinas de orientação à gravidez precoce e sexualidade. Uma das freiras responsáveis pelo grupo de crianças e adolescentes foi à pessoa interessada e aberta (flexível) para que ocorresse o trabalho naquela instituição.
O grupo mobilizado para executar as atividades, nesta parceria, foi de natureza interdisciplinar. Composto por uma enfermeira, uma psicóloga e uma assistente social. Os adolescentes, objeto das atividades: Sexo feminino. Idade entre nove e dezessete anos e meio.
O material utilizado nas oficinas como: rolo de papel higiênico,
cartolinas, palitos para churrasco, papel madeira, cartolinas de cores variadas, tintas multicoloridas, lápis grafite, pincéis, lápis hidrocor (cores diversas), lápis de cera, tesouras, cola, papel crepom, papel ofício, apontador de lápis e um lençol.
Durante um ano, quinzenalmente eram realizadas oficinas com quatro horas de duração. Havia um grupo de adolescentes no turno da tarde e outro pela manhã.
Algumas dessas adolescentes tinham casa, mas raramente, iam visitar seus familiares, haviam normas a serem cumpridas. No início, a formação dos grupos foi difícil, pois a inquietação, desconfiança, medo, estavam estampados naqueles rostinhos sofridos, mas a equipe da saúde perseverou e conseguiu, bons resultados...
O tempo passou... As atividades foram evoluindo até que foi montada uma oficina com bonecos com algumas etapas... Confecção individual de boneco; Elaboração de uma história conjunta; Encenação de peça teatral do roteiro coletivo produzido por cada grupo de adolescentes, que se apresentavam por trás de um grande lençol...
Só os bonecos, personagens da história apareciam para a platéia. Esta era constituída por adolescentes dos demais grupos e pela equipe de profissionais.
Por trás do lençol aquele grupo pôde se mostrar (projetar) sem medo... Sem máscara... Talvez desabafar (aliviar) um pouco a dor pulsante de seus jovens corações...
A demonstração exteriorizada, que extrapolou o enredo das personagens, causou impacto e surpresa na equipe de profissionais pela forma violenta de se auto cuidarem... Auto destruição fazia parte integrante de seu universo de relacionamento. Aquelas crianças e adolescente desmonstraram com naturalidade que era esse o universo de suas vidas.
Uma das histórias que aflorou na dramatização ou a de uma adolescente que era de rua e abortou um bebê pedindo que suas companheiras, também adolescentes de rua, pulassem na sua barriga para matarem o bebê.
Participava dos trabalhos uma jovem mãe adolescente, N.E. -nome fictício - de treze anos, sempre participava com seu bebê no carrinho (sua participação nos trabalhos foi concedida pelas irmãs, freiras, em caráter especial).
A oficina transcorreu normalmente, mesmo com a presença do bebê que distraia um pouco o grupo (fato curioso), mas N.E.quase nunca dava um sorriso... N.E. chamou atenção da equipe... O seu desenho, o boneco era o maior de todos, tinha enormes braços abertos, era um menino.
Vale salientar, que a história apresentada pelo grupo de N.E. falava de uma jovem que engravidou do próprio pai e não quis aceitar o filho. A mãe da adolescente, descrita no roteiro, não se importava com ela... O pai foi preso por pedofilia e incesto... Esta história era parecida com a de N.E...
N.E. vivia no convento enclausurada e triste juntamente com outras jovens com histórias parecidas... Quando nasceu seu bebê, ela o rejeitou. Não aceitou cuidar dele. Falava que não era seu filho era um irmão. As famílias dessas crianças e adolescentes normalmente moravam distante, geralmente podendo lhes fazer raras visitas...
O tempo passou, a direção da Instituição mudou... Outra Congregação passou a cuidar das adolescentes, então as regras mudaram... A administração era mais rígida, quanto ao vestir, quanto ao horário de assistir TV, etc.
As oficinas foram interrompidas, pois falar sobre sexualidade, para esse grupo, era proibido. Alguns anos se passaram e a equipe de trabalho tomou conhecimento que N.E. tinha resolvido ser “Noviça”, transferiu-se para outra cidade a fim de preparar-se para tornar-se Freira.
Foi possível assim, refletir-se sobre o desenho de N.E.... O que será que a adolescente quis externar quando desenhou um boneco do sexo masculino... Grande, forte e com braços enormes e abertos?
O pai de N.E. foi morto na prisão. N.E. ficou grávida do seu pai e sua mãe lhe arrumou um marido... Um senhor de aproximadamente quarenta anos o qual ela não aceitou... N.E. fugiu e ficou sob os cuidados daquela instituição de caridade. Seu filho ficou com a Instituição de caridade para adoção.
Ao desenhar um boneco do sexo masculino, grande, forte e com braços enormes e abertos, N.E. poderia estar rejeitando sua condição de ser mulher... Ela tinha irmãos homens que não tinham sofrido abuso sexual, talvez ela achasse que eles estivessem, enquanto homens, em situação melhor que sua.
Por outro lado, poderia também, ao desenhar uma boneco grande e forte sendo seu filho, que ela N.E. considerava irmão, simbolizaria sua necessidade de uma figura de defesa... Tal figura poderia enfrentar seu pai, de homem para homem...
Os braços abertos, daquele grande boneco, reafirma esta necessidade de proteção de abrigo, do seu sentimento de desamparo diante da vida. Seu boneco de calças compridas- longa e de braços abertos parecia mais uma cruz, Jesus crucificado, significando seus sofrimentos. Poderia ser, em última análise, um grito de socorro, ela era muito calada... Estava, como outros adolescentes de sua idade, em busca da tão sonhada liberdade ... Ou seja os braços abertos também poderia significar"- Estou carente vem me abraçar...
Há muito sofrimento neste grupo social. Muita carência afetiva. Porque este se constitui um universo a parte, na lida cotidiana. Um mundo que só o próprio grupo experiencia, e mantém certa hermeticidade.
Para refletir-se sobre este espaço social e seus problemas, há que se questionar: O que o cidadão ou cidadã podem fazer quanto ao incesto? Observar, denunciar... Esse crime tem uma ocorrência percentual considerável... A violência sexual contra adolescentes, incestuosa ou não ocorre na família... Contra adolescentes do sexo feminino e masculino... Mas esta será uma outra história....
Texto Inédito!
PROJETO: O ADOLESCENTE QUER SABER (Área da Psicologia do Adolescente).
Marize Morais- Psicóloga Clínica. João Pessoa (PB), 31.03.2007.
Direitos autorais reservados/Lei n. 9.610 de 19.02.1998
A Secretaria da Saúde do Estado da Paraíba formalizou uma parceria com uma Instituição de caridade (freiras e padres), um convento. As adolescentes privadas de liberdade tinham histórias diversas a contar.
A equipe profissional resolveu fazer um trabalho com oficinas de orientação à gravidez precoce e sexualidade. Uma das freiras responsáveis pelo grupo de crianças e adolescentes foi à pessoa interessada e aberta (flexível) para que ocorresse o trabalho naquela instituição.
O grupo mobilizado para executar as atividades, nesta parceria, foi de natureza interdisciplinar. Composto por uma enfermeira, uma psicóloga e uma assistente social. Os adolescentes, objeto das atividades: Sexo feminino. Idade entre nove e dezessete anos e meio.
O material utilizado nas oficinas como: rolo de papel higiênico,
cartolinas, palitos para churrasco, papel madeira, cartolinas de cores variadas, tintas multicoloridas, lápis grafite, pincéis, lápis hidrocor (cores diversas), lápis de cera, tesouras, cola, papel crepom, papel ofício, apontador de lápis e um lençol.
Durante um ano, quinzenalmente eram realizadas oficinas com quatro horas de duração. Havia um grupo de adolescentes no turno da tarde e outro pela manhã.
Algumas dessas adolescentes tinham casa, mas raramente, iam visitar seus familiares, haviam normas a serem cumpridas. No início, a formação dos grupos foi difícil, pois a inquietação, desconfiança, medo, estavam estampados naqueles rostinhos sofridos, mas a equipe da saúde perseverou e conseguiu, bons resultados...
O tempo passou... As atividades foram evoluindo até que foi montada uma oficina com bonecos com algumas etapas... Confecção individual de boneco; Elaboração de uma história conjunta; Encenação de peça teatral do roteiro coletivo produzido por cada grupo de adolescentes, que se apresentavam por trás de um grande lençol...
Só os bonecos, personagens da história apareciam para a platéia. Esta era constituída por adolescentes dos demais grupos e pela equipe de profissionais.
Por trás do lençol aquele grupo pôde se mostrar (projetar) sem medo... Sem máscara... Talvez desabafar (aliviar) um pouco a dor pulsante de seus jovens corações...
A demonstração exteriorizada, que extrapolou o enredo das personagens, causou impacto e surpresa na equipe de profissionais pela forma violenta de se auto cuidarem... Auto destruição fazia parte integrante de seu universo de relacionamento. Aquelas crianças e adolescente desmonstraram com naturalidade que era esse o universo de suas vidas.
Uma das histórias que aflorou na dramatização ou a de uma adolescente que era de rua e abortou um bebê pedindo que suas companheiras, também adolescentes de rua, pulassem na sua barriga para matarem o bebê.
Participava dos trabalhos uma jovem mãe adolescente, N.E. -nome fictício - de treze anos, sempre participava com seu bebê no carrinho (sua participação nos trabalhos foi concedida pelas irmãs, freiras, em caráter especial).
A oficina transcorreu normalmente, mesmo com a presença do bebê que distraia um pouco o grupo (fato curioso), mas N.E.quase nunca dava um sorriso... N.E. chamou atenção da equipe... O seu desenho, o boneco era o maior de todos, tinha enormes braços abertos, era um menino.
Vale salientar, que a história apresentada pelo grupo de N.E. falava de uma jovem que engravidou do próprio pai e não quis aceitar o filho. A mãe da adolescente, descrita no roteiro, não se importava com ela... O pai foi preso por pedofilia e incesto... Esta história era parecida com a de N.E...
N.E. vivia no convento enclausurada e triste juntamente com outras jovens com histórias parecidas... Quando nasceu seu bebê, ela o rejeitou. Não aceitou cuidar dele. Falava que não era seu filho era um irmão. As famílias dessas crianças e adolescentes normalmente moravam distante, geralmente podendo lhes fazer raras visitas...
O tempo passou, a direção da Instituição mudou... Outra Congregação passou a cuidar das adolescentes, então as regras mudaram... A administração era mais rígida, quanto ao vestir, quanto ao horário de assistir TV, etc.
As oficinas foram interrompidas, pois falar sobre sexualidade, para esse grupo, era proibido. Alguns anos se passaram e a equipe de trabalho tomou conhecimento que N.E. tinha resolvido ser “Noviça”, transferiu-se para outra cidade a fim de preparar-se para tornar-se Freira.
Foi possível assim, refletir-se sobre o desenho de N.E.... O que será que a adolescente quis externar quando desenhou um boneco do sexo masculino... Grande, forte e com braços enormes e abertos?
O pai de N.E. foi morto na prisão. N.E. ficou grávida do seu pai e sua mãe lhe arrumou um marido... Um senhor de aproximadamente quarenta anos o qual ela não aceitou... N.E. fugiu e ficou sob os cuidados daquela instituição de caridade. Seu filho ficou com a Instituição de caridade para adoção.
Ao desenhar um boneco do sexo masculino, grande, forte e com braços enormes e abertos, N.E. poderia estar rejeitando sua condição de ser mulher... Ela tinha irmãos homens que não tinham sofrido abuso sexual, talvez ela achasse que eles estivessem, enquanto homens, em situação melhor que sua.
Por outro lado, poderia também, ao desenhar uma boneco grande e forte sendo seu filho, que ela N.E. considerava irmão, simbolizaria sua necessidade de uma figura de defesa... Tal figura poderia enfrentar seu pai, de homem para homem...
Os braços abertos, daquele grande boneco, reafirma esta necessidade de proteção de abrigo, do seu sentimento de desamparo diante da vida. Seu boneco de calças compridas- longa e de braços abertos parecia mais uma cruz, Jesus crucificado, significando seus sofrimentos. Poderia ser, em última análise, um grito de socorro, ela era muito calada... Estava, como outros adolescentes de sua idade, em busca da tão sonhada liberdade ... Ou seja os braços abertos também poderia significar"- Estou carente vem me abraçar...
Há muito sofrimento neste grupo social. Muita carência afetiva. Porque este se constitui um universo a parte, na lida cotidiana. Um mundo que só o próprio grupo experiencia, e mantém certa hermeticidade.
Para refletir-se sobre este espaço social e seus problemas, há que se questionar: O que o cidadão ou cidadã podem fazer quanto ao incesto? Observar, denunciar... Esse crime tem uma ocorrência percentual considerável... A violência sexual contra adolescentes, incestuosa ou não ocorre na família... Contra adolescentes do sexo feminino e masculino... Mas esta será uma outra história....
Texto Inédito!
PROJETO: O ADOLESCENTE QUER SABER (Área da Psicologia do Adolescente).
Marize Morais- Psicóloga Clínica. João Pessoa (PB), 31.03.2007.
Direitos autorais reservados/Lei n. 9.610 de 19.02.1998