A LENDA DAS MAIAS
“O grifo espião”
Quase em todas as terras do norte de Portugal, nomeadamente na província do Minho, têm persistido ao longo dos inúmeros séculos do Cristianismo variadíssimas narrativas de cariz lendário acerca das festas chamadas MAIAS que ainda hoje persistem nas tradições populares.
Uma das versões de maior divulgação diz respeito à célebre “lenda das maias”. Maias – vulgarmente conhecidas por giestas - é o nome dado à grande maioria das flores silvestres que cobrem extensas manchas geográficas, quer em planícies, quer em planaltos ou montanhas. Há-as de cores variadas mas as que mais dominam são as brancas e as amarelas. O seu nome deriva em grande parte por ser durante o mês de Maio que este fenómeno de floração mais se distingue. Todas as regiões do país, nesta altura, estão recobertas por cores garridas e vistosas que dotam a natureza de uma paisagem espectacular.
Além da ornamentação exterior é comum as habitações das aldeias rurais serem engalanadas nesta altura por ramos e ramos de maias, dentro e fora de cada casa. O mesmo se passa com a tapetação das ruas e vielas.
São tradicionais, durante o mês de Maio, as variadíssimas romarias, feiras e certames em que cada terra procura briosamente dar a conhecer as suas belezas e ornamentações naturais, juntamente com doçarias, comes e bebes, acompanhadas com exibição de festivos ranchos folclóricos.
Além destes aspectos de carácter sociológico, a respeito das maias floridas, há a considerar certos costumes e hábitos relacionados com estas plantas e flores. As maias podem ser utilizadas como enfeites, como fertilizante ideal para terras já bastante desgastadas do plantio, como matéria-prima para confecção de licores, xaropes, chás, mel e outros ingredientes propícios às gastronomias locais. Fala-se a miúde da tentativa de produção de remédios para algumas patologias orgânicas.
Para além destes aspectos específicos são comuns as associações de carácter místico com o impacto parapsicológico destas flores.
Variando de terra para terra, numas as maias servem de ornamentação nomeadamente em capelas, ermidas e até em igrejas paroquiais; noutras servem para ornamentar as urnas, a quando dos funerais, como manifestação de crença de boas-entradas na vida extraterrena da pessoa falecida influência esta que, dizem, ter vindo de costumes arreigados entre os povos egípcios, trazida para a península ibérica pelo povo árabe, durante a Idade Média; noutras terras servem de amuleto, nomeadamente durante o mês de Maio, para defender as moradias contra os maus agoiros, maus olhares, bruxedos, feitiçarias, invejas e desavenças de familiares e de vizinhança de baixo nível, sendo colocados raminhos de maias junto aos batentes das portas, nas janelas e varandas; igualmente a utilização destes mesmos ramos em recitação de terços à noitinha, para pedir sorte a Deus para as viagens dos familiares, protecção para as primeiras plantações e sementeiras feitas na primavera; por fim, a colocação das maias ainda verdes sobre as brasas, com o objectivo do seu fumo apaziguar as trovoadas (prática comum aos ramos de oliveira, benzidos no domingo anterior à Páscoa), as geadas e os granizos bastante frequentes nesta altura do ano por quase todo o norte do país.
Já houve tempo em que as maias eram associadas às liturgias entre a Páscoa e o Pentecostes, pedindo-se inclusivamente, em orações de cunho popular, pelo bom andamento da fecundidade materna.
Exemplo disso eram os costumes associados a festividades, romarias e procissões, em honra de Sta. Filomena, patrona das mães solteiras e das adolescentes namoradeiras. Grande parte destas liturgias caiu posteriormente em desuso, muito por força das orientações da pastoral católica, sob recomendação dos decretos do Concílio Vaticano II e da acção do papa João XXIII, há pouco canonizado. Daqui resultou em se considerar que esta popular santa afinal não era reconhecida oficialmente mas, antes e apenas, a derivação de um culto pagão de origem romana. Por isso mesmo é que estas festividades foram sendo desactivadas ao longo de várias décadas, não se falando já hoje neste culto.
Feita esta introdução de carácter generalista e detectada a importância da questão à volta da «Festa das Maias» vamos agora entrar no campo propriamente dito da Lenda que, nesta presente versão, está mais disseminada nas terras do norte de Portugal.
“Reza a tradição que no tempo do famoso rei Herodes, da Palestina, teve lugar no seu reinado um evento que ficou conhecido como o massacre dos inocentes. Tratou-se nada mais, nada menos, do que a iniciativa do rei em querer fazer destruir a notícia de que tinha nascido em Belém o Messias prometido por Deus a Abraão e a seus descendentes com a finalidade de salvar Israel do poder dos romanos.
A Palestina nessa altura (século VIII da fundação de Roma) era parte integrante do Império Romano, ao tempo do imperador Augusto. Para isso, ao ser informado pelos igualmente famosos Magos do Oriente que tinham vindo adorar o anunciado Messias que viria - segundo certas profecias - a herdar o trono de Israel, quis certificar-se se esse nascimento era real.
Tendo mandado uma mensagem (utilizando um grifo domesticado para o efeito) ao seu governador em Belém para inquirir sobre o assunto, este reencaminhou a mensagem, pela mesma via, para Herodes informando que, logo que soubesse onde morava a família de Nazaré, mandaria colocar em segredo, na porta da moradia, um ramo de maias floridas para que os enviados do rei aí entrassem e matassem o dito recém-nascido, evitando-se assim o morticínio desnecessário. O que é que veio a suceder?
No dia seguinte, ao nascer do sol, os esbirros de Herodes ao entrarem na cidade olharam estupefactos para o que estavam vendo: todas as casas de todas as ruas de Belém tinham nas suas portas um ramo de maias com flores da cor do sol. Caiu, assim, por terra o desejo de vingança do feroz monarca.
Entretanto, por aparição de um anjo aos pais de Jesus, na madrugada seguinte, a família de Nazaré partiu em segredo para o Egipto e aí viveram pacificamente durante vários anos.
Escusado será dizer que a fúria de Herodes foi inaudita, tendo mandado rapidamente, por vingança sanhuda, que fossem mortas todas as crianças de menos de dois anos de idade, evento trágico que ficou conhecido como a matança dos inocentes.
Quanto à família de Nazaré só voltou para a Palestina quando tiveram conhecimento, dez anos depois, da morte daquele rei tirano.”
Ficou célebre para sempre esta Lenda que transmitiu para a mentalidade das gentes do norte a enorme mistificação atribuída às giestas, conhecidas por maias, e da sua grande mística que fez despoletar na alma das populações a crença arraigada ao longo dos séculos nas tradições populares.
Concluindo, estas plantas floridas têm na sua génese este significado: previnem as superstições, os maus agoiros, os ódios, a má-fé e as ocorrências vingativas das relações humanas.
Pesquisa e composição de:
Assis Machado