O RITO ISMAELITA
Maçonaria, organização mundial
A maçonaria é uma instituição mundial, que transcende a ideia de pátria, povo e religião. Por isso ela está espalhada por todos os cantos do mundo, adotando como postulado o respeito pelas crenças e tradições dos países onde ela se estabelece, afirmando a igualdade entre as pessoas, o seu direito á liberdade e a prática da fraternidade entre os povos.
A maior parte do nosso conhecimento maçônico se refere principalmente á maçonaria praticada no Ocidente, cujas origens europeias são de conhecimento de todos os Irmãos.
Todavia, existem ritos maçônicos praticados em outros continentes, especialmente o Oriente, onde os hindus desenvolveram um tipo especial de maçonaria, ou em países do Oriente Médio, onde a maçonaria ismaelita tem muitos adeptos.
Maçonaria ismaelita
A maçonaria ismaelita é um rito desenvolvido especialmente por maçons de origem muçulmana. É um tipo de maçonaria que não tem filiação com as potências maçônicas ocidentais, já que suas Lojas se reúnem sob a égide da chamada Antiga Ordem de Ismael, ou de Esaú, como também é conhecida essa rede de Lojas maçônicas.
O principal fundamento da maçonaria ismaelita é promover a reconciliação entre os povos, já que seus ritos, fundamentados na história bíblica de Abraão e seus dois filhos, Isaque e Ismael, recriam essa história e mostram ter havido, entre esses irmãos, uma reconciliação já nos primórdios da ocupação palestina, onde os dois povos originados pelos filhos daquele patriarca conviveram pacificamente.
As Lojas ismaelitas não são reconhecidas como potências maçônicas regulares, mas congregam muitos Irmãos em vários países do mundo. Existem Lojas desse rito tanto nos países orientais quanto no Ocidente.
A maçonaria ismaelita não é composta só de muçulmanos. Há, em sua composição, Irmãos de todos os credos, inclusive cristãos. Segundo nos informa Makenzie em sua Royal Ciclopaedia, o único credo não admitido no rito ismaelita é o católico romano. Segundo algumas tradições, essa disposição, de não aceitar católicos romanos em seus ritos, vem do fato de essa Ordem maçônica ter origem na chamada Irmandade dos Assassinos, antiga Ordem medieval fundada pelos muçulmanos no tempo das cruzadas, em oposição ás Ordens cristãs estabelecidas pela Igreja de Roma, especialmente os Cavaleiros Templários, Hospitalários e Teutônicos.[1]
Todavia, são admitidos protestantes e católicos ortodoxos. Em cada Loja é utilizado o livro sagrado da respectiva religião.
No Rito Ismaelita as Lojas são chamadas de tendas, em referência aos acampamentos dos ancestrais hebreus. Esse antigo e estranho rito maçônico trabalha com a história bíblica de Abraão, Isaque e Ismael, desenvolvendo, em dezoito graus de riquíssima liturgia, um interessante catecismo.
A Antiga Ordem de Ismael pretende possuir os verdadeiros segredos que Deus comunicou a Abraão e serviu de fundamentos para as bases do Judaísmo e do Islamismo. Embora as Lojas ismaelitas jamais tenham obtido reconhecimento na maçonaria institucionalizada, ela desenvolve importantes temas maçônicos que nos demais ritos reconhecidos são tratados apenas de passagem. Esses temas são, especialmente, os motivos do eterno conflito palestino-israelense, que ainda hoje causam muita preocupação ao mundo. [2]
Raízes comuns dos ritos maçônicos
Embora a maçonaria ismaelita não seja oficialmente reconhecida pelas demais potências maçônicas mundiais, não se pode negar que ela guarda uma relação de identidade muito grande com as demais práticas maçônicas. E isso não é sem razão, pois ambas tem as mesmas raízes, da mesma forma que árabes e judeus são rebentos da mesma árvore.
Isso ocorre porque todo tipo de maçonaria está, de alguma forma, fundamentada na tradição bíblica. Na verdade, a própria idéia que informa a prática da maçonaria, seja ela de que tradição for, é uma derivação da idéia que fundamentou a fundação de Israel como nação e o desenvolvimento de sua crença como povo eleito de Deus, nação modelo para todos os povos da terra.[3]
Nessa visão, que é bíblica, e por consequência informa tanto a história do Ocidente quanto a do Oriente próximo (já que tanto o islamismo quanto o cristianismo são ramos do judaísmo), o proto-estado de Israel, antes de se tornar um reino semelhante aos demais estados palestinos (após a instituição do reinado), é visto como a primeira vivência maçônica institucionalizada. Isso porque a tese que fundamentou o desenvolvimento do estado judeu está centrada na idéia utópica de uma nação de “eleitos”, praticantes de uma fraternidade ligada pelos laços do sangue e da religião, e pelo compartilhamento de uma forte tradição. Na prática, a nação de Israel tinha traços de uma verdadeira Irmandade, muito semelhante a que vê na maçonaria moderna. [4]
Árabes e Judeus
Ao contrário do que se pensa não há uma animosidade histórica entre árabes de judeus, embora a ideologia expressa nas crenças religiosas dos dois povos tivesse concorrido para criar um ambiente de hostilidade entre eles. O conflito histórico existente na Palestina é entre os povos cananeus, hoje representado pelos palestinos, e Israel. A confusão, nesse caso, se estabelece pelo fato de os palestinos falarem a língua árabe e professarem a religião muçulmana, o que os aproxima dos povos árabes.
Na verdade, ao longo da história, judeus e árabes conviveram com mais facilidade do que judeus e cristãos e cristãos e muçulmanos. Essa realidade foi mais visível na época das cruzadas, por exemplo, quando os cristãos ganharam a inimizade tanto de árabes quanto de judeus, pois eles apareceram como invasores numa terra estranha, massacrando indistintamente tanto uns quanto outros. Daí, provavelmente, é que procede a idiossincrasia dos praticantes do Rito Ismaelita contra os católicos romanos, pois estes lembram os cruzados, tidos como assassinos e bandidos, pelos muçulmanos tradicionalistas, até os dias de hoje.
A questão ideológica
Na verdade, tantos judeus quanto árabes procuram dar á história de Abraão e seus dois filhos claros contornos ideológicos. Isso porque no direito consuetudinário das tribos orientais é sempre do filho primogênito o direito de sucessão. Abraão não tinha um filho de sua esposa oficial, Sarai, por isso usou o expediente comum de tomar uma serva para gerar esse filho. Esse expediente era comum entre as tribos daqueles tempos e ainda hoje é observado em algumas tribos beduínas, sendo inclusive oficializado no próprio direito islâmico, no costume de poligamia observado entre os muçulmanos.
Para os judeus, entretanto, aceitar que seu povo tivesse origem no filho de uma escrava não era uma coisa que agradasse muito. Daí o estratagema imaginado pelos cronistas bíblicos, de fazer Sarai, de forma milagrosa, gerar um filho na sua velhice, para que Israel não tivesse uma descendência espúria por parte de mãe.
Então Deus fez nascer Isaque, por divina providência. E isso subverteu a tradição legal, pois esse “truque” divino, que se assemelha á uma chicana jurídica, tirou dos árabes o seu legítimo direito á herança de Abraão.
Assim, a animosidade entre árabes e judeus teria começado já naqueles tempos, face ao conflito instaurado nas tendas do patriarca Abraão entre suas duas mulheres e seus respectivos filhos, cada um, por seu lado reivindicando a herança do velho patriarca. Sarai, a esposa legal de Abraão venceu a disputa e a concubina de Abraão, Agar, junto com seu filho Ismael, foram expulsos do acampamento hebreu. Para que o episódio não fosse contabilizado como uma grosseira injustiça, os cronistas bíblicos compensaram o deserdado Ismael com a geração dos povos do deserto (como os judeus chamavam os árabes). Assim, embora árabes e judeus fossem primos irmãos, esse episódio teria criado um profundo poço de descontentamento e animosidade entre os dois povos.
Essa animosidade se tornou ainda mais profunda quando os árabes adotaram a religião de Maomé, o Islã. Embora sustentando que o Islã é uma continuação do Judaísmo e que o Alcorão é um complemento da Torá, e Maomé uma espécie de reencarnação de Moisés, o livro sagrado dos muçulmanos é um tanto ambíguo quanto á relação entre árabes e judeus. Ao mesmo tempo que instrui os muçulmanos a tratar os judeus como irmãos, também ordena que os judeus que não se converterem ao Islã sejam considerados inimigos.
Por seu lado, o Alcorão também é ideológico nesse ponto. Ele sustenta que era Ismael o filho da promessa que Deus fez a Abraão e não Isaque. Assim, lançou aos israelitas a acusação de que eles teriam escamoteado o direito dos árabes.
A hostilidade entre judeus é árabes (ou palestinos), entretanto, só se tornou violenta depois da Segunda Guerra Mundial, quando as Nações Unidas permitiram que uma leva de israelitas voltasse para a Palestina e lá começassem a fundar o novo estado de Israel, que havia sido abolido definitivamente pelos romanos em 135 da era cristã pelo Imperador Adriano.
Essa nova repatriação dos judeus (a primeira havia acontecido após a queda da Babilônia em 538 a C), provocou violenta reação dos povos que viviam na Palestina, povos estes de cultura árabe. A maioria das nações de religião muçulmana protestou veementemente contra essa ocupação e um clima de hostilidade estabeleceu-se entre Israel e as nações árabes. Originaram-se nesse fato os conflitos que ainda sacodem a Terra Santa nos dias de hoje. E á medida que Israel amplia seus domínios na região, esse problema mais se acentua.
O Rito Ismaelita hoje
A história de Abraão e seus filhos, com suas derivações, ora inspirada na cabala judaica, ora na tradição muçulmana, esta última rica em lendas de conteúdo moral, fazem do Rito Ismaelita um repertório de ensinamentos maçônicos de altíssima relevância.[5]
Segundo informa a Royal Ciclopaedia, (pg. 345), até o final do século XIX, havia no Rito Ismaelita uma seção de graus políticos que tratavam especificamente da questão israelense/palestina. Essa seção, entretanto foi suprimida, passando a Ordem de Ismael a praticar uma maçonaria mais identificada com seus propósitos, que é promover a paz entre os povos, a educação moral de seus membros e a ajuda mútua entre os Irmãos. Essa ainda é sua conformação nos dias de hoje, segundo informam seus praticantes.[6]
Operando além das ideologias e das crenças religiosas, as Lojas maçônicas talvez ainda sejam as mais tolerantes das assembleias. É nesse sentido que importa conhecer todos os seus ritos e as tradições, pois como disse o Cavaleiro de Ransay, quando começou a disseminar pelo mundo a prática maçônica, “Os homens não de distinguem essencialmente pelas diferentes línguas que falam, as roupas que usam, os países que ocupam, ou as dignidades com que são investidos. O mundo todo não passa de uma república onde cada nação é uma família e cada indivíduo um filho. É para fazer reviver e espalhar estas máximas essenciais, emprestadas da natureza do homem que a nossa Sociedade(a maçonaria) foi inicialmente estabelecida.”[7]
Essa é uma ideia importante, principalmente nos dias de hoje, em que parece que os velhos ódios estão sendo ressuscitados e o conflito ideológico entre Ocidente e Oriente volta a ganhar corpo. Quem sabe a maçonaria não poderia ser uma ponte entre as margens desse rio que parece se alargar e se aprofundar cada vez mais?
[1] Kenneth Makenzie- The Royal Maçonic Cyclopaedia, pg. 344. A Ordem dos Assassinos, em sua estrutura era uma espécie de continuação dos antigos sicários, Irmandade de assassinos que existia nos tempos de Jesus, e que tinha por objetivo a pratica de assassinatos políticos, especialmente de pessoas que colaboravam com os invasores romanos. Durante as cruzadas, a Irmandade dos Assassinos foi a principal rival dos Templários. Alguns autores tentam identificar a antiga Ordem dos Assassinos com os fundamentalistas da atual seita da Jihad, cujos membros são famosos pelas ações de terrorismo que promovem contra os países do Ocidente. Há quem diga que essa seita tem ligações com a chamada maçonaria ismaelita, mas nenhuma prova dessa ligação até hoje foi levantada.
[2] Royal Ciclopaedia, op citado.
[3] Desenvolvemos essa tese em nosso livro O Tesouro Arcano, a ser publicado pela Editora Madras.
[4] Essa tradição ainda hoje é observada pelos judeus. Eles vivem espalhados pelo mundo mas conservam a noção de que são um povo diferenciado, unido pelo sangue e pela religião, núcleo de uma tradição fortemente alicerçada na ideia da Irmandade.
[5] Uma dessas fontes de tradição são as estórias das Mil e Uma Noites, coletânea de contos árabes que resumem, em larga medida, a filosofia de vida dos povos muçulmanos.
[6]A Royal Ciclopaedia foi publicada originalmente entre os anos de 1875 e 1877. Hoje, essa animosidade em relação aos católicos estaria mitigada, segundo informação de praticantes desse rito.
[7] Discurso de André Michel de Ransay, citado por Jean Palou- Maçonaria Simbólica e Iniciática, Ed. Pensamento, 1978.