PREFÁCIO DE "ITAQUERA - UMA BREVE INTRODUÇÃO"
Apresentação
“A criação do que existe é uma tarefa infinita”
(Aricy Curvello, poeta brasileiro)
Por que escrever a história de um bairro? Por que, depois de tantos autores (e, com certeza, precedendo muitos outros), dar-se ao trabalho de ficar horas e horas sentado no fundo de uma biblioteca, lendo, rascunhando, escarafunchando, rabiscando, anotando, para, depois, gastar mais horas na árdua tarefa de sintetizar tudo o que se leu, assistiu, anotou e pesquisou?
Por que, ainda, insistir em passar horas em pesquisas no ambiente virtual, saindo apenas pra tomar café e esticar os ossos? Por que falar de Itaquera?
Só porque o bairro foi quem ouviu meu primeiro choro, dentro do Hospital Santa Marcelina e, segundo minha mãe, fui saudado por uma sinfonia de bem-te-vis numa manhã de primavera? Ou então porque me viu dar os primeiros passos? Ou os primeiros tombos de bicicleta quando ia dar rolês com uma velha e enferrujada Caloi sem freios nas estradinhas de terra da antiga Colônia Japonesa? É, é disso que quero falar, sim.
E mais, citar o Elite Itaquerense, onde vi um show do Racionais pela primeira vez; o antigo campo do Ferrolho, no qual assisti memoráveis partidas de futebol de várzea e até show de rock! O Parque do Carmo, onde passeei muito, pois era o único local acessível às condições financeiras da minha família, na infância; o Rumi de Ranieri, lugar onde vários dos meus amigos deram suas primeiras braçadas numa piscina; a Oficina Alfredo Volpi, onde tentei me tornar artista plástico, escultor, fotógrafo e ator e, no máximo, virei escrevinhador; os antológicos jornais Espalhaphatos e Bem-Feito, que falavam de cultura e arte com pertinência e profundidade.
Ah, como eu quero falar de Itaquera, falar do Primavera nos Dentes, onde, pela primeira vez, vi poetas que não só cometiam seus escritos, mas que também declamavam esses poemas ali, ao vivo, na primeira experiência de sarau que vi em minha vida, quando nem se usava essa palavra; do saudoso cartunista Xisto, que criou o Super-Mé, um autêntico super-herói à brasileira; e também do Gilson, Américo e Giba; do Talmo, Batalhafam, Milton e Itamar; mas também sempre ameaçado pelas picaretagens da politicalha. Dos campeonatos de xadrez na Park Restaurante; do Projeto Fala Negão, da leonina Leandro de Itaquera; das incontáveis vezes que fui ao Beco ver campeonatos de motocross.
Recorro, aqui, às palavras das pesquisadoras Amália Inês Geraiges de Lemos e Maria Cecília França que, há quase 30 anos, debruçaram-se sobre esse enigma chamado Itaquera. São delas as seguintes considerações “Por que (grifo meu) estudar Itaquera, tão longínqua para os habitantes do centro?”.
Itaquera que, àquela época, aos poucos ia deixando de fazer parte do cinturão verde da cidade, mas ainda respirava ares interioranos em sua já diminuta Colônia Japonesa (responsável durante décadas por fornecer os pêssegos que as cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, entre outras, comeram). Itaquera que não tinha sequer metrô, uma coisa difícil de especular hoje, já que agora o bairro respira este meio de transporte. Itaquera que, provinciana, não se decidia entre ser urbana ou permanecer rural.
Logo a seguir, na página 15, contudo, as autoras respondem à questão, afirmando “hoje, o bairro de Itaquera sozinho pode ser considerado como uma grande cidade, refletindo todos os problemas do crescimento desenfreado da Capital”.
Aí está! O bairro já exibia, há 30 anos, nuances de um microcosmo daquilo que viria a ser, com a força da grana que ergue e destrói coisas belas, conforme já cantou Caetano Veloso. E, nutrido dessa ambiguidade, o bairro não parou de crescer, não se importando com o que isso queira dizer no contexto do mundo urbano atual.
Essas questões estão sempre no vértice da urgência: cidadania, progresso, inserção social, políticas públicas, patrimônios históricos, cultura, lazer, esporte, arte, educação, saúde, sustentabilidade, segurança, economia e tantas outras que garantem a dignidade da vida em sociedade.
É por isso, pelo desejo fremente de que o bairro cresça, e que este crescimento seja de toda ordem (econômico, mas também social), e de que os índices de inclusão sejam ao menos razoáveis para todos. E que seja sempre dentro dos princípios da cidadania plena.
NOTA: Esta publicação recebe o adendo de textos diversos, escritos em momentos distintos para outras obras impressas ou virtuais. Para esta publicação, todos os textos sofreram alterações e atualizações.
* O livro "Itaquera - Uma Breve Introdução", será lançado em 10 de maio de 2014 a partir das 14h na Biblioteca Sérgio Buarque de Holanda. Rua Vitório Santin, 44, centro de Itaquera, em frente ao Santander e ao SEBRAE.