Onze tempos do chá nos Açores

(Proposta de esboço)

Para organizar os tempos que decorrem entre o ano de 1801 e o de 2014, propõe-se a sua divisão em onze tempos. 1801, ano em que o Capitão Geral dos Açores, D. Antão de Almada escreve ao rei, dando-lhe conta da existência da planta de chá na ilha Terceira, sugerindo a sua preparação, e 2014, ano em que se vive a esperança da sua expansão.

Para dividir estes tempos, recorre-se à literatura dos primeiros passos do chá nos Açores. Cruzamos textos jornalísticos, de arquivo, livros, folhetos, anúncios publicitários e imagens. Sabendo de antemão que, ainda que seja uma ferramenta necessária, toda e qualquer cronologia é, além de discutível, provisória.

Apesar de antes de 1801 crescer chá espontaneamente na ilha Terceira e em outras ilhas dos Açores, apesar de, já perto do arranque do chá em São Miguel, a Associação Agrícola da Terceira ter pedido à sua congénere em São Miguel - a Sociedade Promotora Micaelense - sementes, apesar ainda de ter havido cultivo e produção na ilha do Faial, apesar de ter havido cultivo em todo o distrito de Ponta Delgada, a partir da segunda metade do século XIX, o chá é essencialmente uma produção da Ilha de São Miguel. E, se quisermos, quase do concelho da Ribeira Grande.

Há ainda a reter que, em simultâneo com a aposta no chá, apostara-se forte no ananás, no tabaco e no álcool. E que se atravessava uma grave crise económica a nível geral dos Açores, devido às doenças da vinha e da laranja. Como consequência, assistia-se a um forte surto emigratório. Daí, talvez, a explicação para a menor velocidade na implementação da indústria do chá?

1.º Tempo: Da espontaneidade às primeiras tentativas (1801-1873);

Para compreender este primeiro tempo, melhor será dividi-lo em três momentos. Um primeiro, supostamente longo, anterior a 1801, do qual pouco ou nada sabemos; outro, que irá de 1801 a cerca 1820, durante o qual torna-viagens do Brasil ou de outras partes do Império Colonial Ultramarino português ou de outra potência europeia, não se sabe ao certo, trouxeram para os Açores, não se sabe para que ilhas, sementes e estacas ; ainda outro, que partirá de cerca de 1820 a 1873, em que vieram sementes e estacas do Brasil e de outras partes . Neste último período, houve tentativas, por parte de alguns cultivadores, de produzir chá. Neles, inclui-se, entre outros pouco ou mal conhecidos, José do Canto.

Este primeiro tempo é caracterizado pelo desconhecimento inicial do chá e pela procura final de um ‘método preciso para o fazer chegar à sua última perfeição’. No final deste período, houve mesmo quem tentasse, sem sucesso, produzi-lo. Antes da vinda dos dois primeiros chineses, havia quem cultivasse e tentasse produzir chá nos Açores. Mau chá: ‘(…) os proprietários de plantas metiam em frascos algumas folhas tenras, e quando bem murchas com elas faziam chá. Por muito acre não se podia tomar. ’ Era tempo de experimentar a sério. De passar da iniciativa individual desgarrada para a iniciativa associativa: a Sociedade Promotora da Agricultura Micaelense.

2.º Tempo: De quem soubesse ensinar (1873-1878);

Um primeiro momento: Decisão e contratação de técnicos . Tendo em conta as condições, foram ponderados vários locais (Japão, Índia, Brasil e China) e um número variável de práticos. A escolha final recaiu em Macau e em dois chineses . Em simultâneo: cultivo de campos experimentais, montagem de fábrica e divulgação de literatura sobre o chá. Foi criado um fundo destinado à experiência do chá, depositado na Agência do Banco Lusitano . Além disso, foi nomeada uma comissão de acompanhamento .

Era tempo de preparar a vinda de quem ‘lhes prescrevesse aquele método preciso para o fazer chegar à sua última perfeição’.

3.º Tempo: Do aprender ao primeiro arranque (1878-1879);

Sem pôr de parte que alguns sócios da SPAM pudessem ter uma estrutura de transformação da folha do chá, a primeira fábrica que trabalhou com êxito, pelo menos o chá preto, foi montada em Ponta Delgada, na sede da Sociedade Promotora da Agricultura Micaelense. Em antigas dependências do Convento de Nossa Senhora da Conceição (depois sede do Governo Civil). Portanto, na freguesia de São José. Os chineses trouxeram consigo utensílios, sementes e estacas. Porém, já antes, havia na ilha, sementes, estacas e chá plantado. E, estamos em crer, utensílios de manipulação. Não se sabia muito bem como usá-los.

A tecnologia veio de fora: do trabalho de Lau-a-Pan, o chinês contratado. Sendo a técnica rudimentar, a aprendizagem foi rápida. O progresso, ainda que de modo incipiente, já se revelava no texto do relatório da comissão da SPAM de finais de 1879. E na observação de Rafael de Almeida (publicada na A Persuasão), secretário da SPAM. Ou ainda, presume-se, no folheto que a SPAM publicou em 1879 .

Ainda em Abril de 1878, acabada a primeira safra, a direcção da SPAM começou a planear a seguinte promovendo ‘o ensino não só às pessoas que voluntariamente desejam aprender os processos práticos d’este trabalho, como também a alguns trabalhadores a quem se pague para esta aprendizagem.’ Na mesma reunião, José do Canto, sempre atento e actualizado, apresentou a terceira edição de um livro saído naquele mesmo ano de 1878 intitulado ‘(...) The Cultivation and Manufacture of Tea.’ Era seu autor o Tenente Coronel Edward Money. Alegava José do Canto que aquela obra trazia ‘(...) importantes esclarecimentos para a simplificação dos processos da Manipulação do chá.’ A Direcção resolveu ‘(...) fazer encomenda (...)’ porque ‘(...) acrescentar(ia) bastante (a)o que já sabíamos pela [obra] de Samuel Ball (...).’ Pretendia-se, ‘(...) nas próximas experiências ensaiar’ os sistemas que Money aconselhava .

Ainda os dois chineses não se haviam ido embora, a 13 de Julho de 1879, antes ainda da segunda safra, querendo a SPAM ‘habilitar (...)’ gente da terra na manipulação do chá, deu chá a manipular. O resultado foi excelente, em nada ‘(...) inferior, antes pelo contrario, julga-o superior ao chá feito pelos Chins (...). ’ Os da terra, quase em simultâneo com os dois chineses, produziram ‘(...) alguns quilos de chá (...).’ Era pois tempo de passar à produção local.

4.º Tempo: Do segundo arranque (1879-1882);

Era tempo ainda da SPAM: tempo associativo. Tempo do método chinês artesanal. Este tempo de impulso de grupo, de 1879-1882, é marcado pela tentativa de lançar as bases da futura indústria. É nele que se fazem provas de gosto do chá preto produzido, quer no Club Micaelense quer no Club Lisbonense e se enviam amostras para laboratórios de França e de Inglaterra . O chá micaelense passa com distinção estas primeiras provas. Tenta-se alcançar, sem êxito, legislação protectora de estímulo à nova indústria . Reedita-se a obra de Frei Leandro , e, por ser de custo mais acessível, publica-se um folheto . Prosseguem-se, na nova safra, a novas experiências, pois a do chá verde, na primeira, não dera muito resultado . Vendem-se plantas de chá . Distribui-se chá pelos sócios .

Surge uma notícia, depois dos chineses virem, de encomenda de utensílios de preparar o chá. E conseguir novas sementes. A 15 de Abril de 1880, uma nova reunião da direcção da SPAM dedicada também a assuntos relacionados com o impulso da pretendida indústria do chá, dá-nos a entender que já antes haviam feito pedidos nesse sentido. Porém, caso tardassem, o sócio José Bensaúde, em carta enviada à direcção, sugeria que se chegasse à Índia através da Inglaterra .

Entretanto, enquanto não viessem, na mesma reunião José do Canto pede que lhe aluguem ‘(...) vários utensílios para a manipulação do chá nas suas propriedades (...).’ A SPAM, empresta-lhe ‘(...) gratuitamente (...) todos os utensílios que pretende’, porque ‘(...) lhe deve importantes auxílios e serviços (...).’ Mas, a SPAM desejosa de que se continuasse a aperfeiçoar ‘(...) a manipulação do chá entre nós (...)’, iria divulgar que a quem quisesse ‘(...) manipular chá,’ a SPAM forneceria ‘(...) os utensílios e a respectiva oficina. ’ É a prova de que José do Canto começa a fabricar chá em 1880? Se assim for, a seguir à primeira fábrica da SPAM (oficina como aqui se diz), seguiu-se uma segunda de José do Canto. Onde? Já na Ribeira Grande?

A 11 de Outubro daquele mesmo ano de 1880, na reunião daquele dia da direcção da SPAM, dá-se conta de que José do Canto oferecera à SPAM ‘(...) 10:000 plantas de chá (...).’ A Direcção decidira vendê-las ‘(...) a 30 rs. (...) cada.’ Seriam preferidos os sócios, que teriam um desconto de 5 por cento.

Neste tempo, já se observa uma primeira e pouco expressiva produção. Quase para consumo próprio. Era tempo de acelerar e de passar à iniciativa individual.

5.º Tempo: De arranque individual (1882-1891)

Na acta do dia 19 de Janeiro de 1882, ‘afim de satisfazer aos pedidos dos sócios que os desejam possuir’, que não o podiam fazer em nome próprio, ‘pela oficialidade dos meios de comunicação’, ficara decidido ‘(…) encomendar para a China (...) vários jogos de aparelhos para manipulação e preparo do chá.’

Dá-se assim um novo impulso na passagem da fase associativa da SPAM para a fase individual dos associados. Ou mesmo não associados. Ainda que na fase anterior houvesse sócios, tais como José do Canto, que o fizessem por sua conta. Ou ainda que a SPAM continuasse o seu interesse prático pelo chá. Que se terá, entretanto, passado, entre o pedido de 15 de Abril de 1880 e este? Não terá chegado a encomenda? Terá chegado e trata-se de uma nova encomenda?

Quem eram estes sócios? Os irmãos José e Ernesto do Canto. Ernesto fizera a proposta em 1873 e fora relator da comissão de acompanhamento ao trabalho dos chineses em 1878. José era um dos principais entusiastas do chá e, segundo Fátima Sequeira Dias, já em 1880, tinha fábrica. O primo José Jácome Correia, por aquela altura ou mais tarde, teria a fábrica de chá Condessa, na Ribeirinha. Os irmãos Augusto Ataíde Corte Real da Silveira Estrela e Luís de Ataíde Corte Real da Silveira Estrela Francisco Machado de Faria e Maia. O primeiro, teria a fábrica do Pico do Refúgio, em Rabo de Peixe, o segundo, a fábrica da Mafoma (mais tarde conhecida assim), na Ribeira Seca. O Dr. Vicente Machado de Faria e Maia, que teria uma das primeiras fábricas e era cunhado dos irmãos Silveira Estrela. O Dr. Agostinho Machado de Faria e Maia Junior. Que, pelo nome, deverá ser parente de Vicente. O Dr. José Pereira Botelho, Alberto de Freitas da Silva e Manuel Augusto Hintze Ribeiro.

Todos desejavam ‘(...)1 jogo completo de peneiras com tachos sem peneiros à excepção do Exmo. Luís de Ataíde que deseja(va) 2 paylom’. Mas a SPAM queria continuar a manter a sua fábrica, por isso, encomendou ‘2 jogos completos com tachos e peneiros (...). ’

A 11 de Janeiro, A Persuasão dá conta de que a SPAM, ‘no jardim da sede (...), na rua da Canada, n.º 18,’ pusera à venda ‘plantas de chá ’.

Já em 1883, segundo carta escrita em 1884, José do Canto enviara chá seu para uma feira na cidade de Lisboa, a qual só se realizaria em 1884. Neste entretanto, por falta de cuidados, o chá perdera-se. O Diário de Portugal, um jornal de Lisboa, publicou uma crítica dura às qualidades do chá de José do Canto. Na resposta, José do Canto dá-nos conta de que existiam vários produtores na ilha. De que eles em breve iriam produzir mais e de que produzir chá era tão fácil como seria qualquer actividade doméstica .

Diz-nos Gabriel de Almeida que se começou a vender chá ‘de produção e fabricação micaelense’ no ano de 1884 .

E, no entanto, em 1883, o jornal A República Federal, que se publicava em Ponta Delgada, desconhecedor, certamente, do que se preparava nos bastidores, estranhava que ‘(...) nunca mais se ouvi(ra) falar em trabalhos nesse sentido (chá).’ Reputando-o de ‘utilíssimo’ incentivava ‘que se promovesse e activasse a criação dessa indústria’ porque ‘poderia, no futuro,’ aliviar ‘as desastrosas consequências da nossa miséria actual.’ Isso se, ‘algum monopolista a não empolgasse em proveito exclusivamente seu. ’

O primeiro anúncio conhecido de venda de chá produzido em S. Miguel data de 17 de Março de 1886. Vem no Diário de Anúncios e no Diário dos Açores .‘ É de chá das propriedades do ‘Sr. Vicente Machado Faria e Maia.’ Quem o vende é ‘Francisco Cabral (…) no Largo da Graça, n.º 34.’

Na semana seguinte, Supico, no jornal A Persuasão, acrescentaria pormenores úteis ao nosso trabalho. Ei-los: ‘(...) tem tido grande procura.’ Isto porque aquele novo chá era ‘muito superior ao bom que aqui se vende importado do estrangeiro.’ Repare-se neste outro pormenor: ‘O sr. Dr. Vicente Machado é um dos cavalheiros que mais cuidados consagra a esta cultura e dos que a têm em maior escala.’ É, pois, em 1886, um de vários cultivadores. E continua augurando que, ‘dentro em pouco a ilha de S. Miguel, não só não precisará importar este artigo, mas estará habilitada a exportar grandes quantidades’. Escreve mais: ‘(...) esta indústria auspicia-se bastante remuneradora.’ Dizia que: ‘(...) pode(ria) vir a influir muito vantajosamente na economia do nosso distrito. ’

Onze meses depois, novo anúncio, de novo produtor de chá: Luís Ataíde Corte Real. Vem no Diário de Anúncios: ‘Chá Micaelense, da propriedade de Luís Ataíde na mercearia de Vasconcelos & Irmão, no largo de Camões, n.º 40 a 42, vende-se deste chá; sendo preto a 2$400 réis o quilo, e verde a 3$000 réis. ’ Pouco depois, sobre o mesmo produtor, escreve Supico: ‘(...) Encarecem-se muito as qualidades do chá exposto à venda (...) Não admiramos que seja excelente, porque o sr. Ataíde é um dos mais esclarecidos preparadores do nosso chá. ’ Portanto, além de Vicente Faria e Maia e de José do Canto, aparece-nos o cunhado do segundo: Luís Corte Real. Mas existem outros, só que não são nomeados.

Para proteger a indústria do chá que arrancava, em 1887, em sessão do Parlamento Nacional de 9 de Julho de 1887, Caetano de Albuquerque leva de novo uma proposta destinada a proteger e a incentivar o chá local. Desta vez, consegue que haja uma segunda leitura. E obtém o concurso dos deputados açorianos Jacinto Cândido, Castelo Branco e Sousa e Silva. Mas, tal como em 1881, não passa .

6.º Tempo: De aceleração (1891-1913);

Com José do Canto e a sua fábrica da Caldeira Velha, na Ribeira Grande, passa-se da tecnologia artesanal chinesa dos três tempos anteriores, de 1878 a 1891, à primeira fábrica usando alguma maquinaria. Primeiro, em finais do ano de 1891, vieram dois novos chineses . Depois, já em Junho de 1893, ‘começou a funcionar a máquina (...) para a fábrica de manipulação de chá do sr. José do Canto, na vila da Ribeira Grande.’ Supico escreve: ‘Dizem-nos que esta máquina seca e enrola três quilos de chá por hora. ’ Era já tecnologia inglesa: um motor vertical a vapor da firma Marshall and Sons, mais enroladores accionados manual e mecanicamente vindos da Inglaterra. Em 1900, já José do Canto falecera, a fábrica ampliar-se-ia. ’

A pauta aduaneira de 1892 confere alguma protecção ao chá açoriano . Em 1893, os conhecimentos técnicos eram reconhecidos mesmo a nível nacional. O Ministro da Marinha, pretendendo ensaiar a cultura de chá em Angola, pede a José do Canto ‘sementes, plantas e instruções’ .

Em 1895, a tecnologia local do chá amadurecera. Cristóvão Moniz, ao referir-se a ela, diz: ‘(…) se [o Minho ou outra qualquer parte do nosso país] intentar tão vantajosa empresa, não haverá já precisão de recorrer para tanto aos filhos do celeste Império, porque, à voz de Portugal, acudirão os – Michaelenses. ’ Trata-se, sem dúvida, do atestado informal da maioridade no domínio da tecnologia do chá pelos da ilha.

A 18 de Maio de 1895, no edifício SPAM, com visível satisfação, a Associação promove uma exposição industrial. Entre outras indústrias, surgem-nos expositores de chá. Inclusive, prováveis novas fábricas de chá. O catálogo da exposição de 1895 apresenta-nos três cultivadores que produzem chá, dois já nossos conhecidos - o dr. Vicente Machado de Faria e Maia e Luiz Ataíde Júnior - e um novo - Frederico Augusto Serpa. Frederico Augusto Pamplona Serpa casara com uma senhora Estrela. Portanto, tinha ligações a Luís e a Vicente.

Em 1896, estava já enraizado o chá na toponímia local, o padre Egas Moniz propõe a designação de rua do Chazeiro (hoje rua do Ouvidor) para uma rua da Conceição da Ribeira Grande .

Para impedir a diminuição da pauta mínima de importação de chá estrangeiro ‘em 1900, pelo Governador do Distrito [Ponta Delgada] é levada ao Ministro das Obras Públicas uma representação da SPAM [Sociedade Promotora da Agricultura Michaelense] em que se pedia para se não diminuir na pauta mínima o direito de importação do chá estrangeiro pois: ‘quando se tornou óbvia a vantagem desta cultura, se aumentou o número de indivíduos que cultivam e se começou a tornar numa esperança risonha para os habitantes desta ilha, ela fica ameaçada duma concorrência mortífera ao diminuir-se o direito de imposto na Alfândega sobre o chá estrangeiro. ’

Supico, em 1903, menciona cinco fábricas já anteriormente referidas, a saber: ‘Herdeiros de José do Canto [Conceição: Fábrica Canto]; Visconde Faria e Maia [Ponta Delgada: Fábrica Faria Maia]; José Ben- ¬Saúde [Ponta Delgada: Fábrica Bensaúde]; Frederico Augusto Serpa [Ribeira Seca: Fábrica Frederico A. Serpa]; Luís Ataíde Corte Real da Silveira Estrela [Ribeira Seca: Fábrica Mafoma].’

Não fica por estas 5 já referidas e acrescenta, agora sem a da SPAM e a da Gorreana, cinco novas fábricas: ‘Francisco de Bettencourt [Fenais da Ajuda: Fábrica dos Fenais da Ajuda]; Marquês de Jácome Correia [Matriz: Fábrica Condessa]; José Maria Raposo do Amaral [Ribeira Seca: Fábrica Barrosa. Ou Ginetes?]; Dr. Manuel Maria da Rosa [Arrifes: Fábrica Flor da Rosa]; Augusto Ataíde Corte Real [Rabo de Peixe: Pico do Refúgio].’ Portanto, contas feitas, cinco mais cinco: 10 . Refira-se que Augusto Corte Real era irmão de Luís, cunhado de Vicente e aparentado a Frederico Serpa. Portanto, entre as dez fábricas, quatro seriam de Estrelas. Mais tarde, os Bettencourt associar-se-iam, por casamento, aos Estrela, e muito mais tarde, os Gago da Câmara e Hintze também.

Entre 1903 a 1913, mantém-se o número de fábricas. Continua a introdução de alguma maquinaria. Existem 10 com alguma maquinaria e outras 37 sem qualquer tipo de maquinaria. Dá-se o início de exportações planeadas para fora da ilha, continente e estrangeiro .

É de 1909 o primeiro anúncio conhecido de um comerciante no continente. Trata-se de Júlio de Carvalho, do Porto, na avenida da Boa Vista ‘Chá. Desejo receber amostras e preços./Compro todo o ano e qualquer porção. ’

Aníbal Cabido, em 1913, além de 38 fábricas pequenas não especificadas, adianta 9 fábricas para a ilha de São Miguel. Uma das possíveis não especificadas, poderá ser uma pequena fábrica do pai de Amâncio Faria e Maia, antepassada da fábrica Porto Formoso, toda manual, no dizer do filho.

Cabido, em 1913, descreve o tipo de euforia ilusória do chá na ilha: ‘(…) apesar das esperanças que dava a nova cultura para até certo ponto concorrer para o equilíbrio económico do distrito, abalado pelas últimas crises agrícolas, não teve ela grande desenvolvimento (…).’ (p.16) Isto por ‘se limitarem os mais ricos cultivadores ao emprego de sementes de arbustos relativamente novos (…) os menos abastados preferem dedicar-se a culturas cuja produção tem lugar logo no fim do primeiro ano em que as sementes são lançadas à terra.’ (p.16)

Cabido, seguramente com opinião formada em resultado de diálogos com um conhecido ligado ao sector e ao próprio resultado do seu inquérito, diz que ‘a cultura e a indústria do chá tem-se mantido, e, durante algum período, chegou a desenvolver-se sob a protecção pautal .’

Se alguma vez (não diz qual) ‘desaparecer essa protecção, os efeitos produzidos irão juntar-se à crise bem acentuada que há anos (…)’ (p.13) se sentia. Esta crise era, em parte, motivada, continua ele, ‘pelo custo dos salários dos trabalhadores micaelenses comparados com o dos trabalhadores chineses .’

7.º Tempo: De balanço: entre a euforia e o medo (1913-1932);

Amâncio Faria e Maia, escrevendo, possivelmente na década de cinquenta, (mas sendo o trabalho publicado na década seguinte), diz lembrar-se ‘(…) de que (o) pai chegou a ter em armazém a produção de quatro anos … guerra de 1914-18 produziu uma euforia de que resultou para meu Pai um bom negócio: a venda do chá armazenado…Porém como a fabricação de meu Pai era toda manual, passou a vender a folha verde às fábricas Gorreana e Bensaúde que a disputavam pela sua qualidade.’

Para este período, de 1921 a 1930, contamos, em parte, com a informação proveniente da tradição oral, de monografias e de Anuários e Almanaques, sem se conhecer a data exacta de cada fábrica, é de crer que duas novas fábricas tenham surgido ou aumentado neste período: a primeira, ainda nos anos vinte, seria a do Porto Formoso, no Porto Formoso , a segunda, já nos anos trinta, talvez mesmo trinta ou até pouco antes (falta-nos mais dados), seria a da Seara, nas Sete Cidades .

8.º Tempo: Do medo à expansão (1932 –1960);

O medo do chá moçambicano de 1932: Já em 1932, quase no início da ameaça, Cristóvão Moniz, o primeiro especialista local que se refere ao chá, diz que ‘por tal forma se tem desenvolvido que já hoje [1932] pode ser considerada como das mais importantes [culturas agrícolas?] da ilha pelo chá de finíssima qualidade e esmerada preparação que oferece, em abundância ao Continente e as outras ilhas com resultados económicos (…)’; segundo que é ainda é dado esperar do alargamento desta cultura que muito convidativa é por valorizar terrenos fracos a meia encosta impróprios por natureza para os cereais e onde vicejam graciosamente os chazeiros como em seu país natal. ’

Que fizeram os açorianos (micaelenses) entre a publicação da legislação pautal favorável às exportações de chá de Moçambique até à altura do I Congresso em 1938? Uma resposta de peso vem logo em Maio de 1934. António Hintze Ribeiro dá uma entrevista ao jornal nacional República que, pela sua clara importância e repercussão, terá sido transcrita no Açoriano Oriental, para depois vir em o A Razão . Era, pois, tal a sua pertinência. A entrevista começa por referir a aposta no turismo e a criação da Sociedade Terra Nostra, que, além de ir inaugurar o Hotel nas Furnas a 1 de Agosto, tinha outros objectivos: desenvolvimento das indústrias agrícolas, embelezamento de ruas, construção de parques e jardins, melhoramentos nas Furnas e Sete Cidades, criação de um Stand de informação turística no cais.

Quanto ao objectivo de desenvolvimento agrícola, propunha-se a dita empresa Terra Nostra (o seu Presidente era Vasco Bensaúde, também ele, tal como o entrevistado, dono de uma fábrica de chá), desenvolver o tabaco, a beterraba e o chá. Entre outros. Refira-se que ambos tinham interesses investidos nas outras culturas.

Destacando o chá, adianta que o de ‘São Miguel é excelente, mas não usufrui a protecção que tem, por exemplo, o açúcar colonial.’ Continua a referir, agora, o açúcar, em particular, ‘outro curioso aspecto do nosso problema agrícola: as ilhas poderiam produzir açúcar em boas condições de qualidade e preço, para exportar para o continente. Mas não podem produzir nem exportar devido á enorme protecção dispensada ao açúcar colonial.’ Pior ainda: ‘cujas culturas são exploradas na maior parte por companhias inglesas.’ Também refere o tabaco. Diga-se que estes pontos irão ser defendidos mais tarde no I Congresso Açoriano em 1938.

Outras das medidas por ele preconizadas situam-se no âmbito do desenvolvimento da cultura do trigo e da indústria dos lacticínios. Os lacticínios, diz ele, para a produção de manteiga e queijo. Mas, para promover a agricultura e o turismo, eis o busílis da questão, era necessário desenvolver os transportes e a política de preços dos transportes.

Entretanto, uma outra fábrica, no Papa Terra, em Ponta Delgada, de Mariano Miranda, surge num anúncio publicitário de 1939. Em 1940: ‘Mariano Miranda. ’ São introduzidas melhorias nas fábricas existentes. A partir desta altura, vamos ter que nos apoiar na tradição oral e nos Almanaques e Anuários.

É de cerca de 1938, segundo o filho do dono da fábrica António Pontes, no início da rua do Tornino de Baixo, n.º 4 (Rua Madre Teresa da Anunciada, n.º 4), na Ribeira Seca . Isto, traduz uma dinâmica local anterior e posterior à ameaça.

Numa nota detalhada intitulada Produção de diversos géneros agrícolas no Distrito de Ponta Delgada no ano de 1951-1953, dá-se conta de que, em 1913, existiam perto de 50 cultivadores; em 1949, 37; em 1950, 40; em 1951, 44; em 1952, 43; e em, 1953, 62. No entanto, nesta mesma nota, vê-se que o chá não era o produto mais valioso ou aquele que ocupava maior área. Para uma melhor percepção do que afirmámos, aconselha-se a leitura do trabalho de outro seminário.

Se dúvidas restassem acerca da reacção ou continuação dos projectos dos produtores locais para além da década de trinta, vejam-se os exemplos seguintes. Em finais de Outubro de 1941, a fábrica Visconde Faria e Maia, que laborara até então em condições menos vantajosas na cidade de Ponta Delgada, recebe autorização legal do Governador Civil do Distrito Autónomo de Ponta Delgada para se deslocalizar para a Quinta do Tanque, no Cabouco, Lagoa . É provável que já lá estivesse antes, pois uma reprodução fotográfica de 1941, a estar correcta, já a dá no Cabouco .

Existiam 17 fábricas registadas oficialmente até 31 de Dezembro de 1949 . Diz, exactamente, assim: ‘Estabelecimentos Industriais sujeitos a registo do Trabalho Industrial Registados até 31-12-1950/Fábricas de Chá.’

Até melhor prova, não devemos atribuir este elevado número de fábricas de 1949 a um aumento no número das mesmas de 1930 a 1949 - seria uma consequência do aperto no registo oficial obrigatório das existentes. Ou em condições de existir. Tratava-se de fazer cumprir a lei de 1922? É provável. De 1930 para 1949, há uma diferença de 7 fábricas.

9.º Tempo: Dos avisos ao declínio (1960-1984);

O primeiro aviso conhecido vem de um homem da terra, Amâncio Faria e Maia, o produtor de Chá Porto Formoso. Já em 1959, ou em ano anterior ou posterior. Mercado Comum. Incertezas. Pelo que se deve ler este trabalho com atenção redobrada. Escreve ele: ‘sucede presentemente que o preço de custo do quilo de chá, incluído nele uma renda da terra e juro de capital empregado na fábrica, é igual ou melhor do que os preços realizados por grosso. Calcula-se que o facto se deve à incerteza sobre as consequências da nossa participação no Mercado Comum, e ainda aos resultados do Plano de Fomento e política de salários (…).’

Apela a um entendimento dos interessados, à união dos produtores: ‘(…) o que tudo terá de ser contrabalançado na medida do necessário pela conjugação dos esforços dos produtores agremiados (…).’ A este respeito, aprofunda a questão:

Percebendo que a indústria se teria de modernizar, algo que Cabido referira 46 anos antes, escreveu: ‘(…) principalmente pela assistência permanente dos técnicos agrícolas, naturalmente indicados (…).’ E, outro, ‘bem como do financiamento, a prazo necessário, para libertar o armazenista do pesado encargo e risco de manter stocks consideráveis. A assistência comercial técnica é, pois, indispensável, e indicados estão para tal as casas especializadas. ’

Em suma, Amâncio, que fundara a fábrica Porto Formoso por volta de 1930, alertara para a falta de união dos produtores; a pequena dimensão das suas explorações, a pequena unidade fabril, a concorrência feroz entre todos. Não havia associação de produtores de chá como havia para os produtores de ananás.

Um segundo diagnóstico: Carter. No verão de 1966, R. W. Carter, provavelmente um ‘tea broker’ inglês, que veio, talvez a convite oficial, à ilha estudar as fábricas e o fabrico de chá, fala de 5 fábricas . O relatório daquele mesmo ano de 1966, da sua autoria, especifica-nos as cinco. Seja por que motivos fosse, o número de fábricas activas descia na década de sessenta. Quais? Vejamos: 1 - Gorreana; 2- Barrosa; 3 – Mafoma; 4 – Porto Formoso; 5 – Canto. Em relação ao Inquérito de 1964, desaparece (ou não menciona) a fábrica do Visconde Faria e Maia.

Como ponto de discussão, Carter lança 5 hipóteses: 1- A continuarem as plantações no estado de então, os produtores lucravam pouco e iriam preocupar-se constantemente com a falta de mão-de-obra. Estava-se, é bom esclarecer, num período de forte emigração para o estrangeiro e de ida para os diversos cenários da guerra colonial. Isto seria a continuação da decadência. 2 - Acabavam com as plantações e mudavam para outra cultura. Seria uma pena depois de tantos anos e de tantos esforços. 3 - Cada um por si, cada um gastava um capital considerável na replantação com melhores variedades de chá e no reequipamento das fábricas com maquinaria moderna. O custo individual seria proibitivo não se justificando pela pequena extensão de terra plantada. 4 - Obtenção de um plantador experimentado para ensinar os princípios modernos de cultivo e fabrico. Poderia ser um primeiro passo a dar. 5 - Obter este conhecimento de fonte externa e conseguir meios de financiar os melhoramentos. Parece-lhe a melhor solução. (p.6)

Acha que, para que a ‘cultura do chá venha a ter uma posição comercial actualizada é urgentemente necessário o conhecimento das técnicas modernas e que actualize a maquinaria das fábricas.’ (p.4) Se se fizer isso, repete-se, ‘não há razão para o chá de S. Miguel não ser tão bom ou melhor do que o fabricado, por exemplo, em Moçambique.’ (p.4). Em 1988, o panorama das fábricas de chá ficou reduzido à fábrica da Gorreana.

10.º Tempo: De recuperação e esperança (1984-1996-9)

Entretanto, os serviços oficiais começavam a movimentar-se. Segundo Artur Magalhães informa, já em 1984 os Serviços de Desenvolvimento Agrário, na boa tradição e peugada da SPAM, ‘‘(...) com o objectivo de fomentar a cultura do chá em S. Miguel, que desde há anos atrás se encontrava em manifesto declínio, decidiu tentar a recuperação da cultura através da introdução de novas técnicas.’ Prossegue a nota, dando-nos conta que ‘os trabalhos tiveram início em 1984, com a limpeza da zona cedida para o efeito, inclusivamente a poda, com vista a resultados na campanha de 1985.’

Artur Lúcio Fernandes Magalhães, de Moçambique, onde fora, durante quatro décadas, gerente de fábricas de chá, veio para S. Miguel depois da descolonização. Teve de fazer um estágio e um relatório de estágio para poder aceder à categoria de técnico auxiliar. Ele é o homem que faz a ligação a Moçambique .

Em finais de Janeiro de 1988, foi plantada pela primeira vez, no Posto Agrícola da Ribeira Grande, (hoje Iroa; situa-se na rua do Rosário, freguesia Matriz) ‘a primeira parcela da variedade Índia.’ (p.142) Em 1990, foi a vez de experimentar as Sete Cidades e o Chá Canto (na Conceição, da Ribeira Grande).’ Nos anos oitenta foi introduzida a colheita mecânica .

11.º Tempo: Tempo do chá faz bem à saúde (1996-1999-...)

Os Serviços de Desenvolvimento Agrário da Ilha de São Miguel, desde então, têm campos experimentais na área da Ribeira Grande e nas Sete Cidades com chá de origem da Índia. Que produzem e mandaram experimentar laboratorialmente, conforme relatório apresentado em congresso internacional em 2011 . Hoje, segundo a engenheira Clara Estrela Rego, Junho de 2013, também está em Santana, Ribeira Grande.

O que se sabe é que, em 2013, graças ao fim da associação de culturas (menor espaço entre regos de chá onde se aproveitava para cultivar outras novidades), graças à selecção genética de chazeiros (pés de camélia sinensis), da poda mecânica, da apanha mecânica, chega-se a apanhar no mesmo período 9 a 11 vezes, conforme o tempo, e da mecanização em geral, alegam produzir 2000 kg por hectare . Antes apanhava-se 3 a 4 vezes no ano entre Abril e Setembro.

Falamos de 2012. São produzidos anualmente, segundo vem num periódico local, 50 toneladas distribuídas, 32 toneladas pela Fábrica Gorreana e, pela Fábrica Porto Formoso, entre 12 e 14. É também e essencialmente um produto turístico. No caso da Gorreana, 47% da produção destinou-se em 2012 ao mercado açoriano, trinta e tal por cento ao continental e o restante ao estrangeiro. Em relação ao estrangeiro, a França destacou-se, seguida da Alemanha. No caso da Fábrica Porto Formoso, 60% das vendas ocorrem na própria loja da fábrica. O restante nos Açores e em lojas gourmet .

Mário Moura

Março 29

Mário Moura
Enviado por Mário Moura em 22/04/2014
Reeditado em 17/04/2017
Código do texto: T4778108
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