Sobre a pobreza e a infantilidade da música contemporânea
Nossos ouvidos têm uma peculiaridade interessante: gostamos, especialmente quando crianças, da repetição musical. Uma melodia que se repete consecutivamente, um refrão repetitivo, roubará a atenção de uma criancinha; uma música rica, composta por inúmeros acordes, não será compreendida pela criança; ela precisará aprender a reconhecer os acordes, as melodias, acompanhar os ritmos; facilita para ela ouvir o mesmo refrão repetidamente.
Por essa razão, as músicas feitas para crianças consistem em melodias simples compostas por frases curtas e repetitivas, adequadas à ânsia infantil pela repetição. Também convém a elas adornar a melodia com harmonia igualmente simples: poucos acordes, tendendo aos naturais, já que sempre os mesmos.
A receita seguinte é praticamente infalível: construa melodia simples, curta e repetitiva, acompanhada por 2 ou 3 acordes e a repita para uma criança tantas vezes quantas ela o desejar; fará sucesso. A criança gostará da canção (bem, evite o barulho excessivo e caretaas ameaçadoras, claro, sorrisos sempre ajudam também).
Curiosamente, talvez sarcasticamente, trata-se da mesma receita imposta pelos distribuidores musicais, pelos que controlam a música que ouvimos no mundo inteiro. Somos tratados como crianças (ou talvez como animal de rebanho), guiados pelos que controlam os meios de comunicação e de difusão musical.
Certas músicas se prolongam continuamente, sem repetições, como uma história, um texto... outras se repetem até as náuseas. Só as repetitivas tocam no rádio, na televisão; estamos infantilizados.
Também existe uma enorme diversidade de acordes, mas quase só ouvimos os mesmos, naturais ou menores, são os que se usam nas músicas infantis.
A fórmula utilizada pelos meios de comunicação é extremamente simples: pegue uma melodiazinha infantil e a repita insistentemente, os idiotas gostarão de ouvi-la. Os idiotas em questão somos nós, incapazes de nos libertar de jugo tão tênue, de grilhões forjados por nossa própria mente, por nossa própria cegueira (ou surdez).
A repetição musical é alienante, depois de algumas audições permitimos que nossa mente seja invadida sem a nossa atenção, sem nenhuma crítica; somos apenas invadidos pelo som infantilizador. O resultado é pobreza e infantilização.