De ratos, pombos, baratas e da música contemporânea: considerações sobre a diversidade musical e a riqueza

A palavra “riqueza”, costuma evocar “dinheiro”, o que parece razoável, já que com dinheiro podemos comprar muitos bens e acumular riquezas. O dinheiro, no entanto, não é a própria riqueza, mas um recurso para alcançá-la.

A riqueza, propriamente dita, corresponde mais à diversidade que a outra coisa. Um rico pode adquirir quantidade, o que, normalmente, pouco lhe importa, mas pode também adquirir ampla variedade de bens, sendo essa sua riqueza. Não interessa ao rico consumir um Kg de chocolate diariamente, seu carrinho de compras costuma ser abarrotado com enorme variedade de alimentos, dispensando, por isso, a quantidade excessiva de qualquer deles.

Os ricos têm acesso a muitos bens e possibilidades vedadas aos pobres, de maneira que podem levar uma vida muito mais diversificada, constituindo nisso sua riqueza. De maneira geral, a riqueza corresponde à diversidade.

Tal constatação foi feita há décadas pelos ecologistas, ao perceberem uma tendência avassaladora para o empobrecimento de toda a vida no planeta, explicitada na extinção de inúmeras espécies de todos os tipos. O empobrecimento das paisagens salta aos olhos: qualquer beira de estrada no Brasil era, apenas um século atrás, talvez menos, um cenário exuberante, povoado por enorme diversidade de criaturas, de todos os tipos, vegetais e animais. O cenário de devastação que vemos hoje, assemelha-se em todos os lugares, sendo constituído pelas mesmas poucas espécies. Em qualquer subúrbio veremos pombos, ratos, os mesmos capins africanos, insetos asiáticos... quase sempre os mesmos, ubíquos. Uma pobreza.

Mas a situação ecológica, ainda que gritante e ameaçadora (podemos ser a próxima espécie a se extinguir) está devidamente exposta, o alerta já foi dado.

Situação similar ameaça boa parte da cultura humana. O empobrecimento, a homogeneização, a perda da diversidade, ameaça, por exemplo, nossa diversidade linguística. Cada língua incorpora, ou pressupõe, uma visão de mundo, uma riqueza extraordinária; apesar disso, uma a uma, as línguas vêm sendo perdidas.

Gostaria de chamar a atenção para uma outra perda, amaríssima: a perda da diversidade musical.

Tendemos a pensar no mundo de maneira estática, a vê-lo como se tivesse sido sempre do modo que o encontramos. No entanto, o rádio, e os meios de difusão eletrônicos têm coisa de um século, apenas! Antes disso, a música tinha que ser executada localmente, ao vivo, não havia gravações.

Nessa época, cada local desenvolvia sua própria música; havia, é claro, certa difusão, mas imperava, fundamentalmente, enorme diversidade musical

temperando cada localidade com um identidade única, própria.

O rádio, primeiramente, aniquilou e homogeneizou grande parte dessa diversidade, introduzindo em cada rincão distante as mesmas canções e os mesmos ídolos nacionais gerados nos grandes centros, ainda que tais estrelas adviessem, frequentemente, da heterogeneidade vigente. Isso tem quase um século, começou pelos anos 20, 30.

Depois a reprodução se popularizou, vieram os discos. Nova onda de empobrecimento, de redução da heterogeneidade. O mercado, a ânsia de lucros, favoreceu tremendamente esse empobrecimento, apostando na divulgação maciça de uns poucos cantores. Iniciado aqui pelos anos 60, 70, esse movimento adquiriu, ainda, o apoio da televisão que impôs a tendência mundial, ditada pelo poder econômico. Tratava-se da invasão da música anglófona, já homogeneizada em suas próprias terras.

O mesmo movimento ocorreu em todo o planeta. Assim como encontraremos ratos, pombos e baratas, ouviremos as mesmas músicas em qualquer local que estejamos. Enriqueceremos a música, e a nós mesmos, se conseguirmos redescobrir e cultivar parte da riqueza musical outrora existente. Para isso, devemos conhecer a música do mundo, assim como a brasileira, e mostrar aos estrangeiros a que é feita aqui. A internet poderá ser uma ferramenta maravilhosa para a recuperação da diversidade musical, essa espécie de ecologia musical.

https://www.youtube.com/watch?v=g05ClF_pvF8