A iniciação de Jesus
Numa quarentena de mística peregrinação
Suportando o calor, a fome, a sede, o frio;
O Mestre trabalhou a mente e o coração,
Até o seu ego ficar completamente vazio;
Para o deserto da Judéia Jesus foi levado,
E lá foi deixado na mais absoluta solidão.
Pois seu espírito precisava ser preparado,
Para levar á termo aquela sagrada missão.
Dessa forma ele cumpriu antiga tradição,
Que se aplica a todo aquele que é ungido,
Que é receber uma adequada preparação.
Naqueles quarenta dias de dura provação,
Vencendo as provas a que foi submetido,
Jesus foi preparado. Essa foi sua iniciação.
O batismo, ritual de iniciação
.
A iniciação se define como um ritual de ingresso num determinado sistema de conhecimento. É uma forma de eliciar os sentidos da pessoa que participa do ritual para o conteúdo da sabedoria que se quer transmitir.
Não são somente as sociedades secretas, ou as instituições religiosas, que se valem da tradição iniciática para veicular seus ensinamentos. Muitos grupos laicos também usam variantes desse instituto em seus rituais de recepção e elevação dos seus associados. Exemplo de um ritual de iniciação numa sociedade laica é o conhecido trote aplicado pelos estudantes de cursos universitários para recepcionar os novos “calouros”. Também em certos clubes de serviços e algumas empresas, é uso comum algum tipo de ritual de iniciação na recepção de novos membros ou colegas de serviço.
Porém, é na liturgia das religiões que o ritual da iniciação encontra a sua maior aplicação. Toda religião têm o seu ritual, que se configura como sendo uma forma bastante peculiar de o grupo recepcionar o novo membro, compartilhando com ele o espírito da egrégora que se forma naquele momento singular da vida da pessoa.
O exemplo mais comum de um ritual de iniciação é o batismo. Através desse ato ritual, o neófito é admitido no sistema de crenças da religião em ele está sendo iniciado. Por isso, o batismo, na maioria das religiões, se reveste de pompa e cerimônia, sendo o ato litúrgico da mais alta importância no cerimonial que a ela se atrela.
Toda religião tem uma forma de batismo como ritual de iniciação à doutrina por ela professada. O cristianismo é talvez a religião que concedeu a esse ritual a maior carga de significação.
No catolicismo há três sacramentos indispensáveis: o batismo, a comunhão e a crisma, que são rituais representativos da comunhão entre o católico e Cristo. Embora esses três sacramentos sejam importantes do ponto vista litúrgico, o batismo é o mais significativo, pois sem a realização desse primeiro e fundamental ato não é permitida a realização dos dois seguintes.
Esse conjunto de atos litúrgicos representa uma verdadeira iniciação á religião católica, e embora nem todos os católicos de coração e espírito se submetam á todos esses ritos, eles continuam, ainda hoje, sendo muito importante para aqueles que professam essa religião.
Já entre os evangélicos, o batismo é uma opção que deve ser escolhida pelos adeptos quando ele, finalmente, se convence da sua fé nos preceitos da religião que vai adotar. Ele então, com-forme o ritual, que consiste, na maioria das seitas, na imersão do adepto na água, á semelhança do que João Batista fez com Jesus e com os crentes que aderiam á sua doutrina, é batizado perante os fiéis e passa a fazer, efetivamente, parte da congregação.
O batismo, embora tenha sido popularizado pelos cristãos, a partir do ato simbólico realizado por João Batista com Jesus, na verdade, é um ato ritual anterior ao surgimento do cristianismo. Esse termo vem do grego "βαπτισμω" (baptismō) que significa "imergir". Ele já era utilizado pelos judeus, em tempos ante-riores ao cristianismo, como ato ritual destinado a purificar os indivíduos em diversas ocasiões em que estes se comunicavam com a divindade, ou praticavam algumas ações consideradas sacras pela sua religião. A prática de imergir os seus adeptos em água, como símbolo da sua purificação foi institucionali-zada principalmente entre a seita dos essênios, e dessa fonte o costume foi absorvido pelos cristãos, pois embora não haja concordância com a informação veiculada por alguns autores, de que Jesus era adepto da seita dos essênios, não parece haver dúvida de que João Batista, o iniciador de Jesus, o era, dado a semelhança da doutrina que ele pregava com aquela defendida pelos chamados “filhos da luz”.[1]
Na religião islâmica não existe um ritual de batismo como ato litúrgico praticado num templo, mas sim um comportamento específico que caracteriza a iniciação do jovem muçulmano nos mistérios da religião. A palavra de Deus, na forma de um azan (versículo do Alcorão recitado na forma de um salmo, contendo os fundamentos da religião do Islã) deve ser dito no ouvido do bebê. Depois, raspa-se o cabelo da criança, o qual é pesado, e o valor correspondente ao seu peso, em prata, distribuído aos pobres.
Durante essa cerimônia, o nome do bebê deve ser escolhido. Nessa ocasião, as famílias que têm posses podem realizar o cerimomial do akika, que é uma espécie de banquete ritual, do qual participam parentes e amigos próximos, que consiste no consumo de um carneiro em ágape. Esse ritual simboliza os animais que Abraão sacrificou em lugar do seu filho Isaque, de
acordo com a história relatada em Gênesis 22.13.[2]
Já no judaísmo, a cerimônia de batismo inicial é bastante ritualizada. Essa ritualização, que consiste principalmente na circuncisão, segundo se lê na Bíblia, teria sido instituída por Abraão, por instrução de Deus. Com efeito, lê-se em Gênesis,17:10:11“ Todos os homens entre vós sereis circuncidados. Circuncidareis a carne do vosso prepúcio, como sinal da aliança entre mim e vós.” Segundo ainda o texto bíblico, o próprio Abraão tinha noventa e nove anos de idade quando se circunscidou.[3]
A circuncisão tornou-se o principal ritual de iniciação do judaísmo, sendo ainda hoje praticado pelos naturais desse povo, em relação a todas as crianças do sexo masculino, as quais devem circuncidadas perante uma assembléia de dez homens, ocasião em que também recebe um nome. Quanto ás meninas, o ritual consiste em apresentá-la junto aos membros da sinagoga, e dar-lhe um nome.
A iniciação religiosa, porém, dá-se aos treze anos para os meninos e aos doze para as meninas. Essa cerimônia, chamada bar-mitzvá, para meninos, ou bat-mitzvá, para meninas, é a ocasião em que eles são chamados a ler a Torá pela primeira vez perante os membros da sinagoga.[4]
No budismo a iniciação se dá em um ritual chamado orde-nação leiga, que é quase sempre desenvolvido na fase adulta. Geralmente, o neófito é preparado durante um ano, no qual lhe é ensinado os fundamentos da religião. Depois, o iniciando passa por uma cerimônia na qual recebe, de um mestre que lhe foi indicado, ou de um superior do templo em que vai se ordenar, um novo nome e a indicação da sua ordem na linhagem de Buda. Como o budismo é uma religião metafísica, não existe nela a idéia de unidade entre a divindade e o adepto, pois para os budistas todo ser humano já possui em si mesmo os atributos que o conduzem ao um estado de beatitude. Esse estado de beatitude consiste na natureza de Buda, ou seja, a capacidade de atingir a iluminação. E esse estado pode ser atingido através de uma conduta específica na vida pessoal e na prática da liturgia ritual que a religião prescreve para os seus adeptos.
[1] “Filhos da Luz” era o título que os essênios atribuíam a si mesmos, em oposição aos “Filhos das Trevas”, que eram aqueles que se opunham á sua doutrina.
[2] O ágape é uma antiga cerimônia, na qual o clã compartilha uma refeição ritual. Era, e ainda é, uma cerimônia praticada pela maioria das famílias de origem oriental. Um dos exemplos mais famosos de um ágape é a refeição pascal praticada pelos judeus e a famosa última ceia de Jesus com seus discípulos. A maçonaria também tem os seus ágapes, que consiste na prática do “banquete ritual”, e também nos chamados “copos d’agua”, ceias realizadas depois das reuniões da Loja.
[3] Gênesis, 17:24
[4] Provavelmente é a esta cerimônia de iniciação que o evangelista Lucas se refere quando narra a aventura do adolescente Jesus, aos doze anos, em Jerusalém, quando segundo sua informação, ele se perde de seus pais e é encontrado junto aos doutores da lei, na sinagoga do templo. Foi nesse ato que o menino despertou o seu espírito missionário, o que justifica as misteriosas palavras que disse aos seus pais quando estes o interpelaram: “ Não sabieis que devo ocupar-me das coisas do meu pai? E eles não entenderam o que ele disse.” Lucas, 2:49