O olho, a evolução e o engano do criacionismo.

Não possuo provas, mas não me parece ser mera coincidência que dois eventos biológicos de enorme envergadura tenham acontecido tão próximos quando os vemos em tempo geológico, e que um não tenha diretamente afetado o outro: o surgimento do olho/visão espacial, e a explosão cambriana.

Em algum momento a cerca, ou um pouco mais, de 540 milhões de anos ocorreu o surgimento dos olhos , algo que transformaria para sempre a corrida armamentista entre presas e predadores, algo que “revolucionaria” a relação entre as espécies, e colocaria os seres vivos em um novo patamar de realizações de seus viveres, e de luta pela sobrevivência.

Este evento, o surgimento do olho, ocorreu um pouco antes do que hoje conhecemos como o período da explosão cambriana, onde a vida, em especial as espécies, que passavam até então por um longo período sem maiores “experimentações” evolutivas, com baixa taxa de criação de novas espécies, de novos planos corporais, sofre uma verdadeira “revolução” de “criatividade”, e espécies novas são criadas por toda a parte, vinda exclusivamente de evolução natural, levando a uma diversidade magnífica, em especial de seres com volumes e tamanho maiores. Neste período, o da explosão cambriana, surgem sem maior aviso ou alarde quase todos os filos que hoje existem.

Devemos ter em mente que a visão, por si só, nos permite ler a realidade do mundo físico que nos cerca com muitíssimo mais amplitude e detalhe do que o conseguem o olfato, a audição e o tato. Vivemos em um mundo visual, e entendo que muitas da evoluções e adaptações do pós olhos devem ter ocorrido em resposta a capacidade de sermos vistos e de ver os outros.

É certo que o olho (e a visão espacial), sozinho não é o único responsável para a magistral explosão de novas espécies neste período, outras transformações ambientais estavam acontecendo, como tinha acabado de crescer a concentração de oxigênio livre no ar e no mar, e o oxigênio era o motor energético que permitia o crescimento em tamanho das espécies, pois que predação necessita de muito mais energia. O ambiente estava mudando, mas o surgimento do olho era junto com o volume maior de oxigênio livre (fonte poderosa de energia), um motor potente para participar do veloz (em tempo geológico) andamento de criação de novas espécies da explosão cambriana. A partir do olho, da visão espacial, e com o advento de maiores tamanhos corporais, e maior potencial energético-biológico, a predação tomou cada vez mais lugar. Predadores podiam muito mais facilmente caçar sua presas, e estas em contrapartida precisavam se adaptar a esta nova escalada bélica na guerra caça e caçador, e pôde assim, esta ser uma das pressões evolutivas selecionadoras naturais que fez a máquina da evolução ser prolixa no desenvolvimento de novas espécies, e aquelas que não evoluíssem tendiam ao desaparecimento.

Predadores sem olhos e presas com olhos, levariam os predadores a morte. Presas sem olhos e predadores com olhos levariam as presas ao desaparecimento.

Parece-me evidente, mesmo inadmissível, nada crível, que alguém possa imaginar ou supor que os olhos sugiram do nada, de repente, completos, belos, complexos e formosos. Impossível! É sempre bom lembrar que um míope é mais bem preparado que um cego total quando o caso é lutarem fisicamente pela sobrevivência. Um predador que enxergasse pouco, mesmo muito pouco, era assim mesmo mais apto a predação do que uma presa totalmente cega o era para se defender, que não poderia perceber a chegada de seu predador. O inverso também é verdade, uma presa com visão, mesmo que ruim, estava está mais apta a se defender e fugir do predador, do que um predador cego de lhe caçar.

O olho não surge do nada absoluto, é verdade, já existiam células sensíveis, capazes de serem sensibilizadas por pulsos externos, luminosos, químicos, e táteis. Já existiam células capazes de decodificar, transmitir e trabalhar estas sensações, transformando-os em “impulsos” ou sinais bio-químico-elétricos. Já existiam circuitos neurais capazes de algum processamento destas informações, ou seja, a natureza já possuía todos, ou quase todos, os ingredientes necessários para evoluir um olho, sempre por meio de erros de cópias, a planos corporais ou funcionais, que através de alguma adaptação-especialização levariam naturalmente a criação de aglomerados de células mais especializados na percepção e tratamento da luz, e daí a uma especialização que permitiu ser um dos motores da seleção natural de novas espécies, o olho. Do agregado de células fotossensíveis ao olho era um pulo (em tempo geológico é claro), e este desenvolvimento permitiria a sobrevivência de seres cada vez mais capazes de deixar descendentes.

Do pequeno aglomerado de células especializadas no tratamento e conversão dos impulsos luminosos, geração a geração, por erro de cópia em erro de cópia, foi naturalmente sendo criado um olho, no início insipiente, e deste à olhos cada vez mais “completos”, até os olhos que hoje conhecemos. Cabe lembrar que a evolução em si é cega, e acabou por desenvolver variados planos de olhos que hoje existem, simplesmente porque a evolução não possui e nem segue projetos, não busca e nem leva ao melhor, e erros de cópias em alguns animais levaram a adaptações diferentes de erros de cópia em outros animais, mas como estas adaptações levavam em suas espécies à seres mais bem adaptados a sobreviver e deixar descendentes, estes planos de olhos, diferentes entre várias espécies foi mantido em cada uma delas, não porque era o melhor projeto, mas por que era uma adaptação por erro de cópia que atendia a máxima de permitir seres com maior capacidade de deixar descendência. A evolução cega por si só, foi selecionando em cada espécie os seres com melhores capacidades visuais, não porque eram ou tinham o melhor projeto de olho, pois se assim o fosse deveríamos hoje ter um único tipo de olho, o que definitivamente não é verdade, mas sim porque eram projetos de olhos que funcionavam e atendiam as necessidades de melhor adaptação do que suas gerações anteriores. A busca do melhor, do estado da arte, inexiste na evolução natural.

Desta forma, de animais com capacidade zero de visão espacial pôde surgir, por adaptações “aleatórias”, os que enxergavam pouco que fosse, pois que 10% de visão é melhor do que nenhuma, e estará assim melhor adaptado a sobreviver na luta presa-predador, do que outro com 0% ou mesmo 5%, posto que podia avistar seu oponente a maiores distancias, ou mesmo encontrar fontes de alimentação mais facilmente, ou mesmo avistar parceiros sexuais mais facilmente. Desta forma, ao longo do tempo, de geração em geração, esta aparentemente simples, porem fenomenal adaptação evolutiva, que eu ousaria incluir entre as 7 ou 8 maiores e mais revolucionárias transformações evolutivas, acabou por levar a vida à uma nova realidade, e a uma nova escalada armamentista pela sobrevivência. Desta forma um ser com 40 % de visão era mais bem adaptado do que um com 20% de visão, até que os olhos chegaram a ser o que hoje são, e que leigos entendem como uma obra prima de tecnologia e projeto, um estado da arte na engenharia, chegando este órgão a ser, argumento ferrenho de defesa de muitos religiosos pela existência de um deus projetista, pois que no geral, realmente nos parece perfeito. Mas não é. Em verdade, sem me aprofundar neste texto, o olho seria um projeto imperfeito, como inúmeras outras partes de nosso corpo, exata e simplesmente porque não teve projeto. Em biologia tudo é um pouco mais complicado do que parece, e cada solução era, no momento da seleção, melhor como funcionalidade do que a anterior, e mesmo assim sempre equilibrada pela função e pela economia energética, pois que energia é algo caro no mundo biológico. Como existem diversos planos de olhos, vou apenas para não ficar sem nada comentar sobre erros de projetos me ater ao olho humano, e dizer de forma simples e sem maiores desenvolvimentos de prova que nenhum engenheiro de primeira linha projetaria um olho que consome por unidade celular mais energia que o próprio cérebro, no qual os sensores óticos estão de cabeça para baixo, onde seu cabeamento, também por isso, que levam o sinal luminoso convertido ao cérebro, saem (ou entram) pelo meio da retina criando um ponto cego, não projetaria um circuito sensor onde a sensibilidade à cor existe apenas em uma pequena parcela deste sensor, ou onde a resolução diminuísse a medida que se fasta do ponto ótimo de visão, poderíamos imaginar uma foto colorida no centro e tons de cinza na periferia, resolução boa no centro e cada vez mais turva a medida que se afasta do centro, e com um buraco sem imagem alguma nesta mesma foto. Isto apenas para levantar “algumas” falhas de projeto de um olho, mas que no geral atende otimamente bem as necessidades, e é isto que a evolução busca, geração a geração, melhor adaptação, e nunca melhor projeto. (As células sensíveis da retina no olho humano estão postadas de forma invertida, reduzindo assim a sua sensibilidade ótica. Já no polvo, estas células estão postadas voltadas para a origem dos fótons que as deve atingir, o que eleva em muito a facilidade de sensibilização.)

O olho, como todo o corpo, não teve projeto algum, evoluía e era selecionado porque dava certo e levava a uma melhor adaptação funcional do que as gerações anteriores, e foi assim, de erro em erro, selecionando as adaptações que melhor possibilitavam alcançar a necessidade pela sobrevivência e procriação, que o olho se formou. De nada adianta viver mais sem procriar, pois a espécie tenderá a extinção e de nada adianta também ter grande capacidade de procriação sem longevidade suficiente para procriar, a seleção natural trabalha também neste equilíbrio. O olho foi sendo selecionado não pela busca de estado da arte algum, ou por ser a melhor adaptação possível, mas sim apenas porque ele, por erro de cópia aconteceu e levou a melhores adaptações, sendo assim selecionado. Esta explicação servirá para praticamente tudo na evolução, que quase nunca sai do zero, a evolução sempre aproveita algo que já tem, muitas vezes que tinha outra função inicial, e que em algum momento perdeu sua importância funcional, mas que um erro de cópia levou à outra funcionalidade para aquele grupo celular, assim o corpo e seus órgão, do ponto de vista de projeto está longe de ser perfeito.

Isto leva o “poderoso” homem e todas as demais espécies a serem o que a “sorte” do erro de cópia e o caos os levou a ser, e não, nunca, o que de melhor poderia ter sido. Se eu tivesse que acreditar em um projetista transcendental, teria que ser bem franco para ele e para todos, que este projetista tinha sido bem fraco nas escolhas de seu projeto, e até mesmo incompetente, displicente e perverso, porque projetar um ser que precisa ser predador de outro para sobreviver é por si só de uma perversidade absoluta, por que tendo ele toda a eternidade do tempo, tendo a sua disposição a onipotência para fazer o melhor e toda a onisciência para saber o alcance de seu projeto, até onde levaria cada ser projetado, assim mesmo ele somente foi capaz de “criar” este projeto, para nós e para toda a natureza.

A evolução é linda, é bela e maravilhosa, ela é fantástica não pela preciosidade ou perfeição de seu projeto, por que não o tem, mas sim pela simplicidade de não tendo projeto algum ter possibilitado tudo o que aqui existe.

Em biologia, e na evolução, sempre há vantagens e desvantagens, e assim a seleção natural atua no equilíbrio destas, por exemplo, de que adiantaria um olho super dotado, super poderoso, super funcional, capaz de uma faixa de abrangência de ondas eletromagnéticas maiores, capaz de ver tudo com muito mais sensibilidade, resolução e cor, se isto implicasse em olhos enormes, com um consumo absurdo de energia, com a necessidade de um processamento neuro-cerebral de que não dispomos. Mesmo que algum erro de cópia levasse a tal variação, ele não seria naturalmente selecionado, pois o seu consumo, a sua relação função-benefício-consumo seria muito maior e “impossibilitante”, do que outros erros de cópia que levaram a soluções mais econômicas e viáveis. A economia de energia sempre foi uma necessidade premente, e a evolução, sem projeto, “sabe” disto naturalmente.

Tudo o que falei pode parecer absurdo, mas não é, pode conter alguns erros em detalhes, mas no geral é aceita pelos estudiosos. Mas não bastasse tudo isto, como crítico e racional que tento ser, tenho leituras genéticas que mais ainda corroboram que o olho e a visão são adaptações sucessivas e evolutivas, e de um antepassado, bem remoto, verde. Não sendo ele o hulk ou nenhum marciano.

Apenas para acrescentar um pouco mais de fogo na questão criacionista de que metade de um olho não possui validade funcional alguma, sem utilidade assim, vou citar um evento verdadeiro, em que metade de um olho acaba por ser melhor ainda do que um olho inteiro.

Um olho normal é dividido grosseiramente entre sensibilidade (a capacidade de perceber fótons) e resolução (a capacidade de definir contornos, sombras e texturas no que observamos). Ainda mais, podemos dividir um olho em parte superior ou externa, e em parte inferior ou interna. Retina e afins como parte interna, e cristalino, pupila e afins como parte externa. Mesmo médicos oftalmologistas, quando de sua especialização, se dividem em especialistas de córnea, íris, cristalino, pupila (externa) e especialistas em retina, nervos óticos e etc. (internos).

Em nosso padrão de viver (humano), em que a quantidade de fótons é abundante, pelo menos durante o dia, a resolução é um diferencial importante e preponderante. Tendemos a extrapolar esta verdade para todo o restante do mundo, colocando a nossa verdade e qualificação como medidas de tudo.

Vamos mudar um pouco o ambiente e passarmos a falar das fontes termais, no fundo dos mares oceânicos, onde os fótons solares não chegam, onde poderíamos dizer que o breu é total, ou quase total. Estas fontes termais emitem luz muito tênue na faixa do vermelho. O que será que aconteceu aos animais que ali vivem? A resolução não era importante, até porque com baixa densidade de fótons é impossível determinar definições exatas, agora perceber estas fontes, saber de alguma forma calcular a distância que estão delas é muito importante.

Imagine assim um camarão cego (porque não possui olhos formais), vivendo perto destas fontes, e dela dependendo para sobreviver. Este camarão não precisa ver detalhes da fonte, mas saber se colocar a distâncias adequadas dela, pois se muito próximo, será literalmente cozido pelo calor delas, mas também não pode se afastar totalmente da fonte pela necessidade de alimentação e mínimo calor. Este camarão precisa de uma forma de grande sensibilidade, pois a emissão de luz destas fontes é muito incipiente.

Como podemos aumentar a sensibilidade à luz? Abrindo cada vez mais nossa pupila, só que isto no geral diminui a resolução. Quanto mais aberta a pupila (o diafragma), maior será a sensibilidade a luz, até que o máximo de sensibilidade se dá quando não mais existe diafragma algum, o olho seja somente uma superfície sensível a luz, uma espécie de retina nua.

E adivinhemos? Estes camarões possuem exatamente isto. Por isto foram erradamente chamados de camarões cegos. As suas costas, dos dois lados, são superfícies fotossensíveis, receptoras de luz (retina nua), algo como um olho totalmente aberto, somente retina, e isto é a salvação para este camarão, não só dele, mas o cito apenas como exemplo de que algumas vezes metade de um olho pode ser melhor ainda do que um olho inteiro, completo. Depende é claro das necessidades adaptativas a cada ambiente, e do equilíbrio necessidade-possibilidade-consumo de energia. Assim toda a perfeição de um olho completo é também um item relativo. O olho de uma águia consegue definição de imagem 4 vezes melhor que a do olho humano. O olho de um polvo tem mais sensibilidade percentual do que o do homem.

O que é perfeição? Simplesmente não existe, porque não há projeto algum por traz de toda a vida, há apenas evolução...

Arlindo Tavares
Enviado por Arlindo Tavares em 05/04/2014
Código do texto: T4757148
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