Primeiro os olhares, depois a abordagem.
[...] Então eu finalmente decidi falar com ela. Ela percebeu que eu me aproximava, afinal, havia reparado que eu já a olhava há algum tempo. Eu disse:
- Oi, você se chama Marina, não é? - com a maior cara de pau que eu pudia ter.
- ... Sim... - respondeu ela com aquele olhar feito de uma mistura de dúvida e espanto que todos fazemos quando alguém que não conhecemos, ou não lembramos de conhecer, nos aborda chamando por nosso nome. Em nossa cabeça só conseguimos pensar: "Quem é essa pessoa? Como sabe meu nome? Eu a conheço?" e junto com esses pensamentos tentamos encontrar alguma memória que nos traga alguma conexão com ela, nem que seja só de passagem, como conversas em roda com amigos e seus outros amigos em comum. Mas claro, quando não conhecemos a pessoa, nunca vem nada.
Eu continuei:
- Eu me chamo Ícaro. - eu parei esperando a pergunta obvia:
- Desculpa, de onde nos conhecemos? Não me lembro de você. -disse ela.
- Isso é porque não se pode lembrar de alguém que não se conhece... Nós não nos conhecemos.
- Então como sabe meu nome? - ela continuava com o mesmo olhar.
- Bem, eu ouvi algumas amigas lhe chamarem um outro dia... Eu poderia ter chegado aqui e fingido que não sabia, mas não acho necessário. Afinal, se já sei seu nome, para que perguntar?
- Para se apresentar depois?
- Eu posso me apresentar sem saber seu nome. A questão é que eu não gosto de me fazer de bobo.
- Certo... e por que veio falar comigo? - agora ela me olhava como se eu fosse de outro planeta.
- É porque eu acho você muito bonita. Dai eu prefiro ser mais objetivo do que chegar aqui e iniciar uma conversa banal e não tocar no ponto que quero e ficar arrastando isso.
- Obrigada, mas como assim?
- Sabe, chegar e dizer: "Oi, tudo bem?", sem realmente me importar com a resposta somente para perguntar seu nome depois, mesmo já sabendo, e dizer o meu e então fazer perguntas do tipo "o que você gosta de fazer?" e ficar nisso sem nunca dizer o que eu quero dizer.
- Entendi. Bom, então... sobre o que quer falar?
- Eu quero saber como você está.
- Oras, mas você acabou de dizer que não se importaria com a resposta. - ela me olhou com uma cara do tipo: "você é louco?"
- Agora é diferente, eu já cheguei onde eu queria chegar, então todas as coisas a partir daqui são relevantes. Seriam irrelevantes se eu começasse uma conversa assim, sendo que minha intenção não era saber como você está e sim dizer o quanto acho você bonita
- Então tá. Já que é assim, eu estou bem. E você?
- Eu vou muito bem. O que você gosta de fazer?
- Mas você é muito contraditório mesmo, hein. - novamente me olhando como se eu fosse louco, talvez eu seja.
- Eu já lhe expliquei...
- Olha, deixe isso de lado. Você se interessou por mim só por me achar bonita? - perguntou me acusando.
- Sem te conhecer pelo o que mais eu poderia me interessar? Se fosse pelas roupas eu já teria perguntado algo sobre elas.
- Então você é do tipo que se deixa levar somente pelas aparências? - continuava o interrogatório de acusação.
- Não. - respondi tentando escapar.
- Então o quê? - ela me olhava esperando que eu respondesse, mesmo sabendo que tinha me atingido, como um xeque no xadrez, ela esperava uma reação para fazer uma nova jogada ofensiva. Eu sabia que não era só a aparência dela que me chamou a atenção, até porque isso não é tão relevante, mas eu não sabia como explicar. Levei longos 5 segundos até responder:
- Bem, quando vejo alguém que me interessa, geralmente é sempre o olhar primeiro e como ele se harmoniza com o resto do rosto... Depois vem o sorriso, isso se a pessoa estiver sorrindo, porque as vezes ela pode estar triste ou pensativa. Mas o sorriso tem de estar acompanhado do olhar, somente o sorriso não diz muita coisa, sorrisos mentem, olhares não. Dai vem o restante: o cabelo, as roupas, o corpo, a postura... - eu fiquei quieto esperando ela falar; ela ficou me olhando enquanto assimilava o que acabara de ouvir e formulava sua próxima fala.
- Nossa... mas quer dizer que você sempre aborda as pessoas assim?
- Na verdade não, nunca tive coragem... Mas com você foi diferente.
- Por quê? - perguntou curiosa.
- Porque eu notei que você retribuía meu olhar de forma convidativa.
- ... Você sempre analisa as pessoas assim?
- Às vezes, de uma forma geral... mas enfim, o que gosta de fazer? [...]