O INEFÁVEL NOME DE DEUS
“ Senhor, nosso Dominador Soberano, quão admirável é o teu Nome em toda a terra, pois elevastes a tua majestade acima dos céus.”
Salmos 8;2
Assim dizem os homens de ciência:
O universo é o átomo que explodiu;
Do seu núcleo saiu toda a existência,
O que se vê, se verá, o que já se viu.
Mas há quem afirme outra verdade:
A de que tudo começou com um som
Pois Aquele que era sagrada unidade
Multiplicou-se no Tetragramaton.
O Nome de Deus é energia pulsante,
Que tira do nada a totalidade do Ser
E nunca se esgota porque é constante.
Pois sendo Verbo para todo predicado
O seu Nome confere infinito Poder,
A todo aquele a quem é comunicado.
O Tetragrama YHWH
Nos primeiros tempos da crença judaica, antes de Moisés organizá-la como religião, o nome de Deus era conhecido e pronunciado livremente pelo povo hebreu. Jeová não tinha uma característica de deus universal e era adorado pelas tribos do deserto na condição de uma deidade pastoril. A idéia de que seu nome (YHWH) era sagrado começou com o decreto, supostamente transcrito por Moisés, no Decálogo, de que o nome de Deus não deveria ser invocado em vão (Êxodo, 20:3).
A partir daí criou-se uma superstição de que o nome do deus hebreu era uma palavra sagrada, que ao mesmo tempo em que conferia poder incalculável aquele que a conhecesse e soubesse pronunciá-la corretamente, também traria terríveis malefícios a quem o usasse incorretamente.
Assim, o nome de Deus passou a ser uma incógnita que nem entre os próprios hebreus encontrava concordância. Vulgar-mente ele era chamado de Adonai, o Senhor. Não se sabe exatamente quais os motivos que levaram ao surgimento dessa crença, mas é certo que ela se acentuou depois do exílio na Babilônia (538-539 a.C.), embora alguns dos profetas hebraicos que surgiram nesses anos de cativeiro ainda tivessem usado o Tetragrama YHWH para se referir ao deus hebreu.
Todavia, após o período alexandrino esse nome deixou de ser usado e as traduções da Bíblia hebraica que passaram a ser feitas a partir do terceiro século a. C. sempre usavam o estrata-gema de substituir o Tetragrama YHWH por nomes alternativos, reforçando a crença, já generalizada, de que o Nome de Deus era uma palavra mística, cuja pronúncia só seria conhecida de alguns “eleitos” e cuja grafia devia ser interdita aos não iniciados.
Aliás, um dos mais misteriosos mandamentos do Decálogo é justamente a proibição de pronunciar o nome de Deus em vão. Diz o Senhor que “não tomaria por inocente” aquele que o fizesse. Portanto, no tempo de Moisés já se cultivava a tradição de associar poder e sabedoria a quem que conhecesse o Santo Nome, pois tal pessoa não era inocente, isto é, detinha o poder de conhecimento do bem e do mal.
Destarte, o possuidor desse conhecimento não poderia utilizá-lo irresponsavelmente. Para que o próprio Deus tivesse tal preocupação, é por que essa Palavra Sagrada, esse Nome Inefável continha realmente um poder inexprimível que somente pessoas muito especiais e com muita intimidade com Ele podiam fazer uso.
Para os cabalistas, esse nome grafava-se Shemhamphorach, que quer dizer o principio. Diziam que esse Nome era a base do Tetragrammaton, o número que equivalia ao significado do Nome Inefável. Todos os demais nomes de Deus eram produtos de suas manifestações, mas o Shemhamphorach era derivado de sua própria substância, por isso podia ser considerado o primeiro.
Isso não impediu, todavia, que vários escritores, conside-rados apócrifos, tivessem se utilizado do Nome Sagrado em seus escritos. Um deles foi o autor do chamado Papiro Fouad, uma obra datada do século I a. C, encontrado no Egito em 1939, durante o reinado do rei Fouad I, que por isso recebeu esse nome. Esse documento continha transcrições de um trecho do Deuteronômio e no lugar onde se referia ao nome de Deus o autor usava o Tetragrama, o que mostra que nem todos os escritores antigos se curvavam a essa crença. Alguns estudiosos, como o Dr. P. Khale, dizem que a crença de que se devia substituir o nome YHWH por outros termos se acentou com a vitória do cristianismo e que foram os cristãos, que não tendo conhecimento da forma hebraica de escrever e pronunciar o nome divino, o substituiram pela forma grega Kýrios. Daí essa superstição ganhou corpo e se tornou um verdadeiro mito.[1]
Ao que parece, foi um escritor judeu, o fariseu Flávio Josefo, que deu o maior suporte a essa superstição ao corroborar a idéia de que o nome do deus hebreu era uma palavra impronunciável. Ao se referir á experiência de Moisés no Monte Horeb, quando ele se encontrou com Deus pela primeira vez, ele se refere, de forma místeriosa, ao "O Nome sobre o qual estou proibido de falar.[2] Isso reflete, sem dúvida, a formação rabínica desse polêmico escritor, e a sua condição de fariseu, por ele mesmo denunciada em seus escritos, pois essa preocupação aparece constantemente nos comentários rabínicos constantes do Talmude e especialmente nos textos cabalísticos, que nunca se referem ao Nome de Deus, mas sempre o substituem por metáforas e símbolos.
O significado do Nome Sagrado
Entretanto, foi só no século XI da era cristã, quando da edição do Códice de Leningrado, que o Tetragrama YHWH começou a ser estudado pelos eruditos com a finalidade encontrar a sua verdadeira pronúncia. Essa disposição veio da crença de que Deus não ouviria aqueles que não fossem capazes de pronunciar corretamente o seu nome. Assim, vários sinais vocálicos para orar a Yahvéh, Yehvíh, Yehváh, Yehováh, como então se pronunciava o Tetragrammaton, foram aparecendo, contribuindo ainda mais para aumentar a mística do Nome Sagrado. Formas abreviadas desse nome também foram publi-cadas, tais como Yah (ou Jah, na forma latinizada), e na conhecida expressão HaleluYah (Louvai a Jah!), que em português foi vertida para Aleluia. Outras formulações linguísticas como Yehóh, Yoh, Yah e Yahu, também são encontradas nos textos hebraicos denotando a grande discussão que se travou a respeito desse tema durante toda a Idade Média.
Ainda hoje muito se discute sobre o exato significado do Tetragrama YHVH. A controvérsia, entre os especialistas, está longe de se dissipar. Tudo começa com a extranha expressão usada pelos cronistas bíblicos para descrever o encontro de Deus com Moisés no Monte Sinai, quando Ele diz: “Ehiéh ashér ehiéh.”
Essa expressão é usualmente traduzida como “Eu Sou o que Sou”, ou “Serei o que Serei.”, conforme a versão Almeida Revista e Atualizada. Ou na expressão usada pelos tradutores da Septuaginta (A Versão dos Setenta) que traduziram a locução divina como “ Eu Sou Aquele que É.(Ego eimi ho ôn).
Assim, em todas essas traduções, o Nome Sagrado é sempre traduzido por um verbo que denota o sentido de existência, de presença, de verdadeira vivência ontológica. Esse sentido deu origem ás mais diversas especulações filosóficas a respeito do nome de Deus, como função criadora de todos os fenômenos universais, tais como a que aparece na Cabala, que o define como a Existência Negativa que se torna Existência Positiva, ou seja, a Energia latente, desconhecida, que se manifesta em Poder e dá origem ao universo real.
Por isso, também, é que no memento que dá início ao seu evangelho, São João se refere a Deus como “O Verbo” e sugere que Jesus, como filho de Deus, também era um “Verbo” que estava com Deus no princípio e “se fazia carne para habitar entre nós”.[4]
Mas há outras traduções que vão mais longe ainda na interpretação do significado dessa estranha expressão. O Rabino Isaac Leeser, por exemplo, em sua tradução “Dos Vinte e Quatro Livros das Escrituras Sagradas” verte a locução divina como “Serei o que eu for”, denotando, segundo ele, a intenção de Deus em demonstrar a sua onipotência, e que Ele, como deidade, não tinha uma forma nem era um Ser com características e funções definidas, como os demais deuses da religiões antigas. [5]
Nessa visão, Ele (Deus), era o que era e seria o que quisesse ser. Por isso o estudioso Joseph Bryant Rotherham, em seu estudo (A Bíblia Enfatizada – Roterdã, 1897), verte essa expressão da seguinte forma: “E Deus disse a Moisés: Tornar-me-ei aquilo que me agradar. E ele disse: Assim dirás aos filhos de Israel: Tornar-me-ei enviou-me a vós.”
Segundo esse estudioso o verbo usado no original da Bíblia foi “Hayah”, que quer dizer “tornar-se” e não “serei” ou “sou”. Assim, Deus não afirma a sua auto-existência, mas sim que Ele é uma potência que se realiza na medida em que o mundo acontece, e conforme Ele mesmo se predica. Isso significa que YHWH podia adaptar-se às circunstâncias e modelar o universo segundo a sua vontade. E o que quer que ele precisasse Ser, Ele se tornaria.
Dessa forma, o verdadeiro significado da expressão seria “Vir a Ser”, o que estaria em perfeita consonância com a visão cabalística que fala de Deus como sendo a “Existência Nega-tiva”(Potência) que se torna “Existência Positiva” (Ato), no momento em que manifestou no mundo real. Essa interpretação também encontra eco na formidável visão hindú expressa na Baghavad Guita. [6]
Assim, o verdadeiro significado do Tetragrama YHWH se expressa por um verbo que revela o propósito de Deus de fazer o mundo em todas suas formas futuras, o que nos leva também a uma analogia com modernas descrições do universo, feitas por cientistas de renome, que o vêem como produto de uma “teia de relações”.[7]
Essa visão tambémtem correspondência na imagem bíblica que nos mostra um universo físico sendo construído a partir do surgimento da luz. “Exista a luz; e a luz existiu” diz o Criador no momento inicial da criação.[8]
Daí o significado da expressão “ Eu Sou”,“Serei”, ou “Vir a Ser”, atribuída ao Nome de Deus. Essa expressão indica que Deus, por ser pura potência, isto é, Luz, não tem um atributo material identificável a priori, o que não permite que Ele tenha um nome próprio que possa ser pronunciado, nem uma forma material que possa ser reverenciada como especifica. Assim, Ele é todos os predicados possíveis e tem todos os nomes, de plantas, de rochas, de animais e forças da natureza. A partir do seu atributo inicial que é Ser, Ele vai se “construindo” e se “mostrando” na multiplicidade de sua criação. Daí a definição, usada pelo evangelista João, de que Deus é um Verbo, porque, a partir das suas manifestações no mundo da realidade fenomênica, Ele gera todas as coisas e assume todas as formas, e num sentido lingüístico, todos os predicados.[9]
O universo material é a sua face externa, a sua “Existência Positiva”. Por isso é que os modernos gnósticos dizem que os cientistas só conseguem ver a realidade “pelo seu lado de fora”, pois esta é a natureza, a face externa de Deus, a sua visão aparente, enquanto a sua face interna, a sua “Existência Nega-tiva”(Deus enquanto potência), por ser pura energia, sua exis-tência só pode ser detectada pelo espírito, que também é subs-tância energética.
Essa idéia também sugere que Deus constrói o universo de combinação em combinação. Resulta daí que o predicado essencial da divindade é uma constante de integração, que vai sendo equacionada á medida que o próprio cosmo vai se formando, como resultado das combinações que se processam no seu interior. Destarte, o que a Baghavad Guita e a Bíblia estão a nos dizer é que o Poder, a Potência, o Verbo, a Palavra Perdida, o Nome Inefável de Deus, é essa energia dos princípios que se apresentou a Moisés como Eu Sou.
“ Senhor, nosso Dominador Soberano, quão admirável é o teu Nome em toda a terra, pois elevastes a tua majestade acima dos céus.”
Salmos 8;2
Assim dizem os homens de ciência:
O universo é o átomo que explodiu;
Do seu núcleo saiu toda a existência,
O que se vê, se verá, o que já se viu.
Mas há quem afirme outra verdade:
A de que tudo começou com um som
Pois Aquele que era sagrada unidade
Multiplicou-se no Tetragramaton.
O Nome de Deus é energia pulsante,
Que tira do nada a totalidade do Ser
E nunca se esgota porque é constante.
Pois sendo Verbo para todo predicado
O seu Nome confere infinito Poder,
A todo aquele a quem é comunicado.
O Tetragrama YHWH
Nos primeiros tempos da crença judaica, antes de Moisés organizá-la como religião, o nome de Deus era conhecido e pronunciado livremente pelo povo hebreu. Jeová não tinha uma característica de deus universal e era adorado pelas tribos do deserto na condição de uma deidade pastoril. A idéia de que seu nome (YHWH) era sagrado começou com o decreto, supostamente transcrito por Moisés, no Decálogo, de que o nome de Deus não deveria ser invocado em vão (Êxodo, 20:3).
A partir daí criou-se uma superstição de que o nome do deus hebreu era uma palavra sagrada, que ao mesmo tempo em que conferia poder incalculável aquele que a conhecesse e soubesse pronunciá-la corretamente, também traria terríveis malefícios a quem o usasse incorretamente.
Assim, o nome de Deus passou a ser uma incógnita que nem entre os próprios hebreus encontrava concordância. Vulgar-mente ele era chamado de Adonai, o Senhor. Não se sabe exatamente quais os motivos que levaram ao surgimento dessa crença, mas é certo que ela se acentuou depois do exílio na Babilônia (538-539 a.C.), embora alguns dos profetas hebraicos que surgiram nesses anos de cativeiro ainda tivessem usado o Tetragrama YHWH para se referir ao deus hebreu.
Todavia, após o período alexandrino esse nome deixou de ser usado e as traduções da Bíblia hebraica que passaram a ser feitas a partir do terceiro século a. C. sempre usavam o estrata-gema de substituir o Tetragrama YHWH por nomes alternativos, reforçando a crença, já generalizada, de que o Nome de Deus era uma palavra mística, cuja pronúncia só seria conhecida de alguns “eleitos” e cuja grafia devia ser interdita aos não iniciados.
Aliás, um dos mais misteriosos mandamentos do Decálogo é justamente a proibição de pronunciar o nome de Deus em vão. Diz o Senhor que “não tomaria por inocente” aquele que o fizesse. Portanto, no tempo de Moisés já se cultivava a tradição de associar poder e sabedoria a quem que conhecesse o Santo Nome, pois tal pessoa não era inocente, isto é, detinha o poder de conhecimento do bem e do mal.
Destarte, o possuidor desse conhecimento não poderia utilizá-lo irresponsavelmente. Para que o próprio Deus tivesse tal preocupação, é por que essa Palavra Sagrada, esse Nome Inefável continha realmente um poder inexprimível que somente pessoas muito especiais e com muita intimidade com Ele podiam fazer uso.
Para os cabalistas, esse nome grafava-se Shemhamphorach, que quer dizer o principio. Diziam que esse Nome era a base do Tetragrammaton, o número que equivalia ao significado do Nome Inefável. Todos os demais nomes de Deus eram produtos de suas manifestações, mas o Shemhamphorach era derivado de sua própria substância, por isso podia ser considerado o primeiro.
Isso não impediu, todavia, que vários escritores, conside-rados apócrifos, tivessem se utilizado do Nome Sagrado em seus escritos. Um deles foi o autor do chamado Papiro Fouad, uma obra datada do século I a. C, encontrado no Egito em 1939, durante o reinado do rei Fouad I, que por isso recebeu esse nome. Esse documento continha transcrições de um trecho do Deuteronômio e no lugar onde se referia ao nome de Deus o autor usava o Tetragrama, o que mostra que nem todos os escritores antigos se curvavam a essa crença. Alguns estudiosos, como o Dr. P. Khale, dizem que a crença de que se devia substituir o nome YHWH por outros termos se acentou com a vitória do cristianismo e que foram os cristãos, que não tendo conhecimento da forma hebraica de escrever e pronunciar o nome divino, o substituiram pela forma grega Kýrios. Daí essa superstição ganhou corpo e se tornou um verdadeiro mito.[1]
Ao que parece, foi um escritor judeu, o fariseu Flávio Josefo, que deu o maior suporte a essa superstição ao corroborar a idéia de que o nome do deus hebreu era uma palavra impronunciável. Ao se referir á experiência de Moisés no Monte Horeb, quando ele se encontrou com Deus pela primeira vez, ele se refere, de forma místeriosa, ao "O Nome sobre o qual estou proibido de falar.[2] Isso reflete, sem dúvida, a formação rabínica desse polêmico escritor, e a sua condição de fariseu, por ele mesmo denunciada em seus escritos, pois essa preocupação aparece constantemente nos comentários rabínicos constantes do Talmude e especialmente nos textos cabalísticos, que nunca se referem ao Nome de Deus, mas sempre o substituem por metáforas e símbolos.
O significado do Nome Sagrado
Na segunda metade do primeiro século da era cristã, os cro-nistas judeus conhecidos como massoretas, deram contornos finais a essa tradição, introduzindo nos textos bíblicos o costume de substituir o nome YHWH por outros sinais vocálicos. Isso, ao invés de traduzir o nome correto de Deus, conduzia os leitores dos textos massoréticos a diversos significados para esse nome, contribuindo para aumentar a lenda e excitar ainda mais a imaginação das pessoas interessadas nesse tema. Ao já conhecido termo Adonai acrescentaram outros termos como Elhoin, Ha-Adón (o Verdadeiro Senhor), Elyón (Deus Altíssimo) e El-Shadai (Deus Todo-Poderoso), nomes que já eram utilizados pelos antigos hebreus.
Entretanto, foi só no século XI da era cristã, quando da edição do Códice de Leningrado, que o Tetragrama YHWH começou a ser estudado pelos eruditos com a finalidade encontrar a sua verdadeira pronúncia. Essa disposição veio da crença de que Deus não ouviria aqueles que não fossem capazes de pronunciar corretamente o seu nome. Assim, vários sinais vocálicos para orar a Yahvéh, Yehvíh, Yehváh, Yehováh, como então se pronunciava o Tetragrammaton, foram aparecendo, contribuindo ainda mais para aumentar a mística do Nome Sagrado. Formas abreviadas desse nome também foram publi-cadas, tais como Yah (ou Jah, na forma latinizada), e na conhecida expressão HaleluYah (Louvai a Jah!), que em português foi vertida para Aleluia. Outras formulações linguísticas como Yehóh, Yoh, Yah e Yahu, também são encontradas nos textos hebraicos denotando a grande discussão que se travou a respeito desse tema durante toda a Idade Média.Ainda hoje muito se discute sobre o exato significado do Tetragrama YHVH. A controvérsia, entre os especialistas, está longe de se dissipar. Tudo começa com a extranha expressão usada pelos cronistas bíblicos para descrever o encontro de Deus com Moisés no Monte Sinai, quando Ele diz: “Ehiéh ashér ehiéh.”
Essa expressão é usualmente traduzida como “Eu Sou o que Sou”, ou “Serei o que Serei.”, conforme a versão Almeida Revista e Atualizada. Ou na expressão usada pelos tradutores da Septuaginta (A Versão dos Setenta) que traduziram a locução divina como “ Eu Sou Aquele que É.(Ego eimi ho ôn).
Assim, em todas essas traduções, o Nome Sagrado é sempre traduzido por um verbo que denota o sentido de existência, de presença, de verdadeira vivência ontológica. Esse sentido deu origem ás mais diversas especulações filosóficas a respeito do nome de Deus, como função criadora de todos os fenômenos universais, tais como a que aparece na Cabala, que o define como a Existência Negativa que se torna Existência Positiva, ou seja, a Energia latente, desconhecida, que se manifesta em Poder e dá origem ao universo real.
Por isso, também, é que no memento que dá início ao seu evangelho, São João se refere a Deus como “O Verbo” e sugere que Jesus, como filho de Deus, também era um “Verbo” que estava com Deus no princípio e “se fazia carne para habitar entre nós”.[4]
Mas há outras traduções que vão mais longe ainda na interpretação do significado dessa estranha expressão. O Rabino Isaac Leeser, por exemplo, em sua tradução “Dos Vinte e Quatro Livros das Escrituras Sagradas” verte a locução divina como “Serei o que eu for”, denotando, segundo ele, a intenção de Deus em demonstrar a sua onipotência, e que Ele, como deidade, não tinha uma forma nem era um Ser com características e funções definidas, como os demais deuses da religiões antigas. [5]
Nessa visão, Ele (Deus), era o que era e seria o que quisesse ser. Por isso o estudioso Joseph Bryant Rotherham, em seu estudo (A Bíblia Enfatizada – Roterdã, 1897), verte essa expressão da seguinte forma: “E Deus disse a Moisés: Tornar-me-ei aquilo que me agradar. E ele disse: Assim dirás aos filhos de Israel: Tornar-me-ei enviou-me a vós.”
Segundo esse estudioso o verbo usado no original da Bíblia foi “Hayah”, que quer dizer “tornar-se” e não “serei” ou “sou”. Assim, Deus não afirma a sua auto-existência, mas sim que Ele é uma potência que se realiza na medida em que o mundo acontece, e conforme Ele mesmo se predica. Isso significa que YHWH podia adaptar-se às circunstâncias e modelar o universo segundo a sua vontade. E o que quer que ele precisasse Ser, Ele se tornaria.
Dessa forma, o verdadeiro significado da expressão seria “Vir a Ser”, o que estaria em perfeita consonância com a visão cabalística que fala de Deus como sendo a “Existência Nega-tiva”(Potência) que se torna “Existência Positiva” (Ato), no momento em que manifestou no mundo real. Essa interpretação também encontra eco na formidável visão hindú expressa na Baghavad Guita. [6]
Assim, o verdadeiro significado do Tetragrama YHWH se expressa por um verbo que revela o propósito de Deus de fazer o mundo em todas suas formas futuras, o que nos leva também a uma analogia com modernas descrições do universo, feitas por cientistas de renome, que o vêem como produto de uma “teia de relações”.[7]
Essa visão tambémtem correspondência na imagem bíblica que nos mostra um universo físico sendo construído a partir do surgimento da luz. “Exista a luz; e a luz existiu” diz o Criador no momento inicial da criação.[8]
Daí o significado da expressão “ Eu Sou”,“Serei”, ou “Vir a Ser”, atribuída ao Nome de Deus. Essa expressão indica que Deus, por ser pura potência, isto é, Luz, não tem um atributo material identificável a priori, o que não permite que Ele tenha um nome próprio que possa ser pronunciado, nem uma forma material que possa ser reverenciada como especifica. Assim, Ele é todos os predicados possíveis e tem todos os nomes, de plantas, de rochas, de animais e forças da natureza. A partir do seu atributo inicial que é Ser, Ele vai se “construindo” e se “mostrando” na multiplicidade de sua criação. Daí a definição, usada pelo evangelista João, de que Deus é um Verbo, porque, a partir das suas manifestações no mundo da realidade fenomênica, Ele gera todas as coisas e assume todas as formas, e num sentido lingüístico, todos os predicados.[9]
O universo material é a sua face externa, a sua “Existência Positiva”. Por isso é que os modernos gnósticos dizem que os cientistas só conseguem ver a realidade “pelo seu lado de fora”, pois esta é a natureza, a face externa de Deus, a sua visão aparente, enquanto a sua face interna, a sua “Existência Nega-tiva”(Deus enquanto potência), por ser pura energia, sua exis-tência só pode ser detectada pelo espírito, que também é subs-tância energética.
Essa idéia também sugere que Deus constrói o universo de combinação em combinação. Resulta daí que o predicado essencial da divindade é uma constante de integração, que vai sendo equacionada á medida que o próprio cosmo vai se formando, como resultado das combinações que se processam no seu interior. Destarte, o que a Baghavad Guita e a Bíblia estão a nos dizer é que o Poder, a Potência, o Verbo, a Palavra Perdida, o Nome Inefável de Deus, é essa energia dos princípios que se apresentou a Moisés como Eu Sou.
[1] Genizá do Cairo, Biblioteca Oxford, 1959, pág. 222 ss.
[2] Antiguidades Judaicas", Vol. II, pág. 276- Kleger Publications- NY, 1978.
[4] João 1: 1,2
[5] The Twenty-Four Books of the Holy Scriptures (1914).
[6] Bagahavad Guita, verso II- Ed. Pensamento, 1986. A noção de potência e ato é uma especulação que fazia parte da doutrina de Aristóteles. Para os pensadores dessa escola todas as coisas existem em potência e ato. Uma coisa em potência é uma coisa que pode se tornar outra coisa, tal como uma semente, que é uma árvore em potência, ou um pedaço de madeira, que pode se tornar um móvel. Nesse sentido todas as coisas, mesmo em estado de ato, também são em potência (pois uma árvore - uma semente em ato – também é todas as coisas nas quais ela pode se transformar). Segundo Aristóteles, a única coisa totalmente em ato é o Ato Puro, que ele identifica com o Bem. Esse Ato não é nada em potência (em sua forma positiva), nem é a realização de potência alguma (pois não existe enquanto realidade manifestada). Por ser sempre igual a si mesmo, ela não antecede coisa alguma. Foi a partir desse conceito que Tomás de Aquino desenvolveu sua noção de que Deus seria o único "ato puro" do universo.
[7] Veja-se, a esse respeito, os trabalhos de Fritjof Capra, “Pertencendo ao Universo. São Paulo, Cultrix, 1991” O Tao da Física,São Paulo, Cultrix, 1992 “Sabedoria Incomum, São Paulo, Cultrix, 1998,” O Ponto de Mutação, São Paulo, Cultrix, 1986”
[8]Gênesis, 1:3.
[9] Essa visão também é adotada pelos adeptos da filosofia panteísta, que identifica Deus como sendo a própria natureza em suas manifestações.