A Árvore  da Vida                                O Templo Maçônico
 
                       O UNIVERSO MAÇÔNICO
 
 
A visão mística dos cabalistas
 
      A figura patriarcal de Deus era uma visão exterior que os sábios de Israel comunicavam ao povo. Internamente, porém, para aqueles que se especializavam na teologia da sua religião, outros conceitos, de extrema sutileza espiritual, foram desenvolvidos. Esses conceitos, que são aqueles expressos nos chamados comentários rabínicos, mostram uma visão completamente diferente da Divindade, que neles aparece na sua forma mais abstrata. Essa visão está presente, fundamentalmente, na doutrina desenvolvida pela tradição da Cabala.[1]
       Para a Cabala, Deus é uma idéia arquetípica, comum a todos os povos e pessoas. Ele existe independente do fato de acreditarmos nele ou não. Aliás, não existe crença na não existência de Deus, mas sim, ausência de conceito sobre o que, ou quem Ele é. Isso quer dizer que o ateísmo, assim chamada a proposta filosófica que nega a existência de Deus, não significa que seus cultores acreditem que Deus não existe, mas sim que eles não têm nenhuma idéia a respeito dele. Justifica-se essa assertiva pelo fato de que a nossa mente, que trabalha com comando binário, não pode negar nada a priori, sem antes admitir a possibilidade da existência do objeto negado. Assim, para dizer que Deus não existe, a nossa mente precisa primeiro admitir a possibilidade da sua existência.[2]
      O mundo é uma realidade sensível, observável e detectável por todos os nossos sentidos. Se ele está aqui é porque alguém o iniciou. Não existe consequência sem causa, o que quer dizer que tudo que existe tem uma causa de existir. Foi para superar a dificuldade que a mente humana sempre teve para pensar o começo do universo e a pré-existência da força que o criou, que os cabalistas desenvolveram o conceito da Existência Negativa e Existência Positiva.

 Existência Positiva e Existência Negativa

      Existência Negativa” e “Existência Positiva” são termos utilizados pelos cultores da Cabala mística para designar Deus “antes” e “depois” de fazer o mundo. Nesse sistema, Deus (Ein Sof, ou Ayn Sof, (אין סוף em hebraico), é visto como uma forma de "energia" que em dado momento expandiu-se para fora de si mesmo, tornando-se o universo material (Ain Sof Aur), que na Cabala significa Luz Ilimitada, ou seja o universo que saiu da primeira manifestação positiva de Deus no mundo da matéria.[3]    
      Essa visão mística do nascimento do universo, definida no Livro do Mistério Oculto (SeferHaDziniuta), diz que “antes que o equilíbrio de consolidasse, o semblante não tinha semblante”, o que significa dizer que o universo que saiu da primeira manifestação de Deus no campo das realidades positivas, era um caos total, (um semblante que embora já existisse, não tinha formato).[4]
      Aqui está inserta a estranha idéia de que antes de fazer o mundo, ou seja, antes de Deus manifestar-se como existência no mundo das realidades sensíveis, Ele já existia como uma potência, que embora não manifesta, já continha todos os atributos do universo manifestado. Ele era uma “existência negativa”, na qual a mente humana não pode penetrar justamente porque ela só pode conceber um plano de existência positiva, onde as ações podem ser identificadas e suas causas recenseadas.
      Isso se explica pelo fato de não termos um aparelho mental apto para capturar uma realidade que está além da nossa capacidade de mentalização. Sabemos que essa realidade existe porque suas manifestações emanam de um plano invisível para o plano da realidade sensível e é causa de fenômenos observáveis e mensuráveis. Quem sabe o que é a eletricidade, por exemplo? Sabemos como ela se manifesta, como atua e até já aprendemos a usá-la para as nossas finalidades, mas o que ela é, e no que consiste, nenhum cientista, ou filósofo, até agora, ousou definir.[5]
      “Antes que o equilíbrio se manifestasse, o semblante não tinha semblante” é uma forma metafórica de explicar aquilo que a nossa linguagem não consegue articular num discurso lógico. Então a nossa mente recorre á metáfora, ou ao símbolo, para dizer que Deus já existia antes de existir. Ou seja, antes que o universo adquirisse uma forma, Ele era uma presença informe, sem nome, impossível de ser pensado pela mente humana. Ou como diz Rosenroth “ o universo inteiro é a vestimenta da Divindade: Ele não apenas contém tudo, mas também Ele mesmo é tudo e existe em tudo.”[6]
                                                    
O universo cabalístico e o templo maçônico
                                                                                                                                             
      Outra visão dessa realidade pode ser posta em forma de símbolo. Os cultores da Cabala mística dizem que “Deus é pressão”, e que sua manifestação no mundo das realidades fenomênicas tem a forma de um círculo cujo centro está em toda parte e cuja circunferência está em parte alguma. Sabemos que todo círculo tem um centro e uma circunferência. O centro é o ponto de onde ele emana e a circunferência uma corda que o limita. Dizer que o centro do círculo está em toda parte e que sua circunferência está em parte alguma é falar de um espaço que não começa em ponto algum e não acaba em lugar nenhum, uma dimensão sem início nem fim. Ou como diz MacGregor Mathers, “ O oceano sem limites da luz negativa não procede de um centro, pois não o possui. Ao contrário, é essa luz negativa que concentra um centro, a qual é a primeira das sefiroths manifestas, Kether, a Coroa, Suprema Inteligência, ”[7]     
 
Assim, essa idéia da divindade supre a necessidade que a mente humana tem de situar um início para o universo e imaginar, não um fim para ele, mas uma finalidade. Destarte, a dimensão da Existência Negativa é um momento anterior á qualquer manifestação da Divindade no terreno das realidades positivas, ou seja, um estado latente de potência concentrada em si mesma, que em dado momento cedeu á “pressão” interna da sua própria potencialidade e “gerou a si mesmo”.    

    Figurativamente, o Big Bang seria o “parto de Deus”, o qual, simbolicamente poderia ser representado por um ponto dentro do círculo, como o faz Madame Blavatsky em sua cosmogonia da criação. [8]


   O universo, em sua composição, é uma concentração dessa energia dos princípios, que se distribui de uma forma perfeitamente organizada, matemática e geometricamente planejada pelo Grande Arquiteto do Universo, como é representado na planta do templo maçônico, que na sua concepção esotérica, é inspirado na Árvore da Vida da Cabala.
 
[1] Diz-se que a Torah, ou seja, os livros que compõem o chamado Pentateuco, foram transmitidos á Moises de duas formas: uma forma oral e outra escrita. A escrita é a consta da Bíblia; a oral é a que foi desenvolvida pelos comentários rabínicos (as mishnás) constante dos Talmudes. A Cabala é uma parte desses comentários, que desenvolve um sistema moral e cosmogônico para explicar a realidade universal e a presença e a ação de Deus nesse processo.
[2] Em psicologia essa característica da nossa mente se chama assertividade. Significa que eu “não posso não fazer uma coisa”, sem antes saber como é fazê-la. Exemplo. Para eu saber o que é ruim, preciso ter uma idéia do que é bom. Para eu dizer que algo é escuro, tenho que saber o que é claro. Para eu “não comer” doce, preciso primeiro pensar em comer.
[3] Os cabalistas cristãos identificavam três substratos no universo, a partir das manifestações da divindade no mundo das realidades atingíveis pela mente humana. Eram o mundo elementar inferior, onde se situava a tecnologia e a ciência aplicada; o mundo celestial, atingível pelo estudo da astrologia e da alquimia e o mundo supra celestial, atingível pela evocação dos anjos(desde que se conhecesse seus nomes e esferas de atuação) e pelas computações numéricas, o que implicava num perfeito conhecimento de .matemática e geometria. Um físico moderno reconheceria todas essas metáforas como perfeitamente aplicáveis ao seu trabalho.
[4] Knorr Von Rosenroth-Kabballá Revelada-Madras, 2004. É nesse sentido que se diz que Deus criou as leis naturais para dar ao universo uma forma, um conteúdo e uma finalidade. As leis da geometria para que ele adquirisse um formato, as leis da física e da química para que ele tivesse um conteúdo e as leis morais para que ele pudesse ter uma finalidade.
[5] Uma das mais bizarras definições da energia contida no núcleo do átomo é aquela que diz que o elétron é ” uma torção do nada negativamente carregado.” Afirmação paradoxal, mas perfeitamente possível no mundo da física atômica. Essa definição, citada por Pawels e Bergier (O Despertar dos Mágicos, pg. 204) foi proposta pelo físico León Brillouin e utilizada por Robert Andrew Mullikan, que ganhou o Prêmio Nobel por suas descobertas na área da física nuclear.
[6] A Kabballá Revelada, op. Citado, pg. 66. Esse conceito da Divindade também é agasalhado na Baghavad Guita, que define Brhaman como “o tudo que no nada está contido”.
[7] Citado por Dion Fortune- Cabala Mística, pg 36    
[8] Helena F. Blavatsky- Síntese da Doutrina Secreta- Ed. Pensamento, SP, sd. Note-se a semelhança que o desenho da Árvore da Vida, representação do universo através das manifestações da divindade no mundo das realidades manifestas, tem com o desenho da planta de um templo maçônico. Não é sem razão que se diz que o templo maçônico é uma representação do cosmo, na forma como ele foi desenhado pelo Grande Arquiteto do Universo. É que de fato, os dois símbolos representam a mesma ideia: a de que o universo se constrói pela distribuição da energia gerada pela manifestação divina no terreno da existência positiva e se organiza segundo um plano geométrico desenhado pelo Grande Arquiteto do Universo. Daí a importância que os maçons atribuem á geometria.