Breves considerações sobre o racismo à brasileira
Creio que nenhum lugar do mundo esteja livre do racismo; em alguns lugares, no entanto, esse flagelo permanece fortíssimo, cruel. Embora sejamos um povo extremamente ignorante, muito mais ignorante que os povos mais cultos, mais ignorante que todos os nossos vizinhos, nesse único quesito, creio, avançamos além dos demais, estamos um passo à frente, talvez, de todos eles, ao menos sob certos aspectos desse problema.
Somos um povo mestiço (negro, diriam quase todos os povos racistas, já que a maioria de nós tem ascendente negro) devido, em parte, a certa contingência histórica: a invasão dos portugueses ao Brasil foi feita apenas por homens, as portuguesas não vinham, só eles. Por essa razão, tinham que usar as mulheres locais, assim como as escravas negras que traziam de África. O resultado natural disso foi um povo mestiço.
Os que podemos negar nossa origem negra tendemos a fazer isso. Se quiser conferir a presença de sangue negro em sua própria família (a maioria não quer ver isso) procurem o jenipapo, uma mancha escura, arroxeada, na bunda dos bebês. Essa mancha desaparece com a idade.
Apesar do racismo, efetivamente, permitimos a união interracial, aqui ela existe, é bem comum, talvez seja esse o nosso trunfo. Talvez isso seja possível aqui devido à possibilidade de embranquecimento entre nós. Nossos descendentes serão mestiços, os de todos os brasileiros que os venham ter. Talvez seja a mestiçagem a principal responsáveis por estarmos um passo à frente dos outros na questão do racismo, ou melhor, da tolerância racial. Sobre essa questão, exclusivamente, temos mais a ensinar ao mundo que a aprender. Por estar à frente da maioria nesse único quesito cultural, não deveríamos importar soluções estrangeiras, especialmente dos racistas.
Os norte-americanos são racistas, acreditam na inferioridade dos negros, razão pela qual criaram o sistema de cotas para o ingresso em universidades; a ideia é exigir menos dos burros. Não deveríamos importar essa ideia, creio. Tenho proposto, no entanto, o sistema de cotas para ingresso de negros no serviço público, e, mais especialmente, nos cargos comissionados. É nesses casos, de escolha arbitrária, que os negros são mais insistentemente relegados. A atribuição de poder e remuneração ao negro, de fato, o igualaria aos outros.
Há, no entanto, um ponto mais cruel, simples e premente, penso: o racismo na televisão brasileira. Aqui fazemos música popular brasileira, uma salada musical. Aos ouvidos dos americanos, racistas, que classificam o mundo sob pontos de vista raciais, trata-se de música negra. A batida africana é sempre marcante em toda a música brasileira. Na era do rádio, uma boa parte de nossos cantores era negra. Isso se deu até os anos 60s. Nos anos 70s, os cantores negros passaram a ser substituídos, não aparecem mais na televisão. Nossos ídolos negros estão, quase todos, velhos. Creio ser esse um gravíssimo problema: a inexistência de cantores negros poderia sugerir, no futuro, a incapacidade de negros para o canto, ou para a música.
Quase todas as bailarinas são brancas. Ouvi certa vez relato de uma negra se referindo a isso: quando criança ela dançava bem, queria ser bailarina: já viu bailarina negra? Mataram-lhe o sonho; dá a impressão de que negras não sabem dançar.
A televisão brasileira é racista em mais alto grau que a população. Nas novelas, os negros eventuais são inferiores, quase todos empregados domésticos. Os responsáveis por isso alegam ser esta a realidade brasileira, não é. É assim na elite carioca, onde eles vivem; uma elite branca e segregacionista. Ali os negros são empregados domésticos; não é assim no Brasil, em especial na Bahia, nas raízes da colonização; lá são quase todos mestiços.
A música baiana é, evidentemente, música negra, salta aos olhos até dos brasileiros. Surpreendentemente, no entanto, as televisões dão destaque apenas às cantoras brancas de música baiana. Tentam fazer o mesmo com o samba, música mais ligada ao segregacionismo ainda existente, conseguindo menos sucesso na empreitada. (Não gosto da segregação, mas, nesse caso funciona como resistência, é defesa).
As televisões brasileiras têm destruído os ídolos negros na única atividade de sucesso onde eram aceitos. Poderiam ter um papel significativo na superação do racismo no Brasil, têm, no entanto, lutado pelo retrocesso, uma lástima.