POESIA NO VENTRE DO POEMA

“SEMPRE BREVE

Maricler Ruwer

Não importa com qual brevidade,

As palavras falaram de amor.

A saudade se fez partitura...

Que inevitavelmente ecoa,

Em notas de pensamento.

Um sentimento sem preceitos,

Nas madrugadas, velejando...

Ondas confusas de querer.

Para que não fosse possível,

Sentimento indescritível...

Poder passar e esquecer.

Força do olhar, em meio à espera -

Pequeno vaga-lume, no escuro.

Focando em ângulo obtuso...

Para brindar em cada sonho,

Desejo e espera, de prazer.

– remetido pela autora, via Facebook, em 21/03/2014.

Amada Maricler Ruwer! Atendendo com a sinceridade e a franqueza de sempre ao teu pedido de exame, vai o meu sentir agradecido, honrado, com humildade e muito apreço. Aplico à tua proposta, os elementos caracterizadores da Poesia – no sintético conceito de “a lucidez enternecida” – aquela que cria, percebe e/ou recepciona a palavra em traje de gala, acatando o conceitual preceituado pelo sábio e venerando poeta gaúcho Armindo Trevisan. Neste rumo, a intelecção verte com alguma rapidez, seguindo o rastro de teu conjunto verbal de poucos versos. O título "Sempre Breve" deixa a desejar como proposta poética, por ser árido e declaradamente prosaico. É o que se pode sentir quando da leitura da peça, em que se percebe um andamento pouco definido para um texto em que se deseje dominante a Poesia como gênero, já que apresentado em versos. Sugiro leias o poema em voz alta umas dez (10) vezes, no mínimo, e perceberás o ritmo desconexo. Sinto que uma das causas é a utilização de vários vocábulos polissilábicos em poucos versos; o tetra e o pentassílabo sempre arrastam o verso: são como as tartarugas gigantes, lerdas e pesadas. Em regra, os vocábulos polissilábicos devem ficar no final do verso, por exigência da cadência rítmica. Por esta razão, peço consideres a sugestão: em vez de “Que inevitavelmente ecoa” (no quarto verso), que tal colocar “que ecoa inevitavelmente”? Há que se ter cuidado especial com essas palavras de andamento rítmico lento, logicamente devido à longa silabação fônica, mesmo que colocadas em poemas de longa extensão, que não é o caso presente. Os versos iniciais da peça em voga estão rarefeitos de figuras de estilo. Há excessivo uso de preposições, conjunções, artigos no plural (que enfeiam o ritmo) e possivelmente desnecessários. Na construção autoral em voga, os qualificativos estão pospostos ao substantivo: palavra esta que "por si só designa a substância, ou seja, um ser real ou metafísico, vocábulo com que se nomeiam os seres, atos ou conceitos". E em Poesia, preferencialmente, os qualificativos devem ser antepostos para que o adjetivo não assome, por sugestão e metáfora sobre o substantivo, minimizando a função deste último, no verso. Vale dizer: para que o acessório não tome o lugar do principal, tomando conta do imaginário do poeta-leitor por força da imagem – o poder ímpar do imagético. Na poética da contemporaneidade e sua costumeira síntese verbal, há que se ter muito cuidado com a utilização do qualificativo. Percebe-se, de imediato, que o exemplar em tela é o espontâneo fruto da intuição, sendo ainda matéria ardente no cadinho da criação. Por esta razão, avancei nos detalhes teórico-práticos, visando ajudar no segundo momento de criação do poema: o da ‘transpiração’, fase em que se vai fixar definitivamente o formato (ou forma) dos versos. Aqui está, no conjunto do texto, o que há de poesia (linguagem figurada, forte no sentido conotativo) e haurida de vocábulos mais curtos, dando brevidade rítmica cursiva://"Força do olhar / em meio à espera / pequeno vaga-lume, no escuro. / Focando em ângulo obtuso / Para brindar cada sonho: / desejo, espera, prazer. // Talvez o poemeto pudesse ser nominado como "Saudade". Fico agradado ao constatar tua segurança psicológica e confiança, por me instigares ao aporte crítico em aberto, na rede social. No entanto, para que se formate e se cumpra – provavelmente – um melhor aprimoramento estético, é urgente que o poeta saiba e tenha à frente dos olhos e em sua cabeça, que mesmo sendo ele o autor da proposta poética, o seu poema é matéria inanimada antes de receber o ato de leitura do receptor da peça poética. O olhar do Outro é que inaugurará a vida, vale dizer, só a partir deste ato é que peça passará a existir no mundo literário. Por certo que é bem assim que se realiza o desafio da oficinação e se constrói o poema com Poesia: em Confraternidade, miscigenando espiritualidades, formas e fórmulas, integrando o poeta-autor e o poeta-leitor.

– Do livro inédito OFICINA DO VERSO: O Exercício do Sentir Poético, vol. 02; 2015/18. Revisado.

http://www.recantodasletras.com.br/ensaios/4740002