Sobre a ideia comum e ingênua de ciência
A ideia usual e ingênua de ciência pressupõe, em linhas gerais o seguinte:
Existia, originalmente, um conjunto de conhecimentos a ser descoberto. Descobriu-se, por exemplo, os pricípios do movimento e, com eles, as relações tradicionais entre força, massa e aceleração, e outras análogas. Constituiu-se assim a mecânica newtoniana e em seguida toda a física clássica, toda a física básica. Posteriormente, foram feitos certos ajustes necessários nesses conhecimentos, gerando assim a relatividade e a mecânica quântica.
Essa visão conservadora sugere que o grosso da física já foi feito, restando para os cientistas futuros certos ajustes ainda menores, e complementos acessórios, como a descoberta de novos efeitos. Também se supõe a criação de novas áreas, como a computação, (que considero tecnológica e não científica) abrindo novos campos para pesquisas. De maneira geral, no entanto, insistem os conservadores, a Ciência já está quase toda pronta, já foi feita, quase tudo o que era fundamental já foi feito, restam agora apenas os últimos detalhes para sua complementação. Considero essa visão completamente absurda!
O erro decorre de se pressupor que as variáveis científicas tenham que ser as atuais, que tenhamos que ver o mundo, sempre sob o mesmo ângulo. Sob esse ângulo atual, o conhecimento já está, de fato, quase esgotado. Surgirão, no entanto, no futuro, novos e estranhos conceitos que permitirão uma visão de mundo radicalmente diferente. A profecia é simples e óbvia.
O paradoxo que ela expõe, no entanto, é preocupante, consiste no seguinte. A ciência vinha tendo um desenvolvimento extraordinário, durante os séculos XVIII e XIX, sofrendo uma surpreendente estagnação em meados do século XX, exatamente quando uma enorme quantidade de recursos financeiros foi canalizada para esse empreendimento. Minha constatação parece surpreendente devido à confusão existente entre tecnologia e ciência, a primeira tendo adquirindo grande destaque e desenvolvimento nessa mesma época, a segunda permanecendo quase estagnada. Mas a revolução relativística, de 1905, foi seguida pela consolidação da mecânica quântica, pela década de 20, e pela paradoxal estagnação subsequente apesar do contingente crescente de cientistas.
A estagnação abrangeu não só a física, mas também a biologia, baseada ainda hoje na fusão ocorrida no início do séc. XX entre as ideias de Darwin e as de Mendell, redescobertas na época. Desde então, apenas ajustes menores sucederam na compreensão do mundo biológico. (Minha afirmação contrasta fortemente com o estardalhaço dos meios de comunicação com, por exemplo, o progeto genoma, um empreendimento, a meu ver, com finalidades lucrativas escusas [a pretensão era patentear genes humanos] e quase sem relevância científica).
Também englobou a química, cujos fundamentos ao menos ganharam uma nova fundamentação quântica. A geologia ainda se permitiu alterações mais recentes, provavelmente devido ao imenso atraso na aceitação da tectônica de placas.
Devo ressaltar a recente ebulição na astronomia, decorrente de situação análoga na cosmologia. Do meu ponto de vista, no entanto, esse campo padece do problema oposto: o excesso de arrojo. De
fato, eu gostaria de louvar o arrojo, e o faço; o problema se manifesta, a meu ver, na incapacidadde atual de se lidar com a multiplicidade de ideias. A comodidade imensa decorrente na crença de verdades científicas empíricas demonstrada será dificilmente desalojada. A multiplicidade de ideias a mim parece ser o estado natural das coisas, sendo o esperado, quase sempre. Tal situação, no entanto, constituiria um enorme incômodo às multidões formadas sob o mito da verdade demonstrada. A mim incomoda o arrojo que tenta impor conclusões unívocas francamente inseguras. A manutenção de um conjunto antagônico, alternativo, de ideias em dado campo, enriqueceria, a meu ver, o conhecimento da área. Sob um cenário de farsa, no entanto, no qual todos os campos se travestem de consensos, onde todas as áreas são defendidas em uníssono pelos seus participantes, pareceria frágil revelar as próprias inseguranças. A persistente farsa do mito da verdade científica tem nos imposto uma falsa sensação de segurança baseada na unicidade.
Estou afirmando que a racionalidade não endossaria a unicidade, não daria aval a uma única ideia, mas repartiria esperanças e dúvidas sobre múltiplas propostas. Penso que tal estado deveria imperar sobre todos os campos científicos, situação sistematicamente abafada em quase todos as áreas, em nome de uma segurança conveniente a quase todos. Afirmo ser a conveniência, e não a razão, a justificativa dos consensos vigentes entre os cientistas. Também denuncio ser este consenso o responsável pela estagnação científica de nosso tempo. (Atente para o contraste gritante, mas também escamoteado, entre o desenvolvimento científico e o tecnológico).
Também acredito que a força mais conservadora, a que mais emperra o desenvolvimento científico decorra do seguinte: a multiplicidade de ideias que fermentaria o conhecimento em dado campo, propiciando o surgimento de ideias revolucionárias é fortemente desencorajada, calada, em defesa de uma unicidade forçada que parece fortalecer artificialmente um dado conhecimento, apresentando-o como consensual, indubitável. Em uma era regida pelo dinheiro, pela gula desenfreada por mais verbas, torna-se imperioso calar as dissidências. Proclamar em uníssono as mesmas verdades faz-se muito mais lucrativo.
Desde crianças os cientistas foram induzidos a crer em dogmas supostamente provados, em verdades indubitáveis que continuam propagando a seus discípulos; as ações nesse sentido são profiláticas: acordem senhores! O consenso não é fruto da razão, mas do expurgo dos dissidentes.