Sobre a ignorância ativa

A ignorância exerce um estranho e poderoso fascínio sobre certos ignorantes, capaz de os manter cativos. Encantados por essa estranha força, afastam-se sistematicamente da razão, buscando ativamente qualquer ideia sugestiva de irracionalidades. Não espanta, por isso, o fato de permanecerem imersos em trevas profundas, cada vez mais distantes da luz da razão. É a fascinação pelas trevas, e não pela luz que os guia, deixando-os assim perambular como cegos pelo mundo.

Se uma boa teoria, como a mecânica newtoniana, ou a relatividade, explica racionalmente uma infinidade de coisas, isso a torna pouquíssimo atraente para os ignorantes. Mas acrescente a ela uns fortes temperos de irracionalidade, umas considerações abstrusas, contraditórias e incompreensíveis, como ocorreu com a teoria quântica, e ela adquirirá de imediato um forte interesse para os ignorantes, atraídos, de fato, pela nebulosidade ali presente, e exatamente pelas facetas mais incompreendidas, ou despropositadas. (Os físicos aceitam de bom grado o atributo “abstruso” aplicado à teoria quântica. Surpreendemente, rejeitam e protestam contra “disparatado”, “contraditório”, “ilógico”, ou qualquer outro sinônimo dessa palavra).

Também demonstram profundo interesse pelas mais variadas sandices místicas, recebidas como sabedorias fulcrais, e, via de regra, por qualquer tolice explicativa “sustentada” por uma “lógica” oblíqua, por argumentação capenga, mas, frequentemente embaraçosa e pegajosa, como se francamente emaranhada, estorvando as tentativas de simplificação das ideias e argumentos que possibilitariam o esclarecimento das questões debatidas. Uma das arapucas tradicionalmente propostas pelos ignorantes ativos, armadas por eles, mas, das quais são as verdadeiras vítimas, consiste em enredar as ideias de uma maneira amarfanhada, de emaranhar os raciocínios embaraçá-los absurdamente na tentativa de laçar ou embolar seus antagonistas, deixando-os no mesmo estado de confusão em que eles próprios se encontram. Fascinados pela ignorância, e pelos métodos impostos por ela, sistematicamente evitam a simplificação dos raciocínios, o isolamento das partes que os compõem, a definição dos conceitos utilizados; sistematicamente tentam impedir qualquer tentativa de esclarecimento, lutando ativamente para jogar o antagonista no mesmo estado de confusão em que o ignorante ativo se encontra, incapacitado de libertar-se da barafunda, ele mesmo.

Essa classe de ignorantes, sistemáticos, cuja ignorância não decorre simplesmente da inacessibilidade ao conhecimento, mas de sua recusa, via de regra rejeita a lógica, a renega; também detesta a matemática, disciplina abominável; a tais “banalidades”, “trivialidades reacionárias”, privilegia conhecimentos muito mais profundos, como os advindos de forças ocultas, místicas e inexplicáveis.

A ignorância é ladina e muito frequentemente se alimenta a si mesma, trata-se de criatura ativa e operante, estando sempre do lado do poder, que também a alimenta. A ignorância é reacionária, mas frequentemente distorce esse fato, disfarçando-se no exato contrário, a ignorância também é vil.

O poder e seus asseclas mais obstinados, os fascistas, divulgam amplamente um suposto conservadorismo da lógica, um propalado reacionarismo das luzes da razão. Fazem-no porque a razão é a única força efetiva contra o poder, seu único freio. Qualquer outra tentativa de antagonizar o poder, que não através da razão, resulta, contrariamente, em seu fortalecimento. Embora de aparência rebelde, a ignorância ativa é a filha dileta do poder.