VELHO ADÃO.

Ao receber o telefonema do velho Adão dizendo que havia descoberto uma doença em estado avançado, chorei. Não pelo velho Adão que tinha a tranquilidade de um viajante findando sua longa jornada, chorei por mim... Pelos momentos sagrados que tenho perdido na luta diária pela sobrevivência. Há décadas trabalhando oito, dez horas por dia, há anos a fio sem férias. Sacrifícios pelo diploma da faculdade, pela acensão profissional, pela casa própria, pela família, pelo carro novo, pela casa de veraneio, pela prisão à teia das conquistas insanas e infinitas... Na voz do velho Adão pude ouvir o canto dos pássaros (as risíveis zoeiras matinais dos bem-te-vis), me entreter com o som das ondas, tocar violão, deitar na rede, chupar fruta, fazer cócegas na minha filha, despertar-me de um coma profundo, curar-me de uma doença crônica que eu sequer sabia sofrer: ausência das pequenas coisas que realmente trazem a felicidade. (Dudu Fagundes, O Maestro Das Ruas)