O OCULTO INESPERADO

O oculto inesperado. Mera possibilidade do acontecimento não programado, o acaso que se mostra douta e garbosamente; instante mágico como chuva repentina.

É a apresentação daquilo que se supunha escondido, porém, não tão escondido, pois, ocultado traz em si o desejo não revelado de revelar-se. Assim, sempre ali, fora da vista, do alcance curioso dos curiosos, da forte ânsia de se mostrar em toda plenitude. Como criança em loja de brinquedo, abandonada, despojada, por isso, livre, dona de si, como água ladeira abaixo.

O culto inesperado, possibilidades abertas para a criação, para o desbunde de toda casca torpe das boas maneiras. O desnivelamento do enquadrado nas regras e normas prescritas, ancestralmente, por devaneios de doutas e abjetas cabeças. Regras essas corruptoras da criação livre e solta dos artistas, dos poetas e palhaços nesse picadeiro da existência. Existência inexistente de desejos e impossibilitada de esperar o futuro.

Amarras invisíveis, porém, eficazes fezes distribuídas por sistemas de ensino que ensinam a mediocridade. A mediocridade como meta absoluta ao alcance de status igualmente medíocre dos escolhidos. A religião sem deus num mundo de ateus ridicularizados por serem o que são, posto que, a descrença em seres perfeitos e, por isso, reverenciados, livres de indesejáveis questionamentos, não os faz merecedores de atenção. Lapsos, lapsos reproduzidos nesse mundo técnica, nesse mundo movido à óleo deesel que polui e tampa as narinas para o cheiro indesejável dos “fora de esquadro”. Uma espécie de “bio-religares-arquitetis”. Nova ideologia de vida religião arquitetura, edifício plasmado sem nenhuma mínima, efêmera possibilidade de enfrentamento.

O culto inesperado, um basta em toda desnecessária opinião em busca de plateia obediente e adestrada apenas, e tão somente, para vibrar com qualquer frase de efeito. Espetáculo triste.

O oculto inesperado, a tristeza confrontada com a mais ingênua alegria, desinteressada, livre e sem tempo de terminar. O tempo indeterminado. A cortina que não desce, o espetáculo que não termina. Nada mais. Tudo mais. Sempre mais. Eis! Eis o grito da revolta, o grito rebelde dos insatisfeitos, dos bravos sem armas contra os bravos soldados que marcham cegos e obedientes, sem pensamento, apenas treinados para serem sérios e frios; sérios e frios. Sérios como homens de negócio e frios como homens frizeres. Antárticos homens sem mínimos sinais de algo humano. Meros cumpridores de normas e regras. Eis! Eis o abismo, o infinito jogar-se para o nada; o nada despossuído de síntese, sem essência. O nada, não como oposto ao tudo. O nada inclassificável; morto.

O oculto inesperado, flor no asfalto. Pássaro azul do poeta que rasga a folha de papel com poemas bomba. Bomba de sentimento que denuncia a rigidez dos novos e já velhos tempos. Tempos de cadáveres mostrados exaustivamente em horário nobre. Cadáveres sem sepultura, mães sem filhos, pais desesperados pelo que filho que não chega. O medo que ronda os periféricos num mundo centro, branco e pele aveludada. Eis! Eis o quadro. O aberrante quadro dessa civilização animalesca. Civilização copa, copo, corpos transportados sob gritos e ordens polifônicas. Gritaria difusora da raiva. Gritaria carregada de ódio por quem nem sabe que aquele para quem grita e bate, nada mais é que o desejo universal da igualdade humana. Da igualdade sem cor, sem dor, sem ódio. Da igualdade sem senhores e servos; todos sem disputa. Um sonho. Um lindo sonho.

O oculto inesperado, infância esquecida no armário da responsabilidade. Da infância negada e debelada para que se tornem homens/mulheres sem sonhos. Tristes seres walking dead dos seriados rotineiramente exibidos. Vampiros extasiados de sangue. Eis o quadro. A tela manchada de sangue e bolor; num tempo de bolorentos seres no ápice da carreira. A escada social construída e alimentada desde tempos infantis. Infâncias roubadas. Infâncias assassinadas para o elevado progresso social. Apartheides invisíveis, porém, igualmente eficazes na roda gigante do darwinismo social. Tristeza absoluta. Robôs! Eternos candidatos à reprodução de algo que apagou o que um dia teve leves lampejos de sonhos possíveis.

O oculto inesperado, a busca incessante do sonho. Do sonho tão impossível quanto esfriar o sol. A morte abrupta do sonho, assim como, a dor causada pela morte abrupta da poesia, não repõe, em igual medida, o que um dia teve. Por isso, não desistir, não silenciar, não esmorecer; jamais sentar-se ao sofá, jamais ligar a tv e ver o que querem e como você deverá pensar. Rédeas colocadas ainda no ventre; rédeas dos mais variados tipos. Sutis rédeas travestidas de boas maneiras, de boa educação, de “essa tem futuro”.

O oculto inesperado, o deleite dos loucos. Os loucos em oposição ao que é. Um descompasso entre a razão instituída e aceita e reproduzida. Uma razão disposta ao vil metal do mercado na lógica monetaris. Uma razão-preço e padronizada que não rompe o ideal de harmonia incentivado e premiado nos mais diversos meios. Meios abarrotados de “sábias” cabeças que não pensam o próximo minuto como possibilidade de rompimento. Eis! Eis o louco, o que não se enquadra. Eis o louco, dirão doutos psiquiatras preocupados com o efeito colateral que os loucos possam causar. A louca loucura do avental branco; o categórico laudo em cima da mesa. A sentença dada sem possibilidade de recurso, o cárcere à disposição e à espera de novo hóspede no sistema panoptizado. A porta se abre; o louco adentra. Silêncio.

O oculto inesperado, clarão que surpreende e assusta. Recusa categórica da venal visão de que tudo é porque é; nada se altera quando, sob preceitos abstratos, tudo se explica e se conforma seguindo diretrizes externas e verticais; a ruptura, a necessária e fundamental ruptura para derrubar esse lindo castelo de cartas, onde ao coringa se destina calabouços, masmorras e mesmo a bala.

O oculto inesperado, o grito sufocado dos que pensam e nadam contra a maré. O barco flutuante nesse oceano de paquidérmicas cabeças a ditarem normas e regras. Normas e regras que aviltam e matam promissoras tentativas de se dar um basta.

O oculto inesperado, a marcha juvenil de cidadãos em busca por um país, uma nação que não lhe vire as costas, mas, que deposite nesses cidadãos todas as possíveis fichas por um mundo de bem querer e alegria.

O oculto inesperado, a poesia, a música, a dança e o sonho como caminhos a serem insistentemente perseguidos e compartilhados.

O oculto inesperado, o eterno desejo, nesse etéreo morbífico miasma mundo.