A LINGUAGEM DERRAMADA

O derramamento verbal, nos versos, prejudica a valoração da peça poética, quanto à estética e apresentação do Belo que a poesia representa aos olhos do leitor e à sua imaginação. O verso ornado com Poesia (com P maiúsculo) é necessariamente codificado quanto à linguagem. Sem metáforas profundas, não há como identificar a Poesia como gênero literário, porque – sem figuras de linguagem – não se perfaz o sentido conotativo das palavras... Com este derramar-se, só se consegue a linguagem doce do cochicho amoroso (que nos é comumente apresentado), que não chega a se constituir em espécime de Poética, a ponto de atrair o gosto e possível louvação de parte do leitor preparado, por estar este acostumado à linguagem dos poetas consagrados, no idioma em que estão lavrados ou em traduções bem feitas. No entanto, há receptores para este confessionalismo típico da expressão lírico-amorosa: é o leitor enamorado, apaixonado – e avesso à leitura culta – para quem tudo o que se assemelha à doçura traduzida em linguagem é tido como se fora Poesia... Portanto, para o analista literário – mais centrado – nos poemas ocorrem versos que contém Poesia, e outros que são versos em que não comparece a nossa Dama... Costumeiramente, destes últimos temos os tradicionais versos "melosos" que nos acostumamos a ouvir em programas radiofônicos que nos embalam durante a madrugada em direção ao provável sono reparador. Há ouvintes e leitores pra tudo que for apresentado, porque o gosto das pessoas é diferenciado... Especialmente aqueles leitores especialíssimos – que também são escritores – e que não atentam para a técnica poética na construção do POEMA – que é a materialidade, a concretude da Poesia contemporânea quanto ao tema, forma, formato e ritmicidade... E a consequente proposta de reflexão para a possível (ou não) transfiguração da matéria da vida...

– Do livro O CAPITAL DAS HORAS, 2014.

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