Vai uma malga de sopa quente?
Para os dos tempos de agora, longe vão felizmente os tempos em que Leite de Ataíde informava Leite de Vasconcelos, de que, os Açores não teriam qualquer interesse para a arqueologia. Das nove ilhas dos Açores, abria uma possível excepção: a ilha de Santa Maria. Nisso, o nosso grande etnógrafo e historiador de arte, fazia coro ao desinteresse científico generalizado pela arqueologia moderna.
Continuo a tratar aqui o espólio cerâmico do mosteiro do Santo Nome de Jesus da Ribeira Grande (c. 1555-1831). Os especialistas que o viram, consideram-no, quer pela quantidade e diversidade de materiais quer pela variedade de formas, um dos mais representativos espólios portugueses do espaço atlântico. De cerâmica portuguesa ou não e de porcelana oriental ou já europeia. Recomendam-nos o seu estudo sistemático, aliando, de preferência, a pesquisa de arquivo, a análise formal e a pesquisa laboratorial. Assim, se poderá, eventualmente, confirmar ou descobrir novas redes de produção e circuitos de distribuição: em Portugal, nas ilhas, nas antigas possessões portuguesas, nas áreas de influência portuguesa (exemplo: judiaria de Amsterdão), mesmo nas áreas de influência espanhola ou de outros povos da Europa ou de fora da Europa.
Quem o diz, sabe o que diz: Jan Baart, especialista holandês em cerâmica portuguesa, responsável pelas escavações no bairro judaico de Amsterdão, que o visitou e se disponibilizou para o estudar; Paulo Dórdio, um dos responsáveis pelas escavações na Casa do Infante, no Porto, que o viu e também se disponibilizou para o estudar; Élvio Sousa, responsável pelas escavações no Forte de São João Baptista, em Santa Maria, que descobriu formas de açúcar nos Açores; José Meco, nosso mestre em azulejaria, que aqui também esteve, ajudando a divulgar formas de azulejaria únicas; Luís Raposo, director do Museu Nacional de Arqueologia, que também cá esteve e Eugénia Cunha, aqui responsável pelo primeiro estudo de ossadas humanas feito nos Açores.
Neste artigo, trato de dois artefactos recolhidos na primeira (1986), terceira (1988-2000) e quinta campanhas (depois de 2000). Foram objecto de restauro no laboratório para esse fim criado. São malgas, tigelas vidradas de louça, onde é servido caldo ou sopa ou líquidos.
Malga não querenada (motivo central semelhante ao do prato de 17 A)
Malga querenada (espécie de quilha sobrelevada)
Proveniência e data de fabrico? Por falta de documento de arquivo ou de informação laboratorial sobre a natureza das pastas, continuamos a conjecturar. Provavelmente será faiança de fabrico português e ainda provavelmente a partir do século XVII. De Lisboa?
Em próximos ‘Perfis’, quero desafiar-vos a descobrir comigo um painel historiado, azul e branco, de barras triplas rectilíneas, da primeira fase da produção portuguesa. São treze fragmentos de azulejos num provável universo de mais de um milhar de azulejos, que fariam parte de um painel colocado na igreja do Santo Nome de Jesus? Vamos a isso?
Mário Moura