SOBRE A ATEMPORALIDADE DA ESSÊNCIA
Por Vitor Silva
Entre as primeiras noções que adquirimos está a relação de causa e efeito. Sabemos que qualquer coisa que surja em nossa frente possui uma origem determinada, e sem acompanharmos todos os fatos desse algo antes dele nos chegar à presente percepção, saberemos, mesmo assim, que ele possui uma história. Teremos então em vista que, devido aos tipos de relações que esse algo atravessou nas diversas etapas de sua existência, seu aspecto terá essa ou aquela forma, no entanto, a sua essência, tipo de conformação ou estrutura que dará origem ao seu aspecto, manter-se-á?
Ao conhecermos alguma coisa diremos algo sobre o percebido se alguém nos perguntar ou se nós intimamente nos perguntarmos. Esse dizer será sobre o aspecto, a maneira como a percepção organiza o percebido dentro de nós no instante da percepção. O objeto será sempre heterogêneo, feito de partes, uma vez que, reduzido aos níveis mais fundamentais, ele é constituído de partículas. Contudo, sua observação é feita como unidade no nível de realidade experimentada pelos sentidos. Assim, mesmo sendo estruturalmente descontínuo, nós o perceberíamos como um todo contínuo limitado.
Ao observarmos uma rosa, comparamos com todas as outras rosas que já vimos? Haveria uma forma para rosas em nossos esquemas de representação? Antes de estarmos diante de uma rosa, existiria uma ideia em nós dessa rosa, que nos fizesse agir por partes, selecionando todas as características da rosa, ou iremos por unidade, resumindo suas características num único estado de pensamento, a ideia que temos sobre essa espécie de flor, de onde a percepção se conforma e diz a que tipo de objeto pertence o que estamos percebendo? O pensamento não seleciona automaticamente as propriedades quando percebe, ele sintetiza o objeto num todo. Posteriormente é que analisamos as particularidades deste, por meio da reflexão ou efeito do objeto em nossa memória. Temos então presente que para pensarmos de maneira heterogênea sobre determinada coisa, vista ou imaginada, partimos de uma unidade sobre determinada coisa, a ideia que temos sobre o objeto, anteriormente prefixada pela experiência. E por meio de comparações podemos julgar se estamos vendo uma rosa branca por já termos visto rosas vermelhas, ou rosas vermelhas por já termos visto rosas brancas. Separamos, dessa forma, o percebido nas categorias pertencentes a ele. Se nessas categorias colocarmos a subjetividade da cor, dividiremos o aspecto na dissemelhança. O aspecto surge, portanto, da dissemelhança existente entre dois ou mais objetos que compactuam muitas outras categorias semelhantes. Resultando, apesar de nossos esquemas mentais poderem possuir uma ideia-rosa (ou unidade), nas características individuais dos objetos. Consequentemente se reduzirmos um objeto às suas categorias últimas, reconheceremos que esse objeto obedece a quatro critérios de existência, que são: espaço, tempo, matéria e energia.
• Espaço: O espaço preenchido pela forma da rosa numa quantidade de tempo.
• Tempo: A duração da forma numa quantidade de espaço.
• Matéria: Aquilo que preenche o espaço com a forma.
• Energia: O potencial de transformação da forma.
Usando o exemplo da rosa diremos que ela ocupa espaço num determinado tempo que é contado a partir da transformação (energia) de acordo com a matéria de que é composta, determinando, assim, seu estado presente. Como as rosas possuem tempo de vida, ou seja, mudam seu estado de ser, se eu observar uma rosa direi se ela é velha ou nova, saudável ou doente, bonita ou feia (baseando-me nos critérios anteriores) etc. Darei, portanto, as características subjetivas ao modo como percebo a rosa, que também determinará o seu aspecto, agora de maneira qualitativa, surgindo, em decorrência disso, a estética. Consoante a isso, as coisas existem, pois possuem atributos que podemos relacionar de maneira a extrair delas um significado. Diremos então que estas coisas estão manifestas, podem ser percebidas e, a partir daí, podem ser significadas. A manifestação de algo e sua história, como vimos, decorre de algo obedecer aos quatro critérios de existência. Potencialmente posso imaginar diferentes maneiras de um objeto percebido se comportar, de modo a modificá-lo em minha imaginação, mas ele deverá obedecer à estrutura previamente condicionante da percepção, que é justamente o limite de manifestação de algo no mundo. Esse limite seria a capacidade do objeto sofrer transformações a tal ponto que não conseguiria se transformar em algo mais do que o limite geométrico imposto pela imaginação, que como podemos perceber é igual ao do nosso mundo, pois é fruto da memória. De maneira diferente o sentido do tempo das transformações que um objeto poderá sofrer é imaginário, pois mentalmente podemos quebrar um vaso e depois reconstitui-lo da maneira que desejarmos. O mesmo não ocorre na realidade dos sentidos. A dinâmica das três dimensões espaciais, acrescidas de uma possível amplificação na qualidade no comportamento das cores, existirá também no mundo da imaginação, mas o tempo será diferente. Nele as relações de causa e efeito podem ter fundo topológico; posso modificar a bel prazer todos os objetos que desejar, contudo o espaço da imaginação possui limite ao qual a geometria resultante da imaginação obedece. Todavia não há nada que possa impedir-nos de tentar imaginar objetos de quatro ou mais dimensões espaciais, mas sempre como projeções desses objetos às três dimensões possíveis em nosso plano de realidade. Se na mente possuímos um espaço que limita a capacidade transformativa de um objeto, de tal maneira que seus pontos de contato sempre estarão baseados na estrutura do mundo que podemos visualizar, e se o tempo, como vimos, pode ser retrocausativo ao objeto, temos que há algo no espaço mental que impede de ser manipulado numa dimensão superior. Analisando o problema, temos:
1. Nossa mente possui (ou pode possuir) os graus de liberdade da geometria.
2. Nossa mente possui um espaço em que os objetos criados mentalmente podem sofrer a influência dos graus de liberdade da geometria.
3. Nossa mente possui um tempo em que os objetos podem sofrer transformações, mas esse tempo é imaginário, não corresponde ao mesmo tempo da realidade percebida pelos sentidos, pois podemos fazer com que um objeto que sofra evolução irreversível em nossa realidade, novamente possa se encontrar nas posições anteriores à história que o transformou até o presente.
4. Os objetos de nossa mente possuem uma forma definida no espaço da mente, pois para sofrerem transformações devem possuir limite em sua estrutura. Mas, na mente, os objetos não possuem matéria, são representações formais da matéria como a conhecemos, consequentemente não são energéticos.
Temos então que, com relação aos quatro critérios de existência no mundo objetivo, apenas dois são símiles à nossa realidade: o espaço e a liberdade com que a geometria de um objeto pode ser trabalhada. Como em nossa realidade chamamos algo de forma, pois esta possui ou deve possuir os quatro critérios descritos anteriormente, no “espaço mental” chamaríamos essa forma por qual nome? Essência?
Essência seria aquilo em que as características de existência de um objeto no mundo dos sentidos corresponde ao mundo mental. Neste caso em análise seria o espaço e as transformações possíveis a um objeto. Então é o aspecto invariante entre a mente e o mundo exterior. Diremos que essência é o espaço de modificação de algo, sem que esse algo deixe de ser também aquilo que ele foi, podendo voltar a ser a qualquer momento, mediante a vontade do indivíduo. Como o tempo mental é imaginário, podemos concluir que a existência da essência é atemporal.