BREVÍSSIMO ENSAIO SOBRE EU NO MUNDO
Dado que o mundo existe independentemente de mim, minha vontade não interfere nele, a não ser que para que o mundo exista eu exista nele. Isto é, será necessário que nos existimos para e por conosco. Esse entrelaçamento de teias (para e por conosco) nos obriga à aceitação de que a co-existência só se dá quando ambos se constituem tão simbioticamente que já não se pode distinguir quem defere de quem.
De outra maneira, não seria possível, pois, se o mundo existe independente de mim, conclui-se que a tarefa de fazer do mundo o campo onde nos relacionamos, cabe somente a mim. Ou seja, a autoridade com que me atribuo para dar existência ao mundo não pode ser outorgada a outro senão somente a mim; sob o risco de se perder em categorias mentais desconexas com que se tentam considerar aforisticamente pareceres relâmpagos.
Nesse sentido sou eu quem dá existência ao mundo, e somente eu, ser dotado de razão e discurso, posso, como num jogo de cartas, blefar e ou dar xeque - mate como se jogasse xadrez. O que me confere, como já se disse, certa autoridade e, ao mesmo tempo, responsabilidade para com os caminhos que esse mundo siga.
Assim, o papel de tal postura me obriga, para não incorrer em desarranjos que somente eu e por mim mesmo serei responsabilizado, devo tecer, como um ser frente ao tear, os mais finos e precisos fios com os quais, tendo eu terminado a obra a que me impus, terei que costurar cirurgicamente cada espaço a que eu delegarei ao mundo para que siga sua trajetória. Trajetória, diga-se, que mesmo sendo eu o mestre, não poderei e não deverei intervir para que tudo saia conforme meus desígnios. Agindo assim estarei, mais do que moldar a forma de acordo com meu próprio juízo, incorrendo no supremo erro do manipulador, e como tal, nunca isento de falhas.
Não poderei, sob o risco de me parecer um falastrão, imputar sucessos a mim e fracassos ao destino, posto que, sendo eu o ente capacitado de dar existência ao mundo, somente sobre mim (ente dotado da capacidade da razão) terá que recair todas e quaisquer dívidas.