Sobre o mérito
Penso que a palavra “mérito” seja muito pouco utilizada em nossas terras, acredito que, por aqui, o mérito seja algo praticamente irrelevante, quase sempre desconsiderado. Acredito que a razão para isso seja nossa profunda ignorância; quase sempre somos completamente incapazes de fazer juízo sobre o mérito do que quer que seja. Fazemos isso com atores, ouvi muitas vezes a expressão: “trabalha mal” dirigida a eles. Ouvi a mesma expressão proferida por motoristas de táxi, direcionada a colegas. Também julgamos o mérito de jogadores de futebol, embora, nesse caso, quase sempre, de maneira apaixonada. Assim, quando compreendemos um pouco da atividade exercida pelo outro, frequentemente avaliamos o mérito de sua ação. Mas raramente compreendemos alguma delas.
As palavras “meritocracia”, ou “meritocrata”, aparecem quase sempre acompanhadas por adjetivos ultrajantes; não ousarei defender tais rótulos, mas defenderei o mérito.
Vivemos em terras de drástica exclusão social, de extrema hierarquização, de estratificação social imensamente marcada. Tudo isso é brutal por aqui, sendo causa e consequência da miséria reinante. Nossa ignorância generalizada nos impede que qualquer consideração sobre o mérito se imiscua em nossos julgamentos, em nossa hierarquização. De minha parte preferiria uma postura igualitarista, não sendo possível, acho lamentável que devamos manter uma hierarquização medieval baseada na origem das pessoas. A essa, prefiriria francamente uma decorrente dos méritos individuais de cada um.
Houve, tempos atrás, uma tentativa de avaliação do mérito individual; foi no tempo em que existiam escolas. Refiro-me a escolas de verdade, daquelas em que a progressão pressupunha aprendizado. Como é sabido, o que chamam “escola”, hoje, no Brasil, corresponde a uma farsa na qual os “estudantes” se matriculam, interagem socialmente uns com os outros, e saem portando diplomas universitários, mesmo que a maioria dos nossos diplomados não tenha capacidade de acompanhar a leitura de um filme legendado; a coisa é drástica!
Eliminada essa forma de avaliação do mérito, restaram-nos muito poucas outras.
Digna de menção, foi a honrosa introdução da obrigatoriedade de concursos para o ingresso no serviço público. Lamentavemente, essa forma de controle se dá apenas na entrada; uma vez ingressado no serviço público, a progressão do funcionário se dá pelas vias tradicionais do clientelismo, nas quais os cargos decisórios são entregues apenas aos capachos do poder, aos que se submetem a compactuar com os poderosos, a lamber-lhes as botas e recolher suas migalhas.
É provável que a obrigatoriedade dos concursos públicos tenha sido uma decorrência do analfabetismo de nossos diplomados. Postos no poder, os muito ignorantes, de fato, atrapalham, emperram as ações de comando. Em alguma instância o controle de mérito tem que ser efetuado, a negação disso acarretaria um retorno à barbárie.
Avaliações de mérito cerceiam o poder. Sem elas, o poder ficaria mantido nas mãos de uns poucos, sempre os mesmos; à maneira medieval, seria impossível a um plebeu ascender socialmente, os de baixo ficariam mantidos por lá, assim como seus filhos e os filhos desses.
O fascista nega o mérito, mas atribui tal negação ao igualitarista. Para o fascista, o poder se justifica a si mesmo, e se mantém pela força. Para ele, não existe mérito, existe o poder e a força. O fascista preza as relações de apadrinhamento, concede benesses aos que lhe juram lealdade. Não exige mérito de seus vassalos, e nem o demonstra: exige fidelidade, mostra poder.
O igualitarista postula o mérito. Cerceia o poder do fascista exigindo razões, méritos, e o cumprimento de normas (note a inversão de valores, a confusão frequentemente proposta pelo fascista que denuncia exatamente as exigências que o restringe).
Aliás, ao fascista desagrada a razão, além do mérito; preferiria exercer seus desejos sem nenhum freio, à maneira das crianças mimadas; também a denuncia.
Desconheço as alternativas ao mérito propostas por seus críticos, gostaria de conhecê-las, se existem. Efetivamente, tentam impor o clientelismo, e tudo o mais que garanta a manutenção e ampliação de seu poder; duvido que, explicitamente, defendam aquilo fazem.