BREVE ENSAIO DA IMPOSSIBILIDADE DE ENTENDER O TEMPO

Que o tempo não se apague, dirá o poeta para os bons homens letrados. Porém, sendo o tempo, objeto e desejo de entendimento dos homens desde os gregos, não sabem, todavia, que o tempo, irresoluto enquanto medida abstrata, mas sentida, transcorre segundo suas próprias leis?

Entender o tempo e seu mecanismo, tem sido, como dissemos, desde os gregos, assim como Deus, o grande mote de toda a filosofia.

Ninguém, absolutamente, ninguém, seria capaz de dizer quanto já se escreveu sobre o tempo. Asim como Deus, o tempo, me parece, é tão inatingível que querer dá-lo por compreendido nos parecerá tão enfadonho como querer dar resposta cabal de quem nasceu primeiro, o ovo, ou a galinha. A impossibilidade de resposta nos empurra para mais e mais perguntas e assim sucessivamente.

Devaneios filosóficos ou perturbações psíquicas, todos que, em tempos e épocas das mais remotas, foram tratados como seres abandonados pela razão, e como tais, vítimas e alvos dos mais acirrados ódios.

Falar do tempo, num período marcado pelo "aqui e agora", sem distinção do que isso possa significar, ainda hoje soa discurso esvaziado de interesse, ao contrário do que deveria ser. Afinal, tempo, espaço, expansão, compressão, não nos demos conta, mas, são categorias discursivas e filosóficas que volta e meia nos são apresentadas com novas e coloridas roupagens.

Tomemos os poetas. Fernando Pessoa, quase toda sua poesia e dos seus heterônimos, falam do tempo: O Guardador de Rebanhos " Quem me dera que a minha vida fosse um carro de bois Que vem a chiar, manhãzinha cedo, pela estrada, E que para de onde veio volta depois Quase à noitinha pela mesma estrada". Vejamos: "que minha vida fosse um carro de bois..." Se minha vida fosse um carro de bois, seu tempo, o carro de bois, seria um tempo de carro de bois, e só teria sentido e existência se, como tal, cumprisse todas as determinações que o "tempo" dita a um carro de bois. E João Cabral de Melo Neto quando diz "igual ao de um relógio submerso em algum corpo, ao de um relógio vivo

e também revoltoso...." Nesse poema que fala da faca, da faca como a lâmina que nos atravessa e nos dilacera, como um relógio, feito faca, que nos corta sem lâmina e nos domina e nos submerge; nos leva ao fundo da existência. Ou seja, o tempo não se domina. É um cavalo selvagem que galopeia prados e montanhas sem ter quem o dirija.

E os filósofos? Heidegger, em Ser e Tempo, tem, com esse livro, um claro projeto de pôr, numa espécie de sepultura, a Metafísica. Por muito tempo a metafísica, ou, o além da física, foi a tábua rasa onde se colocava tudo que não se poderia explicar, daí, tudo que não se "encaixava" em explicações racionais, joga-se à metafísica, a Deus. Em Ser e Tempo, Heidegger, tomado dessa vontade, vai nos apresentar o tempo como fenomenologia do ser. Isto é, explicar o ser a partir dele mesmo conectado com seu tempo de aparecimento. Não é mera descrição do que é, mas, a partir da constatação da sua existência, da sua ontologia. "A investigação fenomenológica de Heidegger é de caráter ontológico, isto é, busca as determinações essenciais do ser dos entes. Dessa maneira, pretende sempre situar-se aquém do plano empírico ou ôntico (dos entes) e constituir-se na condição de possibilidade do mesmo. Assim, as estruturas ontológicas explicitadas na análise do dasein (como ocupação, disposição, compreensão, discurso) não devem ser confundidas com aqueles que seriam os seus correlatos ônticos ou empíricos (afeto, desejo, conhecimento, linguagem)" (in http://dx.doi.org/10.1590/S1414-98931998000300002)

O tempo é. O tempo é um devir, um próximo esperado que não se conhece; um visitante, um intruso, um rei. Nos controla sem mesmo que o possamos impedir. É transcorrer correndo, em perpétuo avanço sempre à frente. Um dique que se rompeu e que não encontra obstáculo à frente. É um transbordamento sem válvula de controle, um infinito desejo se seguir à frente. Isso é o tempo.