DOS VERSOS PROSAICOS

Ando com uma imensa vontade de escrever um poema prosaico, tal os da literatura americana (vide Gregory Corso ou Allen Ginsberg e seus beats) daqueles que, de quando em vez, chegam às terras tupiniquins e são traduzidos por algum maluco apaixonado por poesia como eu. E fico com vergonha de não saber entender e falar o inglês, assim poderia haurir melhor o mistério visto pela porta dos fundos... Deste modo, resta-me deglutir um prato que os outros já digeriram quentinho e saboroso, no original. Ocorre-me, lá pelas tantas, que o prosaísmo verbal possa haver nascido da cabeça do tradutor e ao autor não se pode transpor a culpa da irreverência formal... Fico pensando que o verso vai além da forma e do formato, e sinto pena de alguns editores que parecem estudiosos, e, (donos da espada de Dâmocles) da editoria, barram a edição de livros com poemas fora da usual apresentação em versos. Pobres cabeças! Não estão, a rigor, preocupados com a dignidade da Poesia, nem com a metáfora de imagens que a frase talentosa produz, tanto no verso quanto na prosa. Patrulham e objetivam extirpar o que não sabem, em essência... Vários ainda estão na centopeia dos versos fônicos, silabados. Confundem o seu gosto pessoal com o andamento inquietante da sombra sobre o orvalho no lusco-fusco da madrugada ou o confirmam nos bólidos automóveis da contemporaneidade, nas freeways, para chegar a nenhum destino. Os versos prosaicos copiam o formato do caos contemporâneo, seus costumes e linguagens. Alguns até parecem ser a tosse dos versos ritmados, nem por isso são menos belos... Acredito no exercício da essência dos signos, aqueles que nos arregalam os olhos de espanto. A roupagem da madrugada poluída de sons e sombras urbanas é contingência da condenação à vida na sociedade global, ágil e consumista de tudo o que lhe pareça útil. That’s right, poeta Mario Quintana?

– Do livro O CAPITAL DAS HORAS, 2013/14.

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