Saldação aos Vilões com um Abraço de Nietzsche

Se você é um admirador incontestável de bons argumentos e dramas, seja aqueles que alimentam os quadrinhos, séries televisivas, cinema, livros ou vídeo, indiretamente ou não, também é amante de uma classe indispensável: a dos vilões. A eterna luta entre o bem e o mal está na base das mais diversas manifestações culturais e já gerou personagens antológicos e inesquecíveis. Aqui o espaço seria infinitamente pequeno para relembrar uma galeria de personagens que vai do fraticida Caim ao Agente Smith de Matrix, passando por aqueles que surgem todos dias e, muitas vezes, em carne e osso na nossa vidinha cotidiana.

Recentemente, ao assistir X-Men, A Cura, me peguei pensando nas diferenças entre Xavier e Magneto. Ambos querem a mesma coisa, o reconhecimento e valorização das forças mutantes. Para atingir esse objetivo, muitas vezes estão unidos e deixam entrever que há respeito e mesmo amizade entre eles. Xavier é o mestre mutante, cheio de boas intenções, uma alma nobre e bela. Magneto é dono de um poder que pode fazer sombra ao de Xavier, porém é inescrupuloso, impiedoso e até sangüinário. Mas o que dizer de Fênix e Jean Grey? Um poder sem limites que habita um mesmo corpo! O bem e o mal muitas vezes compartilham um mesmo espaço ao mesmo tempo. Se você é daqueles que só reconhece o mocinho e o bandido, leia Nietszche e pense melhor.

Talvez o mais polêmico filósofo de todos os tempos, Friedrich Nietzsche é autor de uma obra que, dizem, chegou a ser inspiração para Hitler e sua política racial. Nasceu em 1844, na cidade de Röcken, então território da Prússia, e deixou esse mundo aos pouco, em um adeus prolongado que durou onze anos. Perdido em uma loucura que começou a se manifestar por volta de 1889, quando ele ainda tinha muito a dizer e muito a explicar sobre o que já havia dito, teve seu momento derradeiro em Weimar, no ano de 1900. Seus biógrafos o defende apresentando-o como um incompreendido, de cujos problemas de saúde e notoriedade sua irmã teria se aproveitado para aproximar-se das elites da Alemanha nazista e conquistar vantagens pessoais. Não seria a primeira vez e nem a última que alguém se aproveitaria das circunstâncias e das qualidades de outro para atingir seus próprios objetivos mesquinhos.

Em Genealogia da Moral estão explicadas as origens das idéias tão polêmicas que desfilam em todos os livros do nosso filósofo. Procurando mostrar os caminhos que levaram a se tomar determinadas concepções conceituais como verdades absolutas, Nietzsche aborda o caráter histórico dos conceitos e dos códigos, procurando esclarecer suas relações e, assim, mostra as transformações que ocorreram ao longo do processo histórico quanto os sentidos das palavras em um universo de valores éticos e morais. Também neste livro, fica claro como bem e mal, até certo ponto, são questões dependentes de ponto de vista e da ordem cultural. Um bom exemplo é a passagem em que os costumes da Grécia antiga são usados para justificar a ideologia anti-cristã, marca registrada deste alemão. E aí me vem à mente a imagem de Brad Pitt, em Tróia, interpretando Aquiles. Não é um vilão e nem o bom moço, mas um herói, o exemplo de comportamento mais elevado de uma época, a própria personificação do conceito sobre o qual o filósofo alemão construiu todo o seu pensamento.

Para Nietzsche, vilania é heroísmo se puder ser coberta pela capa da nobreza, mesmo que esta seja falsa. O super homem não é aquele que veio do Planeta Crypton e protege os cidadão da Terra, é aquele que alimenta a potência do próprio ego. Nietzsche é anti-cristão porque para ele Cristo inspira piedade e desperta nos homens a consciência de culpa, enquanto os heróis gregos inspiram admiração pela força. Assim, aos inverter os valores e adotar uma nova forma de entender os fatos, Nietzsche aperta os vilões em um abraço camarada!

Genealogia da Moral é o livro que você deve ler antes de qualquer outro do autor. Assim, não correrá o risco de tomar Zaratustra (o mais conhecido personagem da obra nietzschiniana) por um lunático ou um hippie viajandão dos anos 60, embora ele seja muito parecido com ambos os tipos. Entendendo "Genealogia da Moral" você poderá pensar em Palpatine e seus Lords Sith sob uma nova luz.

Referência:

NIETZSCHE, Friedrich. A Genealogia da Moral. São Paulo: Brasiliense, 1988.