O RISCO DA ENTREGA

“Perdão se te causo algum incomodo no secreto de teus amores, em confessionário. Bem, mas tenho senso para não aparecer em público, e nem te prejudicar aos olhos dos infelizes no amor, e, por certo, invejosos delatores de quem vive o instinto... A maledicência é um cochicho de impossível retorno. Não há como resgatar o que se deixou escapar pela boca ou pela erotizada epiderme, nem remediar o dito ou havido... Somente aproveitar a palavra para tatuar a pele na intenção de saudar e louvar o bonito das intimidades entre bichinhos: o macho e a fêmea desejosos. O que fazer se já inscrevi a tua imagem nos neurônios? E a mergulhei em mim como uma sombra incestuosa. Coisa boa esse estar-se dentro sem o toque que pode comprometer tudo e aumentar a possessão egocêntrica... Enfim, parece-me certo acreditar que o que define o gozo é a cabeça e não o genital. Que o gozo venha – doido – a partir das artérias, porque entrego, mesmo à distância, o melhor de meu desejo, olhando de soslaio – esguia sombra estatelada no monitor desta máquina. E que se comove – como se viva fosse – ao me espreitar por este olho cego, compungida, com imenso dó pelo irreparável: ter-se feito amante...” Joaquim Moncks, in O CORPO SENTE .

– Do livro O AMAR É FÓSFORO, 2013/14.

http://www.recantodasletras.com.br/prosapoetica/4634097

– Marilú Duarte, por e-mail, em 03/01/2014:

Na magia do texto a descrição inconfundível de uma paixão idealizada. "O que fazer se já inscrevi a tua imagem nos neurônios?" É exatamente nessa célula nervosa, que tem início o despertar do amor, segundo posições científicas que convergem para o fato de que este sentimento inicia no cérebro. Mas o que realmente define o amor? Será uma mistura entre loucura e paixão? Ou será um sentimento de desejo incontrolável, que nos torna ansiosos, cegos, insatisfeitos, violentos e, ao mesmo tempo, insaciáveis na troca de afeto, carinho, confidências, palavras e olhares? O amor e a paixão são carregados de elementos ilusórios e alucinógenos, cujo foco está na questão do "prazer". Este que é constantemente interditado ou sabotado pela sociedade moderna, que dita novos conceitos, regras e sua própria ética. É inegável que o prazer traz embutido perigos e ameaças de toda ordem, como muito bem colocas: "A maledicência é um cochicho de impossível retorno. Não há como resgatar o que se deixou escapar pela boca ou pela erotizada epiderme, nem remediar o dito ou havido...". O que realmente motiva a humanidade? O despertar de uma paixão, um amor grandioso ou a ilusão de uma fantasia? Utilizamos-nos da paixão acreditando ilusoriamente ser este o remédio definitivo contra o nosso cotidiano de insatisfação. O amor se reinventa a cada momento, não por ser oriundo de um romantismo ingênuo e pueril, mas por ser também uma das formas de aliviar o pavor em relação à morte, despertando o instinto de vida. "Coisa boa esse estar-se dentro sem o toque que pode comprometer tudo e aumentar a possessão egocêntrica...". A este sentir denominamos ilusão, sonho, fantasia, elementos necessários a nossa existência, antídoto para suportar realidades inaceitáveis. Viver uma paixão é conviver com todo risco subjacente: seu fascínio, suas expectativas e seus impasses. É dar asas à espontaneidade e criatividade da psique, onde imagens e ideias do consciente e inconsciente se misturam e realizam o sonho. Marilú.

– Do livro O IMORTAL ALÉM DA PALAVRA II, 2014.

http://www.recantodasletras.com.br/ensaios/4640722