O BARCO ANCORADO

“Do tabagismo já me livrei desde 97, no século passado... Do açúcar refinado (ou não) também, há mais de 14 anos. Do álcool só resta o vinho carmenère ou cabernet sauvignon para a celebração dos peixes da Poesia e dos fraternos amigos pascais que bebericam e somatizam a palavra, especialmente nos rigores do inverno gaúcho... Levo livre a primavera e o verão... Bem, pra dizer a verdade, estou comendo raramente carnes vermelhas; galinha e peixes são os meus preferidos, e ainda não adquiri o hábito de tomar leite de alpiste, porque ainda estou bem maior do que um passarinho, mesmo que continue capaz de voar no mistério da palavra... E, como estou quase septuagenário, as opções disponíveis são restritas ao imaginário voo. E moro em Pasárgada, no Litoral Sul de Santa Catarina, arredores da foz do Rio Mampituba, que deságua no Atlântico... Sinceramente, a minha esperança é a de que, com o desenrolar do novelo dos dias, os meus membros não virem barbatanas, porque será difícil me defender dos esfomeados tubarões e daqueles espécimes marinhos que gostam especialmente de procriar com os cachalotes...”. Joaquim Moncks, in O PREÇO DO PRAZER.

– Do livro O CAPITAL DA PALAVRA, 2103.

http://www.recantodasletras.com.br/cronicas/4629867

– Marilú Duarte, por email, em 30/12/2013:

O texto nos remete a um saudosismo com raros precedentes. Um cigarro que se perde na fumaça do tempo, que no sem-tempo já não há um adoçar como antes, não fora o vinho, que percorre o viés dos sonhos, que se perdem nas artérias de um corpo somatizado pelos signos verbais e embalado pela poesia num encanto enluarado... Numa palavra que vira pássaro, e sobrevoa todo um pensar poético nas esquinas de cada estação, observando, sorvendo e sentindo com intensidade o viver, com outro modo de ver e sentir as coisas, constatando novos enfoques ou reconsiderando fatores e pontos de vista até então escondidos sob o tapete do imaginário. Portanto, nos domínios do irreal. Seriam "as opções disponíveis restritas ao imaginário voo", não fora a ressignificação que ocorre em cada palavra do texto. E isso só é possível quando se tem a coragem de atribuir novos significados aos acontecimentos, vendo o mundo por outros ângulos, dando colorido ao preto e branco de uma forma proveitosa e eficiente. Isso, amigo, é saber utilizar o filtro correto. Mudar a filtragem importa em transmutar o significado e fazer a diferença no mundo de todas as diferenciações. A vida é uma fábula com significantes e significados no processo criativo do estar no mundo. A ressignificação é a chave-mestra, aquela que abre todas as portas e nos faz superar o peso da bagagem de conflitos que carregamos ao longo desta viagem. Viver em Pasárgada – o barco de Manuel Bandeira fundeado em teu bairro, no Passo de Torres – já é um privilégio... Portanto, é necessário tecer com fios de ouro o novelo que o tempo vai desenrolando, pra que não se percam as preciosidades de um imenso tear rumo à felicidade, sob a luz da sabedoria e da paz. Marilú.

– Do livro O IMORTAL ALÉM DA PALAVRA II, 2014.

http://www.recantodasletras.com.br/ensaios/4638060