A FALSA IDEIA DE IGUALDADE
No artigo 5º da Constituição de 1988, Direitos e Garantias Fundamentais, lemos "todos iguais perante a lei....). Sintetizaremos "todos são iguais perante a lei" em Cidadãos. Ora, é isso mesmo? Então vejamos, mas antes, precisamos pautar nossa argumentação, primeiro, sobre quais garantias falamos e antes, sob quais diretrizes elas foram elencadas. Segundo, e pensando que conseguimos estabelecer os limites do argumento anterior, partiremos para o que julgamos ser a falsa ideia de igualdade (ou de cidadania), mote desse ensaio.
A ideia de igualdade surge com o advento do Estado Nacional, isto é, um ente que englobaria um território delimitado, uma língua comum, uma moeda comum e um procedimento que lhe garantisse legitimidade do uso da força. Ou seja, era a corporificação máxima de um poder instituído que pudesse, de um lado, garantir que ninguém exercesse o direito de violência segundo seus critérios e meios. Era o estabelecimento do Contrato Social. E por outro, para que a harmonia social se concretizasse, o Estado atenderia demandas advindas da sociedade.
Assim, se estabelece os direitos civis. Esses datam do século XVII e relacionavam como sendo: direito à propriedade, garantia de liberdade individual e igualdade perante à lei. Em resumo, trata-se de garantir o direito à propriedade e também a garantia de que todos só seriam submetidos à lei, não sendo objeto da vontade arbitrária de um ou mais indivíduos.
Filho direto dos direitos civis, os direitos políticos, séc. XIX, dizem respeito à participação política do indivíduo de um Estado Nação, à possibilidade de se criar partidos políticos e o direito de votar e ser votado. Não há direitos políticos sem direitos civis.
Ainda no séc. XIX e com o inchaço das cidades, desenvolve-se a noção de direitos sociais, isto é, demandas que, em função do crescimento urbano, se fizeram necessárias como moradia, saneamento, transporte, educação, saúde, ou seja, a busca por melhores condições de vida.
É nesse contexto que aparece o conceito de cidadão. Trata-se do ente que sem ele não se pode falar em Estado Nação. Pois, sendo esse o ente globalizante daquele que lhe dá vida e sentido de existência, o cidadão, configurado como sendo o portador da legitimidade do Estado Nação, é o que expressa e dá razão de ser desse.
Assim, com o que dissemos, pensamos ter respondido, em parte, ao o que nos propusemos, isto é, elencamos as garantias, mas, ainda, permanece a questão: há igualdade de fato?
Para tentar responder, e levando a questão para o conceito de cidadão, pois, como dissemos, é nesse substantivo que se encerra a personificação de alguém possuidor de direitos. É nele que se sintetiza todas a demandas e necessidades atinentes a uma vida digna e igualitária. E na falta de uma delas, não se poderá concluir outra coisa senão a falácia dessa igualdade.
Thomas Humphrey Marshall, preconizava que a história e a evolução do conceito de cidadania se daria de forma linear e tranquila, ou seja, sem conflitos, obstáculos e jogos de interesse. Nesse sentido, ele pensava a sociedade como um corpo coeso e harmônico, porém, o bem estar dessa sociedade seria amplamente difundido e igualitário. Noutras palavras, o pleno atendimento à Cidadania só se daria com a intervenção Estatal como alternativa às consequência da transformação da ordem capitalista.
Em contraponto a essa tese, nos apoiaremos em Marx. Segundo Marx, a moderna sociedade se baseia numa cisão entre sociedade política e sociedade civil. A primeira preconizava que todos são cidadãos, isto é, reinava o universalismo e pressupunha que o indivíduo deveria agir e pensar de forma pública. Na sociedade civil, imperava a distribuição desigual de propriedade, e consequentemente, de recursos. Nesse quadro, o indivíduo agia movido pela busca de interesses econômicos. Desse modo, " considera que é o modo como se organiza a produção das riquezas sociais que pode vir a assegurar a igualdade entre todos os indivíduos, no que tange à sua participação na condução dos negócios coletivos. Assim, dentro do sistema capitalista, a igualdade e a liberdade a serem asseguradas pelo respeito aos direitos de cidadania não seriam realmente alcançadas" (CORREIA, Fernanda Guimarães, s/d).
A falácia do universalismo, façamos nossas as palavras de Marx,
operava como uma ideologia, pois, encobria e perpetuava as desigualdades materiais e matinha a propriedade privada dos meios de produção, tidos como direitos inalienáveis.
Do que dissemos e pensando termos exaurido o primeiro objetivo do proposto, qual seja, estabelecer as diretrizes em que se estabeleceu tais garantias de cidadania, passamos ao segundo foco a que nos propusemos: identificar a falsa ideia de igualdade ou de cidadania.
Se considerarmos que o direito à propriedade, inscrito no inciso XXII, do mesmo artigo 5º, ou seja, nos direitos e garantias fundamentais, não estaremos exagerando se dissermos que tanto igualdade como cidadania não estão assegurados. Haja vista que, sendo historicamente, a propriedade privada a garantia de encobrimento e perpetuação das desigualdades materiais, portanto, e na mesma linha, de cidadania, na medida que essa só se estabelece quando para seu pleno exercício não se pode sofrer nenhum obstáculo, pois, caso contrário, se tem um arremedo dessa garantia, portanto, uma falácia.
Assim, a tão enaltecida "constituição cidadã", embora, e em comparação com as anteriores, tenha trazido no seu bojo a ampliação dos direitos sociais, civis e políticos , a saber e respectivamente, só para ficarmos em um exemplo de cada: direito à habitação, habeas data e voto aos 16 anos, mesmo assim, e pelo que elencamos acima, não podemos afirmar que esses direitos estão plenamente assistidos. Basta sairmos à rua para vermos o contingente de desabrigados; são verdadeiros seres abandonados pelo Estado. A educação, não passa de uma péssima reprodução da burrice alheia. Não informa e, menos ainda, não forma ninguém. Nossa crise de mão de obra qualificada é o retrato cruel dessa má educação. A saúde, coitada, está morrendo à espera de leito. Nossos eleitores de 16 anos, caramba, coitados, são "chamados" a participarem, renovarem, mas, o que veem são sempre as mesmas e horrendas figuras. Ou seja, não adianta ter uma constituição...cidadã, quando, na ponta, ela é só uma vã e triste peça de ficção.
Por fim, e concluindo, a falsa ideia de igualdade se configura quando a base da desigualdade se mantém, quando, aquilo que, historicamente, tem sido o calcanhar de Aquiles da humanidade não for superado; a propriedade privada dos meios de produção ou, na melhor das hipóteses, quando os homens do poder não virem a função pública como sendo o meio que os fará mais ricos e menos humanos.