Multidão


 
                        Não sei se já falei para os amigos e amigas que vivo na região  mais gostosa do mundo . Dirão os mais céticos: - Como assim? Você vive dentro de um bolo confeitado?
                        Mais ou menos isso, eu diria para os incrédulos. Ontem mesmo, aqui na cidade do interior ondo moro, entrei num bistrô chamado “Fat-Cat” (gato gordo) e pedi um capuccino. A casa serve mais de 20 tipos de café, até café gelado. E aí falei para os meninos que me serviram: -“ meninos, eu literalmente vivo no lugar mais gostoso do mundo”. Eles riram, achando que eu estava fazendo piada. Não estava fazendo piada. Senão vejamos: a melhor kafta  é servida aqui, na Casa do Quibe. Digo isso porque um turco que nos visitou e que conhece a Europa toda, além da América do Norte, atestou essa verdade. Nunca comeu uma kafta como aqui. Vou contar uma história rápida que aconteceu com minhas filhas. Elas foram para Nápoles e pediram uma pizza. Lógico, como todos estão pensando, deveria ser a pizza mais gostosa do mundo. Não era!  Jogaram a pizza no lixo. Elas, como boas descendentes dos italianos, ficaram decepcionadíssimas. Tivessem elas vindo aqui em Miracema, iriam se maravilhar com as pizzas do Victor.
                        No mês de junho deste ano levei minha irmã Naná e meu cunhado Marcio para Varre-e-Sai. Uma hora de viagem, uma viagem que praticamente você não sai do lugar. Adoro viajar sem sair do lugar.  O clima é melhor que o da Suíça. Lá, encontramos grandes vinícolas e grandes cafezais. Interessante, que meu cunhado, ao provar vários vinhos, começou a falar em espanhol. Era “por supuesto” pra lá e pra cá, que desatamos a rir muito. Por um desses fenômenos quase espíritas, soltei um “ça va sens dire”, que toda a cidade de Varre-e-Sai, gargalhou. E éramos todos descendentes de italianos. Mas nós italianos somos assim mesmo, pouco patriotas. Explico: meu pai excluiu o Cavalcanti do meu nome, pois na época estava na moda ter nomes curtos.
                        Ora, meus amigos, se o vinho mais gostoso é daqui da região, a pizza, idem, o capuccino,nem falar. A kafta a mesma coisa, só posso concluir que estou na região mais saborosa do mundo.
                        E tenho uma explicação para isso. É que nas cidades pequenas o indivíduo ainda existe.  Talvez já tenha escrito que vivemos na época das multidões. E essas multidões é que ditam as normas. Não têm cara e impõem o que querem. Se as multidões, que não pensam, decretarem que somos todos mulheres, por exemplo, não tenham dúvida, em pouco tempo, pensaremos mesmo que todos somos mulheres.
                        Ora, para se ter uma  boa ideia, é preciso que exista a pessoa. Para se fazer uma boa comida, vamos encontrar o cozinheiro ou cozinheira fazendo suas experiências culinárias. Para tudo no mundo, sempre precisamos do homem diferenciado, fazendo avançar a humanidade.
                        Mas como estamos na era das multidões, o que acontece? Vão todos para a praça e começam a urrar e pular,  pensando  que estão modificando o mundo. E o pior, nós, pessoas, estamos aplaudindo essa loucura.
                        O interior ainda não foi afetado pela época das multidões, das filas intermináveis.
                        Quase me arrependo de ter feito esse pequeno e fajuto  ensaio, com medo que as massas venham para o interior. No máximo que admito é aceitar a vinda do meu amigo carioca Seminale, que adora fazer um sarau. Só peço  que ele venha com apenas  quatro amigos e faça total segredo dessa excursão.