POR UMA UNIDADE CRÍTICA

O presente ensaio busca chamar a atenção para um problema que tem se tornado emblemático e, ao mesmo tempo, termômetro para o que se compreende o papel e o nível da representação. Nesse saara de muitas dúvidas e quase nenhuma certeza, também se procurou, não sem levar em conta questões de ordem organizativa, como, ainda, possibilitar a reflexão. Se o presente ensaio conseguir em parte o que se pretende, já terá sido satisfatória sua divulgação.

Não faz muito tempo apregoou-se, por todos os cantos, que o gigante havia acordado. Impulsionado pelo movimento que tomou ruas e corações, não tardou para que temas aparentemente dissociados da pauta, e do cotidiano da população, viessem à tona.

Foi nesse mar de gritos contidos que o barco da esperança, e porquê não, dizer, da revolta, vestiu-se de bandeiras que pareciam trazer, como carga preciosa, a voz do povo. Assim, por longas marchas, todos gritavam por todos. A identificação contra aquilo que nossas elites, com certo sucesso, tinha conseguido calar, naqueles dias não se podia negar: o gigante tinha acordado.

Foi com tristeza, e também perplexidade, que vi levas de vozes, na sua maioria jovens (muitos dos quais neófitos no quesito “participação” política) achincalhar a presença de partidos políticos.

Essa triste constatação me fez, e talvez a muitos dos meus colegas, pensar no por quê de tamanha aversão às agremiações políticas. Para tentar compreender o ocorrido, e evitar a parcialidade imediata dos fatos, é que coloco ao alcance de vosso juízo, não sem a certeza de que o que seguirá representa apenas, e tão apenas, minha leitura. Todavia, por força, ou por mania do laboratorista, busquei me ater na persecução minuciosa, e sem paixões próprias, para vislumbrar ângulos diferentes, acreditando ser esse o caminho certo disponho as presentes linhas ao crivo da crítica.

E para evitar que nas linhas que este passa a percorrer, e antecipando-me, se, por ventura, possa parecer exaustivo, como disse, apenas e tão somente minha leitura daqueles fatos, todavia, porém, a humildade não será empecilho para as desculpas antecipadas. Ademais, para que o que se segue não torne a leitura e o tema demasiado cansativos, informo ao leitor que, para não transparecer esgotado do tema nessas mínimas linhas, esclareço que se optou por um corte (a única premissa que me dou); corte esse que nos remete ao escopo do nosso objeto a partir de agremiação política e seu enlace no que se refere a unificação nas ações e ou, ao menos, identificação com aqueles que se diz representar. E para que o discurso não se resuma apenas aos apontamentos naquilo que se entende contrário ao que se diz, e também, para que não aflore, nos espíritos mais suscetíveis, demasiado sentimento beligerante; a esses só posso dizer que a busca desenfreada pelo consenso, sem co-partcipação no debate, só interessa aqueles que padecem da síndrome do espelho ou da síndrome do atirador de estilingue. Feitas tais observações, submeto ao que se segue ao juízo insubmisso da razão; por tal mister, de antemão, fica aqui meus agradecimentos.

A descrença naquilo que se pode denominar partido, advém, não sem certa razão, da incomunicabilidade com que, ao longo da história, essa instituição não tem conseguido adentrar nos ouvidos daqueles que se diz representar. Mas, antes de se partir para o ataque, se faz fundamental, para não cair no mesmo deslize daqueles que se pretende combater, buscar, no seio e ao redor do alvo, as razões pelas quais se atribui tais deslizes.

É preciso, para se evitar a impertinência do discurso vazio – anódino-, entrar no labirinto das razões e emoções que norteiam as relações humanas, como quem quer achar o fio do novelo na anedota de Ariadne. Esse pressuposto, ao contrário do que pode parecer, não significa buscar os mais comezinhos, e indigestos, motivos individuais que, para quem se pretende fazer tal análise, certamente não trará absolutamente nada de necessário ao que se propõe.

Assim, a análise e a crítica devem objetivar: primeiro entender o processo ou processos com que se deu o deslize - para tanto, não se poderá esquecer de se colocar, sob pena de má fé analítica, no momento histórico com que se entende o deslize. É nesse momento que, para uma análise isenta e desapaixonada, se impõe a auto-crítica, pois, não se dar esse direito, por vaidade e ou orgulho, não parecerá provindo de imparcialidade. Segundo, para que a crítica tenha fundamento e possa significar um contributo ao debate, não se pode deixar de lado a crença na divergência como alicerce para a busca do consenso. Consenso construído no debate e respeito às opiniões opostas, todavia, não significando enquadramento; tão comum ao pensamento sectário, quando, não conseguindo vencer, dedica-se a desqualificar o outro de modo rasteiro e desleal. Comportamento esse que tem sido a principal razão para a descrença generalizada. Terceiro, enquanto isso, o inimigo verdadeiro, aquele a quem, em princípio, ambos querem combater, fica esquecido e livre para impingir suas armas. Noutras palavras, fazer a crítica sempre, porém, no momento derradeiro do combate juntarem-se, afinal, se auto-digladiar, tornará o inimigo comum mais forte.

A essa co-responsabilidade política, implica deixar as diferenças de lado, ainda que momentaneamente, para que o interesse coletivo, e esse deve ser o norte da luta empreendida, tenha relevância para o combate numa busca para a superação e extinção das desigualdades. É nesse universo, e não poderá ser de outra maneira, que se dará o bom combate, posto que, haja vista as lições que a história nos deixou, quando se empreendeu lutas individuais todos perderam e a reconquista dos espaços perdidos, quando não se caminhou para a degeneração geral, não se deu de maneira sadia e pacífica.

Então, de volta ao começo, a descrença naquilo que se pode denominar partido, ou seja, a descrença na possibilidade da luta conjunta e precisa da identificação do inimigo comum, favorecerá as forças contra as quais parecem ambos quererem superar, ainda que, à primeira vista, soe mera contingência relevante do processo. A esse deslize sabemos que o engalfinhamento mútuo em nada trará de benéfico, pois, fosse o contrário, a colcha de retalhos com que parece a esquerda só tem favorecido a direita; essa sim, coesa e totalmente unida para seu projeto de dominação.