Reflexões sobre a ciência nos novos tempos
Desde que os testes de QI começaram a ser aplicados, em todas as partes do mundo, tem-se notado um sistemático incremento na pontuação alcançada neles. Esse aumento é de aproximadamente 3% a cada década, correspondendo a uns 40% por século. E, provavelmente, decorre de causas culturais e também intrínsecas.
Suponha que a pontuação da população em testes de QI tenha aumentado uns 40%, após um século. É esperado, então, que essa população produza uma ciência um pouco diferente da produzida anteriormente. Já foi apontada uma diferença entre o modo de pensar de 100 anos atrás e o atual. Os antigos exigiam, usualmente, um tratamento caso a caso de cada questão, um enfoque direto, sem generalizações, ou abstrações. Talvez esse modo de ver o mundo tenha imperado em várias áreas daciência, penso especialmente na biologia. A física, por exemplo, sempre se baseou em grandezas altamente abstratas e gerais, como massa e energia, nunca se preocupando com objetos individuais, apenas com os genéricos e abstratos, como corpos materias.
De qualquer forma, os novos conhecimentos tendem a ser elaborados pelos mais inteligentes, de modo que as generalizações estão presentes há milênios no conhecimento humano.
Fruto de um enorme conjunto de circunstâncias, a ciência do século XX se pautou por uma ultra-especialização; os profissionais de cada área mergulhavam profundamente em seu próprio campo, esquecendo todos os demais. Depois produziam um conhecimento em um formato que só podia ser compreendido por outros que haviam mergulhado tão fundo quanto ele. Criaram-se inúmeros jargões, próprios de cada área, um linguajar só acessível aos iniciados, à maneira de seitas.
Ao contrário do ocorrido durante todo o tempo anterior, quando as pessoas cultas buscavam dominar todo o conhecimento humano, os cientistas do séc. XX, os detentores do conhecimento da época, se resignaram à ignorância que marcou esse período, mergulhando apenas em um único campo e esquecendo todos os demais.
Justificavam essa postura obtusa alegando que o conhecimento humano tinha aumentando enormente, tornando-se grande demais para ser abarcado por qualquer mente humana individual. De fato, os cientistas produziram uma enorme massa de dados durante esse período, grande o suficiente para impedir que qualquer pessoa conseguisse digerir tamanho conteúdo. Esses dados, no entanto, eram, em sua imensa maioria, absolutamente irrelevantes para a compreensão das teorias vigentes. Aliás, nenhuma revolução científica realmente digna desse nome ocorreu durante a segunda metade do século XX, talvez impedida pelo sistema conservador vigente. (A mecânica quântica, provavelmente a última delas, iniciou-se no começo do séc.XX, consolidando-se na década de 30).
Durante as últimas décadas do séc. XX, algumas pessoas passaram a se rebelar com a quase imposição de ignorância então vigente, passando a se imiscuir em todos os campos do conhecimento, em especial naqueles já relativamente estruturados. Buscavam o domínio das teorias vigentes nas várias áreas, do núcleo estrutural do conhecimento, sem se importar com a extensa massa de dados gerada diariamente (verdadeira poluição intelectual).
Essas pessoas, oriundas de outras áreas, tendem a “traduzir” as ideias de cada campo, despojando-os dos jargões sectários. Creio ter sido a biologia evolucionária a primeira a ter recebido tal aporte, tendo sido imensamente divulgada mesmo fora dos domínios profissionais. As pessoas cultas hoje, nesse início de séc.XXI têm uma visão muito mais coesa e estruturada da biologia do que o tinham os biólogos de apenas 3 décadas atrás. A afirmação acima pode parecer estarrecedora, mas durante a década de 80 cada biólogo conhecia apenas sua própria área, como a botânica, ou a biologia molecular, desconhecendo quase completamente as conexões entre as diversas subáreas, desconhecendo quase totalmente a evolução.
A decodificação e divulgação do conhecimento evolutivo consistiu no primeiro passo em direção à desbabelização, característica marcante da ciência dos novos tempos.
Conta a bíblia que os homens haviam resolvido erguer uma imensa torre até o céu, mas Jeová desceu e os confundiu, fazendo-os falar línguas diferentes.
A ciência do século XX gerou também uma fortíssima babelização, impedindo que os cientistas de áreas diversas conseguissem se comunicar uns com os outros. Mesmo entre as diversas subáreas era comum a existência de tal impedimento.
Existe agora, no entanto, uma fortíssima tendência em sentido contrário. Durante mais de um século as diversas comunidades científicas agiram em isolamento, produzindo vasto conhecimento inacessível aos não-iniciados. Parece bastante óbvio que a apropriação e incorporação dos conhecimentos desenvolvidos em outras áreas tendem a facilitar os desenvolvimentos de cada um dos campos.
Talvez essa nova característica seja o principal fruto do aumento da inteligência média das populações. Pessoas inteligentes, capazes de entender as diversas teorias, ansiosas por compreender o mundo ao redor, tornam-se cada vez mais comuns. Insurgem-se contra as restrições sectárias impostas pelos detentores do poder em cada área, e se libertam da necessidade do uso de jargões específicos criados com o intuito de compreender determinadas questões, mas resultantes em empecilhos para a compreensão dos demais. O descarte sumário de tais jargões, ou sua popularização, quando absolutamente necessário, juntamente com sua tradução para o palavreado comum consistem na desbabelização das ciências, no retorno a uma era de compreensão holística, de todo o conhecimento científico significativo por parte dos cidadãos cultos.
A rebelião incluirá a produção livre de ideias, de modelos passíveis de apropriação e incorporação pelas diversas áreas. O novo modo de produção científico se mostrará extremamente fértil, inundando, de imediato, as áreas mais isoladas e desconexas. Haverá a oposição dos detentores do poder em cada área, eles se verão ameaçados pelos ventos de mudança; mas essa tentativa reacionária de manutenção do poder será varrida inexoravelmente pelas forças avassaladoras oriundas dos novos tempos. A nova inteligência não poderá ser contida. E, em breve, todas as áreas serão uma só, embora múltipla.