Livres, juntos...

A doce Liberdade se aproximou. Sua silhueta era exaltada pela luz do astro que irradiava lá de fora. Contornada pela luz solar. Dona de luz própria. Uma estrela de brilho único na Terra. Uma estrela na vida do apaixonado guri. Dividiam um sorriso e a animação do reencontro. Envolveram seus braços em um abraço. Estavam perto um do outro novamente. Encontraram os olhares; profundos, fitando o brilho dos olhos, o íntimo da alma.

Trataram de logo comprar a passagem de volta do alemão; Berto não podia - apesar de querer - perder o horário. As mãos se juntaram em um entrelaçar de dedos e os uniram. Conectados pelas mãos, pelo coração. Humberto fitou seus olhos e cílios, ambos os mais belos que já vira. Cada passo dado ao lado dela era um motivo para continuar andando; uma nova conquista a cada pequeno passo em direção ao amanhã. Enquanto fossem juntos, iriam bem. Conversavam sobre a viagem do molecote até a cidade da doce guria, sobre a chuva de mais cedo e como era bom o reencontro. Aquela doce voz ressoava tão de perto. Ternura. Doçura. O alívio imediato de estar tão próximo dela transbordava-lhe o semblante, o desejo de abraçá-la e dizer uma vez mais que estavam longe de tudo - próximos apenas um do outro. A vontade de provar-lhe os lábios doces e entregá-la suspiros. Era ela um dos motivos da vida ser tão bela. Era com ela que Humberto queria dividir a vida, fosse como fosse, no sufoco e no sossego, sem pressa e para sempre.

(*)

O próximo ônibus que partiria em direção à casa da Liberdade só sairia às nove e vinte. Tinham de esperar um pouco na plataforma da estação. Entre eles alguns "silêncios", algumas palavras e diálogos soltos. Tão próximos a ponto de colar um coração no outro. Tão próximos. Tão silenciosos. Tão (ainda) tímidos. Tudo era novo, de novo. Descobriam-se a cada olhar, a cada toque, a cada momento juntos. O guri ajeitava algumas mechas de cabelo atrás da orelha pequena, adornada de delicados brincos. Acariciava sua bochecha levemente rosada. Do pescoço corria um colar com um pingente também delicado. Humberto leu seu nome no grão de arroz banhado pelo líquido azul. Sorriu com o canto da boca e encostou teus lábios na testa pequena da garota. Dava-lhe alguns beijinhos pelo rosto.

- Quando eu digo que vou até o Oiapoque só para estar perto de você, eu falo sério... - colou os lábios a sua orelha esquerda; estavam abraçados, face contra face, coração contra coração, um pelo outro.

- Eu sei... Se você não fugiu até agora - riram - acho que não foge mais... E nós dois vamos dar nosso jeito, juntos...

- Sempre juntos...

- Sempre...

Sentaram-se no quinto banco da esquerda, ela à janela, ele ao seu lado. As mãos abraçadas. Humberto estava ansioso para conhecer a família da guria. O que se passava do lado de fora da janela, do ônibus, pouco importava para o molecote. Ele se perdia naqueles olhos. Olhos dotados de brilho e de vida, verdes feito a mais intocada e pura mata, floresta imponente e cheia de maravilhas naturais. Universos - multiversos - verdes em expansão, infinitos pela impossibilidade de mensurar o tamanho de sua beleza. Os mais elogiosos adjetivos não seriam suficientes para descrever como aquele olhar era lindo.

(*)

Oh yeah, I´ll tell you something

I think you´ll understand

When I say that something

I wanna hold your hand...

(*)

O pequenino estendeu a pequena mão e tentou chacoalhar seu braço em um firme aperto de mão. O alemão se rendeu a brincadeira e disse que com aquela força acabaria perdendo o braço. O pequeno riu. O maiorzinho era de poucas palavras, mas ainda assim simpático. Adolescia, parecendo até mais velho que o molecote - já tinha parte da face coberta de barba. A mulher de feição carinhosa e receptiva os esperava na sala de estar. Sorriu e acolheu o guri em sua casa com um abraço; era um abraço reconfortante e sincero. Humberto entregou a ela a pequena lembrança que trouxera para a família. Uma caixa de bombons natalinos. Ao que pareceu fora uma escolha apreciada pelos alegres moradores da casa, membros daquela família que, para o guri, pareceu ser muito feliz. Estava feliz de estar ali, junto deles, naquele momento. Estava feliz por estar com ela, junto dela, em todos os momentos.

Provou do chimarrão. Amargo, porém agradável ao paladar do molecote. Lembrava muito um chá, porém sem a doçura esperada do mesmo. Parte da tradição sulista. Herança da história. O almoço, preparado pela jovem mulher de feição acolhedora, estava muito gostoso, em especial o frango assado. Tentou imaginar com o que a mãe da guria havia temperado a carne. A torta de abacaxi estava deliciosa, também e, doce, na medida certa.

Humberto e a doce Liberdade estava sentados juntos ao sofá. Assistiam a um musical, Across The Universe, com músicas e canções dos "garotos de Liverpool". Théo, o menor, brincava ao lado deles, desenhando. O irmão do meio estava na cozinha, junto da mãe, arrumando as coisas que restaram do almoço. De mãos dadas, o apaixonado guri acariciava a pequena mão com seus dedos. Ela se acomodou ao abraço do molecote. Seus lábios se encontraram e ali se conectaram. Estavam unidos pelas mãos, pelo abraço, pelo beijo, pelo coração. O coração de Berto batia no ritmo de um bolero. Forte. Marcante. Pulsava. O silêncio e o carinho. O carinho invadia os dois e se estendia pelos seus lábios que dançavam juntos, pelos toques e carinhos nas faces. Abraçados ficaram. Perto um do outro. Queria tanto que ela pudesse ouvir o bater de seu coração para que soubesse que cada sístole, cada diástole acontecia por causa dela, para ela. Encaixaram-se no contorno de seus corpos. Ela recostou sua cabeça no espaço entre o pescoço e ombro, ele ao dela. Trocavam carícias ainda. O mel daqueles lábios ainda úmidos pelo recente assassinato da saudade e da vontade, selava o gostar profundo de ambos. Queria fazê-la tão feliz. Tão plenamente feliz. Tão livre. Tão livres. Juntos. Tão juntos...