Por Uma Internet Livre

No início deste ano, mais do que nunca, os debates sobre a regulamentação ou não do uso da Internet estão na pauta do dia. Recentes medidas tomadas por um juíz brasileiro que ordenou o bloqueio do site YouTube (devido a veiculação do vídeo que mostra a prática sexual da modelo Daniele Cicarelli e namorado em uma praia pública) apenas conseguiram deixar claro que a rede cumpre o papel a que foi destinada: uma rede de comunicação mundial que não pode ser destruída ou interrompida. Mesmo com o bloquei do YouTube, o site ainda podia ser acessado através de proxy e o vídeo continuava sendo distribuído por outros sites, por MSN, por e-mail e por outros meios.

As origens da Internet estão na Segunda Guerra Mundial quando, frente aos perigos das nações inimigas, cientistas passaram a desenvolver um meio de comunicação seguro, que pudesse ser utilizado mesmo em casos de grandes crises, ou mesmo de derrotas. A Internet, portanto, nasceu para ficar imune a qualquer tipo de controle, para ser livre. A liberdade de expressão ou de veiculação, no entanto, ao longo dos tempos, tem se mostrado uma utopia. Não existe nenhuma forma direta ou indireta de agrupamento social que não obedeça regras baseadas nos princípios da tradição cultural ou nas necessidades de manutenção da ordem social. Independente de respeitá-las ou não os indivíduos vivem sob influência destas regras, de forma consciente ou não.

Se a liberdade na Internet apenas contasse com um lado benéfico não seria questão controlá-la. Mas, não é isso o que acontece. Nos últimos anos têm sido constantes as denúncias de mal uso da rede que vão da prática do crime organizado para roubos de dados bancários, passando pela atividade de aliciamento de menores, difamações, pirataria e várias outras igualmente prejudiciais a indivíduos e sociedade. Diante de todos esses fatos torna-se evidente que uma forma de regulamentação é inevitável e ficam as questões: o homem sabe aproveitar a liberdade que tem? toda forma de controle é necessariamente negativa?

Em resposta à segunda questão, se pode tomar como exemplo as práticas acadêmicas. Universidades são instituições originadas ainda na escolástica, quando se passou a organizar e transmitir o conhecimento humano acumulado. Hoje, no interior dos ambientes educacionais há métodos a serem utilizados, regras a serem respeitadas e toda uma organização para que se atinja o objetivo de transmitir conhecimento e cultura. Em outras palavras, há controle exercido no sentido de se atingir o progresso técnico e científico com base nos conceitos e fundamentos desenvolvidos por nossos antepassados. Deveríamos fugir do “controle” das entidades de ensino para alcançar a “liberdade”?

Por outro lado, “liberdade” tem uma conotação subjetiva que é alvo de inúmeros debates filosóficos. A maior liberdade é a de pensamento, pois este não pode ser vigiado ou controlado. Mas mesmo este não está livre da influência das mais diversas ideologias, de um conjunto de idéias que são inculcadas como verdadeiras, mas que escondem o favorecimento às ambições de grupos específicos. As ideologias estão nos livros escolares, nos métodos de ensino e influenciam o pensamento das crianças desde que elas passam pela porta de entrada das entidades de ensino. Os livros de história geralmente são escritos sobre uma abordagem marxista, os autores seguem a linha de pensamento que aponta a evolução histórica com base nas relações de trabalho e nas causas econômicas. Como conseqüência consideramos que é a economia que tem que reger a história e daí se legitima todo o materialismo da sociedade atual.

Tomar consciência das ideologias e de como elas influenciam no nosso próprio modo de ser e de existir é o primeiro passo para o pensamento livre. Só é livre quem conquista o pleno conhecimento de si mesmo e de suas reais motivações, quem escolhe as próprias regras e faz uso do livre arbítrio (em sentido ampliado), quem independe do grupo social ou de opiniões individuais em nome da própria individualidade, porém, “individualista” é um termo até mesmo pejorativo hoje em dia. Por aí, se percebe que a liberdade na Internet independe dos meios de controle de acesso e uso. O indivíduo que lê o que aparece no monitor e se utiliza do teclado para expressar as suas idéias só é livre quando é consciente, senão é um autômato, um ser sem auto-domínio, cuja individualidade está morta. Uma Internet desregulamentada, para ele, é uma ilusão de liberdade.

Defender uma Internet livre significa, então, antes de tudo, defender uma educação que prime pela real liberdade de pensamento, pela consciência crítica, pelo ensino das técnicas de comunicação e das armadilhas ideológicas do mundo globalizado, selvagemente materialista, imediatista e comercial. A Internet é apenas um instrumento, de forma nenhuma mais do que isso. Os crimes pela Internet são um reflexo da nossa sociedade moralmente decadente e desorientada, não porque o ser humano é irremediavelmente ruim e sim porque a desorientação está em todos os âmbitos, seja na disputa selvagem por um emprego ou na busca por compreensão, companheirismo e amor.