Capítulo XIII- O fim do Templo
Por todos os reinos cristãos, onde os templários atuavam, os monarcas, antes reticentes em prender e processar os cavaleiros que os havia servido tão bem até então, cairam como urubus sobre a carniça em cima dos bens da Ordem. Por toda parte, e ás pressas, para evitar que os reis fiquem com a parte do leão, a Igreja promove concilios e nomeia comissões para julgar os Irmãos existentes em seus territórios e expropriá-los de seus bens. Começa então, a apoteose de todo processo de Inquisição levado a cabo para o julgamento de uma heresia. O processo deixa de ser uma ação jurídica para se tornar um auto de fé. Os Templários impenitentes começam a ir para a fogueira.
Só então os Irmãos, vendo que nada mais restava a fazer no campo jurídico, começam a pegar em armas para defender as próprias vidas. Em Aragão trava-se um renhida batalha.Os templários são atacados pela tropa do conde Artaut de Luna. Vencidos, são encarcerados e julgados. Acabam sendo considerados inocentes após um processo conduzido pelo arcebispo Gonzales. Todavia, a supressão da Ordem e a destinação dos seus bens ficarão para ser decididos no Concílio que o Papa convocou para os meados de outubro de 1311.
Em Chipre, onde a presença templária ainda era muito forte na época em que a ordem de prisão foi emitida, houve resistência armada. Vencidos, porém, eles foram aprisionados e julgados, e no fim, após um julgamento onde predominaram mais as questões políticas que envolviam as dinastias dominantes na ilha, do que os fatos e o direito, a Ordem foi proibida de atuar, e a maioria dos seus membros condenados á morte. Sobraram poucos para a fogueira, pois a maioria morreu na prisão em virtude das torturas e das doenças.
Na Itália, a variedade de reinos e principados, com diferentes filiações políticas, o processo dos Templários produziu resultados diversos. Nos estados onde seus mandatários tinham alguma relação de vassalagem, ou estavam politicamente influenciados por Filipe, o Belo, os templários foram julgados com rigor. As confissões extraídas sob tortura justificaram o provimento de algumas sentenças capitais. Em outros, onde a influência Papal não se fez valer, os Irmãos do Templo foram tratados com benevolência, em em muitos casos, inocentados.
Nos territórios do império romano-germânico também se agiu como na Itália. Onde a influência papal era grande e seus príncipes tinham alguma relação de influência com Filipe o Belo, os templários foram condenados sem piedade. Naqueles onde essa influência não era tão marcante, as sentenças foram favoráveis, como na Província do Reno, em Mogúncia e em Trier, onde a maioria foi inocentada.
Na Espanha, particularmente no reino de Aragão, a presença templária era bastante significativa. A Ordem tinha sido uma das principais aliadas dos reis aragoneses na reconquista das terras espanholas aos mouros.
Quando o rei Jaime II recebeu a carta do Papa solicitando a prisão dos templários, ele, em princípio, pensou em desobedecer. Ele tinha um grande respeitos pelos cavaleiros do Templo, que em sua opinião “ “viviam de uma forma digna de louvor como religiosos, até agora, neste país, e nenhuma acusação de desvio da fé foi feita contra eles aqui; pelo contrário” disse o rei, em resposta ao pedido do Papa, “ durante nosso reinado nos tem prestado fielmente grandes serviços em tudo quanto lhes temos solicitado, na repressão,dos inimigos da fé.”
Mas o rei Jaime, como os demais monarcas da cristandade estava de olho mesmo, era nos bens do Templo. Assim, quando recebeu a notícia de que os templários, e o próprio Grão-Mestre do Templo, Jacques de Molay, haviam reconhecido a veracidade das acusações, ele se pos a campo para se apropriar dos bens da Ordem, antes que a Igreja o fizesse.
Mas diferente da França, onde praticamente não houve resistência á prisão, na Espanha, a supressão da Ordem e a prisão dos seus membros não foi tão fácil. Os templários não se entregaram sem luta, e somente depois de um encarniçado conflito, que durou até maio de 1309, a última fortaleza templária em Espanha, em Miravet, foi tomada.
O processo contra os templários em Espanha não deu os mesmos resultados que em França, para surpresa do Papa Clemente V e aborrecimento de Filipe, o Belo. Em Aragão a tortura era proibida por lei e por isso nenhuma confissão foi arrancada.No resto da Espanha, em lugares como Tarragonna, Valência e Barcelona, onde o Papa ordenou pessoalmente o uso da tortura, também não se obteve nenhum depoimento que reconhecesse a veracidade dos crimes que estavam sendo imputados aos Irmãos.
Da mesma forma foi conduzido os inquéritos em Leão, Astúria, Castela e Portugal, reinos de profunda fé católica, mas também de arraigada tradição templária, onde os pobres cavaleiros de Cristo possuiam uma respeitada história de luta em defesa da fé cristã.
Na Inglaterra, o rei Eduardo II, genro de Filipe, também tinha recebido as ardens do Papa para prender e processar os templários. Igualmente, havia sido incitado por seu poderoso sogro francês a agir como ele havia feito em seu país. O rei Eduardo II, ele mesmo um sodomita assumido, em princípio não acreditou. Afinal, como na Espanha e outros reinos da Europa, os templários haviam conquistado uma aura de nobres e santos cavaleiros, a serviço da causa cristã. O próprio rei Ricardo, o Coração de Leão, havia se valido dos seus serviços, não só como força de combate, mas também como financiadores de campanhas militares, banqueiros, armadores, etc. E todos os reis ingleses, desde então, tinham usado os serviços do Templo, que representava um importante papel na estrutura administrativa da Inglaterra, Escócia, Irlanda e País de Gales.
Ademais, o Templo não tinha, nas ilhas, a mesma força econômica que ostentava na França. Suas posses eram consideravelmente menores em teritório inglês. Havia ali mais representividade política do que importância militar e econômica. Assim, os reis da Inglaterra tinham menos razão para se preocupar com os templários do que seus parentes reais franceses.
Por outro lado os mestres do Templo sempre gozaram de bom prestígio com a coroa inglêsa. Jacques de Molay mantivera uma calorosa relaçao de amizade com Eduardo I e o mestre inglês,Guilherme de La More, fora seu conselheiro. Dessa forma, Eduardo II, ele mesmo, acusado de manter costumes não muito apreciados pela moral corrente, não podia acreditar que aqueles monges cavaleiros, que haviam prestados relevantes serviços á coroa inglesa, fossem culpados de tais crimes. Chegou até a escrever ao seu sogro, Filipe, o Belo, e aos reis de Aragão, Nápoles, Castela e Portugal, expressando sua opinião, o que deve ter tirado desses monarcas um sorriso de escárnio, pois certamente pensaram, imediatamente, que tais opiniões deviam estar sendo manifestadas por solidariedade, já que o jovem monarca inglês, naquele momento, estava tendo as muitas dificuldades com seus súditos por causa do seu caso de amor com o cavaleiro Gaveston.
Mas Eduardo II não era homem para peitar o Papa e arrumar encrenca com o clero, como seus antecessor Henrique II fizera. Então, ao receber a carta do Papa, mandando prender e processar os templários inglêses, ele permitiu a detenção dos cavaleiros do Templo, mas ordenou que a eles não se aplicasse nenhum procedimento que os atingisse fisicamente.
Destarte, o Mestre inglês e seus mais altos dignatários foram detidos e encarcerados na catedral de Canterbury, em regime de prisão domiciliar. À maioria dos preceptores deu-se o privilégio de responder em liberdade as acusações, e só dois anos mais tarde foram chamados perante um tribunal de Inquisição.
Só no dia 13 de setembro de 1309, chegaram à Inglaterra dois inquisidores nomeados pelo Papa. Mas na Inglaterra não havia o interesse político que esse processo despertava na França e assim, as autoridades inglesas não prestaram a eles nenhuma ajuda. Depois, o procedimento processual era diferente, pois os interrogátórios tinham que ser feitos perante um corpo de jurados, composto por membros do clero e autoridades seculares, sendo proibida a tortura como forma de extrair confissões. Em consequência, os dois inquisidores voltaram para a França, frustrados por não poderem levar aos seus chefes nenhuma informação de relevo.
Mas os inquisidores não desistiam tão fácilmente.Sabendo que daquela forma não iriam conseguir nada, obtiveram do rei Eduardo II, certamente por influência de seu sogro Filipe, e talvez do próprio Papa, a autorização para usar de tortura. O rei concordou, mas nem assim a inquisição prosperou em terras inglesas, pois o máximo que se conseguiu apurar, mesmo depois da tortura, foram insinuações de que os cônegos templários concediam, por sua própria conta, o perdão pelas trans-gressões cometidas pelos Irmãos, coisa que só competia ao clero regular.
Mas o que mais incomodava Clemente V era a relutância que o Rei Eduardo II mostrava em permitir a transferência dos bens do Templo para a Igreja. Enquanto o Papa sustentava que esses bens pertenciam à Santa Sé, pois o Templo era uma Ordem monacal, o rei contestava dizendo que os bens haviam sido doados á Ordem pela nobreza e pelo povo inglês, e se ela fosse dissolvida, deveria voltar aos seus legítimos donos. Essa era uma posição com a qual, evidentemente, nenhum nobre inglês discordava.
Então foi a vez do Papa pressionar seus bispos e arcebispos na Inglaterra a agir com mais rigor. A pressão também veio de Filipe, sobre os nobres ingleses, muitos deles possuidores de terras na França, e por isso mesmo vassalos do rei francês.
O Papa, vendo que suas pressões não estavam dando resultado, pois o processo continuava moroso e sem o resultado que ele queria, solicitou ao rei inglês que transferisse os prisioneiros para serem julgados na França. Expediu até uma bula, a Faciens misericordiam, ameaçando os clérigos inglêses que assistiam no processo como jurados, de cumplicidade com os acusados, de vez que, como ele entendia, suas culpas já estavam formadas.
Os membros do Concílio provincial de York, encarregados do processo, se viram em terrivel impasse: de um lado não se sentiam bem em condenar pessoas que eles achavam inocentes, de outro não podiam confrontar o Papa. A solução foi uma chicana jurídica. Pediu-se aos acusados que “reconhecessem as denúncias que contra eles eram apresentadas, e que eles declarassem que as mesmas constituiam grave difamação, para ás quais eles não tinham condições de apresentar defesa que os exculpassem; em consequência, submetiam-se á Graça divina e á decisão do Concílio.”
Dessa forma, reconciliavam-se com a Igreja e obtinham a absolvição, podendo viver em ordens monásticas. Foi assim que a maioria dos templários ingleses, inquiridos naquele Concílio, tornaram-se monges e preservaram suas vidas e liberdade.
No restante das ilhas britânicas o resultado não foi muito diferente.Os poucos templários que se propuseram a dizer alguma coisa contra a Ordem eram fugitivos que foram capturados e torturados, mais como crimnosos comuns do que como egressos do Templo. Sob tortura, admitiram que haviam negado Cristo e cuspido na cruz. Quase todos expressaram arrependimento e aceitaram a fórmula proposta aos templários ingleses. Assim, foram absolvidos e reconciliados com a Igreja. Tornaram-se monges. Somente os dois grandes dignatários da Inglaterra, o Mestre Guilherme de La More, e o preceptor de Auverne, Imbert Blanke, insistiram na sua inocência e negaram veeementemente as acusações. Em consequência, foram aprisionados na Torre de Londres para aguardar a misericórdia do Papa. Ambos morreram na prisão antes de Clemente V emitir qualquer decisão a respeito deles.
O Concílio de Vienne, convocado para início em 16 de outubro de 1311, pretendia analisar e tomar decisões sobre os três assuntos que mais preocupavam a cristandade naqueles primeiros anos do século XIV. Esses assuntos eram a realização de uma nova cruzada, a reforma da Igreja, cujo clero, atolado em meio a denúncias de corrupção, não mais inspirava confiança no povo, e a supressão da Ordem do Templo.
Clemente já havia decidido que a Ordem seria suprimida. Acertado com o Filipe, o Belo, a questão de quem ficaria os bens do Templo na França – e com os demais reis as soluções já estavam sendo encaminhadas – ele agora só precisava convencer os membros do Concílio da culpabilidade dos templários.
Essa era uma coisa que estava longe de ser conseguida nos termos do processo. Na verdade, a maioria dos prelados estava a favor da Ordem, e somente os bispos franceses, naturalmente influenciados por Filipe, se batiam pela sua condenação.
A coisa se complicou, pois o Papa havia concordado que os templários que quisessem poderiam ir a Viennes para defender a Ordem. Ele esperava que ninguém se propusesse a isso, já que acreditava no temor que eles tinham, de, em se apresentando espontaneamente, acabarem todos presos. Todavia, em fins de outubro, sete templários se apresentaram, na qualidade de procuradores de outros dois mil, que supostamente estariam estacionados nas proximidades da cidade, para defender a Ordem.
Essa era uma mentira, mas como elemento de pressão, funcionou. A notícia provocou uma verdadeiro pânico na cidade e nos membros do Concílio, pois se temia que uma invasão dos templários fosse imininente. O Papa, entretanto, num rasgo de coragem, ordenou a prisão dos sete, e deixou para uma comissão de bispos do Concílio a decisão de permitir ou não que os Irmãos se defendessem perante o Concílio.
Ao saber que a maioria dos bispos estava propensa a aceitar uma defesa formal dos templários, o rei Filipe reuniu imediatamente a assembléia dos Estados Gerais de França, em Lyon, cidade que ficava a vinte quilometros de Vienne. Era uma clara demonstração de que o rei da França não iria aceitar qualquer outra decisão que não fosse a supressão da Ordem do Templo. Foi assim, que a 20 de março de 1312, seis meses depois de iniciado o Concílio, ele, acompanhado pelos seus ministros Enguerrand, Nogaret e Gulherme de Plaisans, e mais Carlos de Valois e Luís de Evreux, seus dois irmãos, e seus três filhos, Luís, Filipe e Carlos, á testa de um forte contingente de homens armados, ocupou a cidade de Viennes, para pressionar os membros do Concílio.
A pressão deu resultado. A 3 de abril, o Papa aceitaria finalmente o parecer de dois bispos, Jacques Duéze, bispo de Avignon (que seria o futuro Papa João XXII), e Guilherme Le Maire, bispo de Angers, que propuseram que a Ordem do Templo fosse extinta, pura e simplesmente de plenis potestates pelo Papa, pois que este, sendo o Chefe da Igreja, tinha esse poder. Assim, esses bispos estavam propondo, simplesmente que o Papa passasse por cima das opiniões dos bispos e extinguisse a Ordem num ato unilateral, autoritário e onipotente.
Foi o que ele fez, através de uma simples bula, Vox in Excelso, na qual se dizia que a Ordem do Templo estava sendo extinta, não “por uma sentença judicial, mas por meio de uma provisão apostólica, por causa da suspeita, infâmia, insinuação clamorosa e outras coisas que foram aduzidas contra a Ordem.”
Dessa forma, A Ordem do Templo foi extinta sem que se provasse, em processo regular, a culpa pelos crimes que lhe foram imputados.
Uma outra bula, Ad providam, determinava que os bens do Templo, em França, fossem adjudicados aos Hospital de São João. Isso, todavia, como vimos, era pro-forma. A maioria dos bens da Ordem já haviam sido tomados por Filipe.
Mais tarde, os bens do Templo, nos demais reinos da Europa, tiveram a sua destinação decidida. Na Inglaterra, ocorreu praticamente a mesma coisa que em França. Os bens dos templários foram destinados ao Hospital de São João, mas na prática acabaram sendo confiscados por Eduardo II. Em Aragão, o rei Jaime criou uma nova Ordem – a Ordem de Calatrava – para recepcionar parte dos bens que ele, pessoalmente confiscou. O restante foi adjudicado ao Hospital. Na prática, porém, os templários continuaram atuantes na Espanha através dessa nova Ordem.
Em Portugal, o rei Don Dinis criou uma nova Ordem militar, a Ordem dos Cavaleiros de Cristo, que recepcionou todos os bens dos templários e praticamente continuou a sua existência através dessa nova organização. Todos os bens do Templo continuaram a servir ao propósito paa os quais foram doados. Porque, daquele momento em diante, principalmente em Portugal e Espanha, as atenções já não se voltavam mais, exclusivamente para a Terra Santa. Os principes de Espanha e Portugal haviam descoberto um novo foco de interesse ao leste. Pressionados pelo avanço dos turcos otomanos, que fechavam as passagens marítimas e terrestres pelo Mar Mediterrâneo e pelo interior do continente, foi preciso começar a procurar um caminho para o Oriente navegando para oeste. Assim, o tesouro dos templários e a sua grande experiência em navegação e comércio seriam o sustentáculo do formidável movimento que resultaria nas grandes navegações que dariam origem ao mundo moderno
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Da obra "Filhos da Viúva", Conspiração dos Templários", título provisório, no prelo.
Por todos os reinos cristãos, onde os templários atuavam, os monarcas, antes reticentes em prender e processar os cavaleiros que os havia servido tão bem até então, cairam como urubus sobre a carniça em cima dos bens da Ordem. Por toda parte, e ás pressas, para evitar que os reis fiquem com a parte do leão, a Igreja promove concilios e nomeia comissões para julgar os Irmãos existentes em seus territórios e expropriá-los de seus bens. Começa então, a apoteose de todo processo de Inquisição levado a cabo para o julgamento de uma heresia. O processo deixa de ser uma ação jurídica para se tornar um auto de fé. Os Templários impenitentes começam a ir para a fogueira.
Só então os Irmãos, vendo que nada mais restava a fazer no campo jurídico, começam a pegar em armas para defender as próprias vidas. Em Aragão trava-se um renhida batalha.Os templários são atacados pela tropa do conde Artaut de Luna. Vencidos, são encarcerados e julgados. Acabam sendo considerados inocentes após um processo conduzido pelo arcebispo Gonzales. Todavia, a supressão da Ordem e a destinação dos seus bens ficarão para ser decididos no Concílio que o Papa convocou para os meados de outubro de 1311.
Em Chipre, onde a presença templária ainda era muito forte na época em que a ordem de prisão foi emitida, houve resistência armada. Vencidos, porém, eles foram aprisionados e julgados, e no fim, após um julgamento onde predominaram mais as questões políticas que envolviam as dinastias dominantes na ilha, do que os fatos e o direito, a Ordem foi proibida de atuar, e a maioria dos seus membros condenados á morte. Sobraram poucos para a fogueira, pois a maioria morreu na prisão em virtude das torturas e das doenças.
Na Itália, a variedade de reinos e principados, com diferentes filiações políticas, o processo dos Templários produziu resultados diversos. Nos estados onde seus mandatários tinham alguma relação de vassalagem, ou estavam politicamente influenciados por Filipe, o Belo, os templários foram julgados com rigor. As confissões extraídas sob tortura justificaram o provimento de algumas sentenças capitais. Em outros, onde a influência Papal não se fez valer, os Irmãos do Templo foram tratados com benevolência, em em muitos casos, inocentados.
Nos territórios do império romano-germânico também se agiu como na Itália. Onde a influência papal era grande e seus príncipes tinham alguma relação de influência com Filipe o Belo, os templários foram condenados sem piedade. Naqueles onde essa influência não era tão marcante, as sentenças foram favoráveis, como na Província do Reno, em Mogúncia e em Trier, onde a maioria foi inocentada.
Na Espanha, particularmente no reino de Aragão, a presença templária era bastante significativa. A Ordem tinha sido uma das principais aliadas dos reis aragoneses na reconquista das terras espanholas aos mouros.
Quando o rei Jaime II recebeu a carta do Papa solicitando a prisão dos templários, ele, em princípio, pensou em desobedecer. Ele tinha um grande respeitos pelos cavaleiros do Templo, que em sua opinião “ “viviam de uma forma digna de louvor como religiosos, até agora, neste país, e nenhuma acusação de desvio da fé foi feita contra eles aqui; pelo contrário” disse o rei, em resposta ao pedido do Papa, “ durante nosso reinado nos tem prestado fielmente grandes serviços em tudo quanto lhes temos solicitado, na repressão,dos inimigos da fé.”
Mas o rei Jaime, como os demais monarcas da cristandade estava de olho mesmo, era nos bens do Templo. Assim, quando recebeu a notícia de que os templários, e o próprio Grão-Mestre do Templo, Jacques de Molay, haviam reconhecido a veracidade das acusações, ele se pos a campo para se apropriar dos bens da Ordem, antes que a Igreja o fizesse.
Mas diferente da França, onde praticamente não houve resistência á prisão, na Espanha, a supressão da Ordem e a prisão dos seus membros não foi tão fácil. Os templários não se entregaram sem luta, e somente depois de um encarniçado conflito, que durou até maio de 1309, a última fortaleza templária em Espanha, em Miravet, foi tomada.
O processo contra os templários em Espanha não deu os mesmos resultados que em França, para surpresa do Papa Clemente V e aborrecimento de Filipe, o Belo. Em Aragão a tortura era proibida por lei e por isso nenhuma confissão foi arrancada.No resto da Espanha, em lugares como Tarragonna, Valência e Barcelona, onde o Papa ordenou pessoalmente o uso da tortura, também não se obteve nenhum depoimento que reconhecesse a veracidade dos crimes que estavam sendo imputados aos Irmãos.
Da mesma forma foi conduzido os inquéritos em Leão, Astúria, Castela e Portugal, reinos de profunda fé católica, mas também de arraigada tradição templária, onde os pobres cavaleiros de Cristo possuiam uma respeitada história de luta em defesa da fé cristã.
Na Inglaterra, o rei Eduardo II, genro de Filipe, também tinha recebido as ardens do Papa para prender e processar os templários. Igualmente, havia sido incitado por seu poderoso sogro francês a agir como ele havia feito em seu país. O rei Eduardo II, ele mesmo um sodomita assumido, em princípio não acreditou. Afinal, como na Espanha e outros reinos da Europa, os templários haviam conquistado uma aura de nobres e santos cavaleiros, a serviço da causa cristã. O próprio rei Ricardo, o Coração de Leão, havia se valido dos seus serviços, não só como força de combate, mas também como financiadores de campanhas militares, banqueiros, armadores, etc. E todos os reis ingleses, desde então, tinham usado os serviços do Templo, que representava um importante papel na estrutura administrativa da Inglaterra, Escócia, Irlanda e País de Gales.
Ademais, o Templo não tinha, nas ilhas, a mesma força econômica que ostentava na França. Suas posses eram consideravelmente menores em teritório inglês. Havia ali mais representividade política do que importância militar e econômica. Assim, os reis da Inglaterra tinham menos razão para se preocupar com os templários do que seus parentes reais franceses.
Por outro lado os mestres do Templo sempre gozaram de bom prestígio com a coroa inglêsa. Jacques de Molay mantivera uma calorosa relaçao de amizade com Eduardo I e o mestre inglês,Guilherme de La More, fora seu conselheiro. Dessa forma, Eduardo II, ele mesmo, acusado de manter costumes não muito apreciados pela moral corrente, não podia acreditar que aqueles monges cavaleiros, que haviam prestados relevantes serviços á coroa inglesa, fossem culpados de tais crimes. Chegou até a escrever ao seu sogro, Filipe, o Belo, e aos reis de Aragão, Nápoles, Castela e Portugal, expressando sua opinião, o que deve ter tirado desses monarcas um sorriso de escárnio, pois certamente pensaram, imediatamente, que tais opiniões deviam estar sendo manifestadas por solidariedade, já que o jovem monarca inglês, naquele momento, estava tendo as muitas dificuldades com seus súditos por causa do seu caso de amor com o cavaleiro Gaveston.
Mas Eduardo II não era homem para peitar o Papa e arrumar encrenca com o clero, como seus antecessor Henrique II fizera. Então, ao receber a carta do Papa, mandando prender e processar os templários inglêses, ele permitiu a detenção dos cavaleiros do Templo, mas ordenou que a eles não se aplicasse nenhum procedimento que os atingisse fisicamente.
Destarte, o Mestre inglês e seus mais altos dignatários foram detidos e encarcerados na catedral de Canterbury, em regime de prisão domiciliar. À maioria dos preceptores deu-se o privilégio de responder em liberdade as acusações, e só dois anos mais tarde foram chamados perante um tribunal de Inquisição.
Só no dia 13 de setembro de 1309, chegaram à Inglaterra dois inquisidores nomeados pelo Papa. Mas na Inglaterra não havia o interesse político que esse processo despertava na França e assim, as autoridades inglesas não prestaram a eles nenhuma ajuda. Depois, o procedimento processual era diferente, pois os interrogátórios tinham que ser feitos perante um corpo de jurados, composto por membros do clero e autoridades seculares, sendo proibida a tortura como forma de extrair confissões. Em consequência, os dois inquisidores voltaram para a França, frustrados por não poderem levar aos seus chefes nenhuma informação de relevo.
Mas os inquisidores não desistiam tão fácilmente.Sabendo que daquela forma não iriam conseguir nada, obtiveram do rei Eduardo II, certamente por influência de seu sogro Filipe, e talvez do próprio Papa, a autorização para usar de tortura. O rei concordou, mas nem assim a inquisição prosperou em terras inglesas, pois o máximo que se conseguiu apurar, mesmo depois da tortura, foram insinuações de que os cônegos templários concediam, por sua própria conta, o perdão pelas trans-gressões cometidas pelos Irmãos, coisa que só competia ao clero regular.
Mas o que mais incomodava Clemente V era a relutância que o Rei Eduardo II mostrava em permitir a transferência dos bens do Templo para a Igreja. Enquanto o Papa sustentava que esses bens pertenciam à Santa Sé, pois o Templo era uma Ordem monacal, o rei contestava dizendo que os bens haviam sido doados á Ordem pela nobreza e pelo povo inglês, e se ela fosse dissolvida, deveria voltar aos seus legítimos donos. Essa era uma posição com a qual, evidentemente, nenhum nobre inglês discordava.
Então foi a vez do Papa pressionar seus bispos e arcebispos na Inglaterra a agir com mais rigor. A pressão também veio de Filipe, sobre os nobres ingleses, muitos deles possuidores de terras na França, e por isso mesmo vassalos do rei francês.
O Papa, vendo que suas pressões não estavam dando resultado, pois o processo continuava moroso e sem o resultado que ele queria, solicitou ao rei inglês que transferisse os prisioneiros para serem julgados na França. Expediu até uma bula, a Faciens misericordiam, ameaçando os clérigos inglêses que assistiam no processo como jurados, de cumplicidade com os acusados, de vez que, como ele entendia, suas culpas já estavam formadas.
Os membros do Concílio provincial de York, encarregados do processo, se viram em terrivel impasse: de um lado não se sentiam bem em condenar pessoas que eles achavam inocentes, de outro não podiam confrontar o Papa. A solução foi uma chicana jurídica. Pediu-se aos acusados que “reconhecessem as denúncias que contra eles eram apresentadas, e que eles declarassem que as mesmas constituiam grave difamação, para ás quais eles não tinham condições de apresentar defesa que os exculpassem; em consequência, submetiam-se á Graça divina e á decisão do Concílio.”
Dessa forma, reconciliavam-se com a Igreja e obtinham a absolvição, podendo viver em ordens monásticas. Foi assim que a maioria dos templários ingleses, inquiridos naquele Concílio, tornaram-se monges e preservaram suas vidas e liberdade.
No restante das ilhas britânicas o resultado não foi muito diferente.Os poucos templários que se propuseram a dizer alguma coisa contra a Ordem eram fugitivos que foram capturados e torturados, mais como crimnosos comuns do que como egressos do Templo. Sob tortura, admitiram que haviam negado Cristo e cuspido na cruz. Quase todos expressaram arrependimento e aceitaram a fórmula proposta aos templários ingleses. Assim, foram absolvidos e reconciliados com a Igreja. Tornaram-se monges. Somente os dois grandes dignatários da Inglaterra, o Mestre Guilherme de La More, e o preceptor de Auverne, Imbert Blanke, insistiram na sua inocência e negaram veeementemente as acusações. Em consequência, foram aprisionados na Torre de Londres para aguardar a misericórdia do Papa. Ambos morreram na prisão antes de Clemente V emitir qualquer decisão a respeito deles.
O Concílio de Vienne, convocado para início em 16 de outubro de 1311, pretendia analisar e tomar decisões sobre os três assuntos que mais preocupavam a cristandade naqueles primeiros anos do século XIV. Esses assuntos eram a realização de uma nova cruzada, a reforma da Igreja, cujo clero, atolado em meio a denúncias de corrupção, não mais inspirava confiança no povo, e a supressão da Ordem do Templo.
Clemente já havia decidido que a Ordem seria suprimida. Acertado com o Filipe, o Belo, a questão de quem ficaria os bens do Templo na França – e com os demais reis as soluções já estavam sendo encaminhadas – ele agora só precisava convencer os membros do Concílio da culpabilidade dos templários.
Essa era uma coisa que estava longe de ser conseguida nos termos do processo. Na verdade, a maioria dos prelados estava a favor da Ordem, e somente os bispos franceses, naturalmente influenciados por Filipe, se batiam pela sua condenação.
A coisa se complicou, pois o Papa havia concordado que os templários que quisessem poderiam ir a Viennes para defender a Ordem. Ele esperava que ninguém se propusesse a isso, já que acreditava no temor que eles tinham, de, em se apresentando espontaneamente, acabarem todos presos. Todavia, em fins de outubro, sete templários se apresentaram, na qualidade de procuradores de outros dois mil, que supostamente estariam estacionados nas proximidades da cidade, para defender a Ordem.
Essa era uma mentira, mas como elemento de pressão, funcionou. A notícia provocou uma verdadeiro pânico na cidade e nos membros do Concílio, pois se temia que uma invasão dos templários fosse imininente. O Papa, entretanto, num rasgo de coragem, ordenou a prisão dos sete, e deixou para uma comissão de bispos do Concílio a decisão de permitir ou não que os Irmãos se defendessem perante o Concílio.
Ao saber que a maioria dos bispos estava propensa a aceitar uma defesa formal dos templários, o rei Filipe reuniu imediatamente a assembléia dos Estados Gerais de França, em Lyon, cidade que ficava a vinte quilometros de Vienne. Era uma clara demonstração de que o rei da França não iria aceitar qualquer outra decisão que não fosse a supressão da Ordem do Templo. Foi assim, que a 20 de março de 1312, seis meses depois de iniciado o Concílio, ele, acompanhado pelos seus ministros Enguerrand, Nogaret e Gulherme de Plaisans, e mais Carlos de Valois e Luís de Evreux, seus dois irmãos, e seus três filhos, Luís, Filipe e Carlos, á testa de um forte contingente de homens armados, ocupou a cidade de Viennes, para pressionar os membros do Concílio.
A pressão deu resultado. A 3 de abril, o Papa aceitaria finalmente o parecer de dois bispos, Jacques Duéze, bispo de Avignon (que seria o futuro Papa João XXII), e Guilherme Le Maire, bispo de Angers, que propuseram que a Ordem do Templo fosse extinta, pura e simplesmente de plenis potestates pelo Papa, pois que este, sendo o Chefe da Igreja, tinha esse poder. Assim, esses bispos estavam propondo, simplesmente que o Papa passasse por cima das opiniões dos bispos e extinguisse a Ordem num ato unilateral, autoritário e onipotente.
Foi o que ele fez, através de uma simples bula, Vox in Excelso, na qual se dizia que a Ordem do Templo estava sendo extinta, não “por uma sentença judicial, mas por meio de uma provisão apostólica, por causa da suspeita, infâmia, insinuação clamorosa e outras coisas que foram aduzidas contra a Ordem.”
Dessa forma, A Ordem do Templo foi extinta sem que se provasse, em processo regular, a culpa pelos crimes que lhe foram imputados.
Uma outra bula, Ad providam, determinava que os bens do Templo, em França, fossem adjudicados aos Hospital de São João. Isso, todavia, como vimos, era pro-forma. A maioria dos bens da Ordem já haviam sido tomados por Filipe.
Mais tarde, os bens do Templo, nos demais reinos da Europa, tiveram a sua destinação decidida. Na Inglaterra, ocorreu praticamente a mesma coisa que em França. Os bens dos templários foram destinados ao Hospital de São João, mas na prática acabaram sendo confiscados por Eduardo II. Em Aragão, o rei Jaime criou uma nova Ordem – a Ordem de Calatrava – para recepcionar parte dos bens que ele, pessoalmente confiscou. O restante foi adjudicado ao Hospital. Na prática, porém, os templários continuaram atuantes na Espanha através dessa nova Ordem.
Em Portugal, o rei Don Dinis criou uma nova Ordem militar, a Ordem dos Cavaleiros de Cristo, que recepcionou todos os bens dos templários e praticamente continuou a sua existência através dessa nova organização. Todos os bens do Templo continuaram a servir ao propósito paa os quais foram doados. Porque, daquele momento em diante, principalmente em Portugal e Espanha, as atenções já não se voltavam mais, exclusivamente para a Terra Santa. Os principes de Espanha e Portugal haviam descoberto um novo foco de interesse ao leste. Pressionados pelo avanço dos turcos otomanos, que fechavam as passagens marítimas e terrestres pelo Mar Mediterrâneo e pelo interior do continente, foi preciso começar a procurar um caminho para o Oriente navegando para oeste. Assim, o tesouro dos templários e a sua grande experiência em navegação e comércio seriam o sustentáculo do formidável movimento que resultaria nas grandes navegações que dariam origem ao mundo moderno
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Da obra "Filhos da Viúva", Conspiração dos Templários", título provisório, no prelo.