A Lenda das Estrelas
Na busca de explicações para os mistérios da vida e da natureza surgiram entre os índios da Amazônia lindas fábulas, que são uma ótima opção para se conhecer melhor os costumes e tradições desses povos milenares.
Um exemplo dessa riqueza cultural está presente na explicação que os índios Bororo do estado do Mato Grosso têm para a origem das estrelas no céu.
Assim diz a Lenda das Estrelas: num passado distante, o céu das aldeias Bororo a noite era bem escuro, iluminado apenas pela lua, que seguia solitária seu ciclo noturno. Naquela época, as estrelas não existiam para embelezar a noite, e quando a lua se escondia atrás das nuvens uma terrível escuridão tomava conta da floresta.
A cultura desses índios Bororo segue a tradição de seus antepassados que estabeleceram uma divisão nos papéis masculinos e femininos. As mulheres são responsáveis pelos cuidados domésticos, cultivo e preparo de alimentos, produção de artesanato e criação dos filhos. Aos homens cabe a defesa da aldeia, a construção das casas e canoas, a obtenção de alimentos por meio da caça e pesca.
De tempos em tempos, os todos os homens entravam na mata para caçar e as mulheres ficavam com as crianças na aldeia. Os índios só retornavam dessas caçadas coletivas após vários dias.
As mulheres ficavam sozinhas na aldeia, e aproveitavam para colher espigas de milho que usavam para preparar inúmeros alimentos saborosos, como, bolos, pamonhas, farofas, mingaus e pipocas.
Certa vez, quando as índias chegaram à roça de milho tiveram grande tristeza ao encontrarem pouquíssimas espigas. Elas não entenderam o que havia acontecido, pois não existiam marcas de animais selvagens que pudessem ter atacado a plantação. Elas colheram tristes as poucas espigas que restavam e retornaram para casa.
Quando chegaram à aldeia tiveram outra surpresa desagradável. Por todo lado havia uma grande bagunça; palhas de milho estavam espalhadas no chão e nas panelas elas viram restos de pipoca. Elas não sabiam que os travessos curumins fugiram horas antes e foram até as roças de milho para colher as melhores espigas, que esconderam depois em grandes cestos. As crianças esperaram as mulheres saírem da aldeia para preparem as pipocas e comerem até se fartar.
Mas não pararam só nessas traquinagens. Enquanto os indiozinhos deliciavam-se com a pipoca, o papagaio da aldeia, que estava vendo tudo, ameaçou contar a verdade para as mães dos meninos quando elas retornassem. Para evitar serem denunciados, os curumins cortaram a língua do papagaio e lançaram-na no fundo do rio.
Mesmo após tamanha maldade, eles não estavam satisfeitos e resolveram se aventurar pela selva. Olharam para as nuvens brancas do céu e decidiram que iriam subir lá. Entraram na mata e capturaram um beija-flor. Os travessos amarraram nas patas da pequena ave a ponta de um cipó, ordenando-lhe que voasse rápido e prendesse a ponta do cipó na mais alta nuvem. A pequena ave obedeceu às crianças, voando cada vez mais alto. Enquanto o beija-flor voava para cumprir sua tarefa, os indiozinhos emendavam vários cipós uns nos outros, por onde iniciaram a escalada em direção às alturas. Dessa forma, levados pelo beija-flor os travessos curumins foram subindo até as mais altas nuvens celestes.
Enquanto isso, as mulheres ainda estavam na aldeia tentando descobrir o paradeiro das crianças. Assim, uma delas perguntou ao papagaio o que havia acontecido, mas não teve resposta. Com espanto ela percebeu que o bicho estava com a língua cortada.
Ao verem aquilo, todas as mulheres ficaram bastante desesperadas e saíram à procura dos filhos. Não precisaram caminhar muito e logo encontraram no meio da mata um cipó suspenso na direção das nuvens. Nisso, concluíram que as crianças subiram para o céu.
Chorando muito, começaram a gritar para que as crianças desobedientes voltassem. Lá do alto, as crianças podiam ouvir o choro e os pedidos desesperados de suas mães. Elas suplicavam para que eles voltassem, temendo que algo pior pudesse acontecer. A rebeldia dos meninos era tamanha que eles não se importavam. Só pensavam em continuar seguindo o beija-flor, que se distanciava da terra cada vez mais.
O tempo foi passando e quando os meninos tentaram voltar ao chão já era tarde demais, pois não conseguiram. Eles ficaram presos lá no alto, castigados pelo desrespeito e pela ingratidão às mães. A rebeldia deles havia passado dos limites, e portanto foram condenados a viver eternamente longe de seu lar, transformados em estrelas.
Até hoje essa estória é contada nas rodas de conversa, quando os índios reúnem-se ao redor das fogueiras. O mau exemplo daquelas crianças é um alerta para toda tribo que vê nessa fábula mirabolante o valor do respeito aos mais velhos e a importância da obediência às regras da comunidade.
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Ilha de Marajó - PA, Outubro de 2013.
Giovanni Salera Júnior
E-mail: salerajunior@yahoo.com.br
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