Literatura herdada: bases para um novo paradigma
Paula Regina Scoz Domingos Damázio
UFSC
O texto de Antonio Candido O direito à literatura nos propõe uma série de questões das quais todo o futuro profissional em ensino de literatura deve procurar refletir. Uma das questões para começarmos a pensar a literatura nos dias de hoje é a seguinte: seria a literatura um “bem compreensível” ou um “bem incompreensível”?
Com isso Candido abre um parênteses para que possamos indagar sobre o modo como encaramos a literatura, e se acreditamos que ela seja realmente um “bem incompreensível”, isto é, que a literatura é tão importante para a integridade humana quanto o alimento, a roupa, a moradia, etc. E ainda, se entendermos afirmativamente a essa proposição, então a questão que surge é: todos os homens possuem esse direito imprescindível?
Com base em uma recapitulação da experiência pessoal podemos propor alguns pontos que serviriam de exemplificação a uma outra questão que é: podemos dizer que tivemos direito à literatura? Ou não?
Antes de entrar mais especificamente na questão da experiência pessoal é interessante ressaltar algumas assertivas de Candido que nos parecem muito bem expostas e que são importantes seja para incrementar a nossa experiência enquanto leitor ou enquanto futuro professor.
Candido nos fala da necessidade humana da fabulação, assim como o sonho no sono, a fabulação dentro do “real” é um grande refúgio no qual encontramos o universo da ficção. Assim diz Candido “[a literatura] parece corresponder a uma necessidade universal, que precisa ser satisfeita e cuja satisfação constitui um direito” (CANDIDO, 2004, p. 175) Dessa forma, a literatura corresponde ao sonho acordado de todas as civilizações que de um modo ou outro produziram e produzem um “universo paralelo” em que nos transformamos no outro, naquilo que está fora de nós.
Outro ponto interessante é que a literatura, conforme nos propõe Candido, é o palco da contradição humana e dessa forma nos oferece um espaço onde podemos transitar por um labirinto de caminhos que ao mesmo tempo podem confirmar e negar, apoiar ou combater, etc. Essa experiência dialética do mundo pode não se dar de forma pacífica, pois é uma nova concepção de mundo que se abre e que ao mais das vezes nos choca e transforma. Isso mostra, portanto, que a literatura tem papel importante para a formação da personalidade das pessoas. Mais ainda a literatura é um modo de nos tornarmos mais humanizados, já que através dela podemos viver o outro, o “bem”, o “mal”, enfim, todos os sentimentos humanos.
É importante também pensarmos no lado social da literatura, aquela que toma posição frente as iniquidades sociais. A literatura vista, conforme Candido, como “instrumento consciente de desmascaramento” (CANIDO, 2004, p. 186) da miséria, da servidão e da mutilação espiritual.
A partir desses apontamentos de Candido podemos por em questão se é fato que o direito à literatura acontece na prática, e ainda, quais os caminhos possíveis que podemos propor para que esse “bem incompreensível” alcance um número maior de pessoas partindo da experiência vivenciada por quem está a escrever.
É fato que a literatura está sufocada entre outros modos possíveis de fruição, como a televisão, e hoje o aclamado mundo da internet. Mas a leitura pode conviver com esses meios e até porque não circular dentro deles? Vemos surgir pela internet grupos de leituras formados através de blogs que buscam a leitura e compartilham as suas experiências. Assim a internet está se mostrando como uma grande possibilidade democrática de acesso à literatura, e portanto é um modo possível de transformar esse direito em prática.
A internet é somente um dos vários meios de entrar no mundo da fabulação. O contato com a literatura pode ser iniciado seja em casa com os livros velhos da mãe, seja com o namorado, seja com os poucos livros da escola (experiências pessoais). Dessa experiência podemos tirar que os outros exercem papel crucial para o nascimento de um leitor, por isso, talvez seja o momento de incentivar não só o jovem ou a criança à leitura, mas os adultos, avós, tios. Todos tem esse direito não importa em que idade, nem onde, nem como.
REFERÊNCIAS
CANDIDO, Antonio. O direito à literatura. In: ______. Vários escritos. 4.ed. reorg. pelo autor. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul; São Paulo: Duas Cidades, 2004. p.169-191.