Tudo conspirava a favor
O humor do alemão era o melhor possível. Tudo era tão leve feito o mais suave toque da seda. Estaria ele aprendendo a viver? Sentia uma saudade mansa que às vezes se fazia feroz ( e era gostoso) daquela guria; daqueles braços que nunca lhe abraçaram, daquele coração que nunca ouvira, daquele toque que nunca sentira, daqueles beijos (milhões deles) que nunca recebera. O guri tinha é fé no futuro. No amanhã que estava por vir. Tantas escolhas estavam por vir, tantas oportunidades, tantas curvas, tantas retas (gostava mais das curvas). Cada novo gesto que descobria, singelas descobertas em meio ao que seria anomia antes. É, o alemão estava aprendendo a viver. Aquelas palavras que faziam da saudade uma ponte eram a cura para todos os males. Estava o tempo todo junto dela (e vice-versa). Cada letra junto de outra era um motivo para sorriso, para ser feliz. Passos firmes que não tinham objetivo/rumo traçado, apenas a vontade de estar em movimento, de dar passos, largos ou não, rumo à felicidade. Sonhos salvavam o alemão. Ela era o seu mais doce sonho.
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O relógio, estranhamente a favor do guri, se mantinha em marcha lenta. Os ponteiros pareciam conspirar a seu favor. A aula a tarde, naquele ritmo, nunca começaria. As palavras voavam e formavam entre eles uma ponte que coloca a "saudade de lado" para que pudessem estar pertinho um do outro - sem estar na verdade. Sentadas a sua frente, duas amigas conversavam. Ele ria. Elas achavam que ria junto delas. Ele ria de felicidade. Aquele simples gesto de doar atenção e tempo, um ao outro, tornava tudo tão belo. Desde aquele vinte um de abril não passara um dia sequer sem alguma "palavra" trocada. Não era apenas o relógio que conspirava a favor do molecote. Tudo parecia conspirar a favor.
Alguns (tantos) minutos de regência verbal, nominal e crase, foram seguidos de minutos e mais minutos de química ambiental e por fim, para finalizar a aula, um pouco dos devaneios da filosofia. Aquele sorriso se mantinha no cantinho, bem na pontinha, disfarçado nos lábios do guri. Aquela vontade louca de gritar ao mundo que ele a gostava tanto. Que aquela perfeita guria o fazia tão feliz. Que até mesmo os defeitos e im(perfeições) dela o faziam se apaixonar ainda mais profundamente por ela. O desejo incontrolável de voar até ela e abraçá-la. Será que o relógio conspiraria a favor deles? Ficaria ele parado durante duas ou três eternidades enquanto aqueles braços se entrelaçassem? Tudo conspiraria a favor? Precisam e iam descobrir, juntos.
Desceu junto dos amigos. O professor e Giovanni. Conversavam descontraidamente sobre o fim do ano. Sobre como tudo passara tão rápido. Memórias daqueles dias em que preocupações eram proporcionais a seus tamanhos; pequenas/pequenos de tudo. Alguns minutos em frente a secretaria, alguns minutos regados de nostalgia e risadas. Acessar aquelas memórias naquela "altura do campeonato", naquele "estado" (completamente apaixonado e sentimental) era pedir para que as lágrimas escorressem. Não foram mal compreendidas. Foram bem aceitas e quase retribuídas. Era anos e anos que passaram num piscar de olhos. Riram e faziam piadas do sensível alemão.
- Até amanhã, Berto! - o melhor amigo se despedia enquanto descia a rua.
- Até - o alemão se despediu também.
Atravessou a rua. Seguiu seu caminho. Tudo conspirava a favor.