SEDE INSACIÁVEL DE NASCER E DE VIVER

O fato de nascer pressupõe uma célula fecundada, e uma série de ações físico-químicas. Tudo igual, ou quase, em todos os seres vivos do mundo animal. Afetos que se entrelaçam e culminam na fecundação, na visão do poeta. No ser humano, hoje em dia, nem a conjunção carnal é tão necessária. Veja-se a proveta, os sucessos do mundo da genética.

Chegamos à geração dos clonados. Há uma “Dolly” dentro de cada um de nós. Seja porque queremos e pretendemos vencer a finitude material e corpórea, seja porque o corpo humano foi programado, como se propala na área médica, para durar cerca de 300 anos.

Verdade é que a imortalidade tão desejada já se vislumbra como possível. Clona-se, enfim, sob o argumento de que a ciência poderá vencer as enfermidades. Assim, o HIV, o câncer, o diabetes, etc., tendem a ser coisa do passado, já que possível serem substituídas as células doentes, no computador humano, pela engenharia genética.

No final a imortalidade, que até então norteava o esperançoso e estava contida nas pregações das religiões e filosofias de vida, será parte da trajetória.

Os que pensam chegaram a criar a imortalidade acadêmica (no modelo da Academia de Bolonha de 1215), ou seja, ao tomar posse em uma das cadeiras de uma academia de Ciências, Letras ou Artes, o intelectual estava lucidamente preservando a sua voz, o seu legado.

Alguém - vivo - no futuro, pretensamente falaria por ele, o acadêmico mortal; morto na ilusão da imortalidade dos parlatórios falados e escritos. Esse, enfim, é o resultado de havermos nascido: queremos permanecer vivos.

Por nunca conseguirmos fazer ou realizar tudo o que pretendíamos, somos a frustração da mortalidade corpórea. (Vejam o interessante cochilo que cometo: pretendo que só o corpo morra!). Daí o extraordinário sucesso das religiões que reconhecem a imortalidade do espírito, tanto entre os excluídos, bem como nas elites sociais.

Nascer com vida, estar nascido, não é apenas o fato biológico de alguém haver sido gerado em um útero materno. Este é o fato biogenético. Estar vivo e com vida por viver, significa haver aprendido com os geradores (seria, hoje, pai e mãe?) o conviver, o viver com, o estar junto, o dividir com os outros a experiência animal, a “ânima” dos gregos, que dava consistência à materialidade corpórea.

A “ânima” alimentava, segundo eles, a pobre condição de vivente, de sobrevivente, se chegássemos, à época, aos quarenta anos, se tanto.

Quando Cristo morreu, aos 33 anos, estava perto da idade limite para os seus contemporâneos da plebe. Os ricos sempre duraram mais. Eram os mais “animados”.

Hoje, chegamos aos setenta anos como expectativa de vida. Como explicar que morramos tão jovens? Enfim, para que possamos chegar a esta quadra só se poderia explicar com as “benesses” materiais?

Parece que não, que o homem nunca precisou tanto de Deus, de sua própria condição de imortal enquanto geratriz.

E isto nos leva, necessariamente, a um exame de consciência. Temos cuidado de nossa vida interior? O que aprendemos e co-aprendemos diariamente nos fez bons? Mas, e afinal, como explicar os crescentes casos de pedofilia envolvendo sacerdotes católicos?

O Cristo deles era tão necessitado de carinho que só o contato carnal com a inocência - a beleza da flor ainda em botão - pôde purificá-los, repetindo-se o episódio de Adão e sua maçã (pedófila?), proibida, nojenta aos olhos dos homens e mulheres de bem.

A vida é um acréscimo de convivências, uma condenação ao viver, seria o mais correto a se apregoar. Para os lúcidos, com os fatores sociológicos da modernidade, mesológicos (frutos do meio ambiente, físico e social), como a violência urbana, a fome e a miséria, o fato de viver – particularmente neste momento da humanidade – é algo quase insuportável. Não é apenas um ato de consciência, de liberdade.

Portanto, uma das escolhas mais profundas do homem, a de viver ou não viver, encaminha-se para um brete sem saída.

Ou acrescemos ao humano os dados corretos para o seu computador de bordo com destino à felicidade pessoal, ou tudo será em vão. Parece, portanto, que apenas a clonagem não resolverá a crise de identidade por que passa a humana criatura.

Que fale o Deus que existe dentro de nós e se manifeste em atos solidários, fraternos, já que palavras sem atos são tiros sem balas, como queria o padre António Vieira, no seu famigerado “Sermão da Sexagésima”, século XVII, quando o Brasil se descobria e tentávamos apreender lições de Humanidades.

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