O ÊXTASE NO POEMA

Escolho a esmo o texto no site do Recanto das Letras, no elenco da obra da autora, e a seu pedido faço a análise, na intenção de auxiliar no processo de criação poética e de identificação da modalidade literária criada.

“Sintonia

Maria Mendes

Eu estava lá o tempo todo

Aquela voz que chamava por mim

Apesar de estar distante

Ouvia o seu clamor

Tento lembrar o seu rosto

O seu espírito é a sua voz

Misturada em minha mente

Ele estava tão perto de mim

Extasiada com seu jeito de me olhar

Palavras eram desnecessárias

Entendia-nos só no olhar

Almas que se encontram na mesma sintonia.

Enviado por Maria Mendes em 12/09/2013

Código do texto: T4478601.”

Com grande alegria e apreço atendo ao pedido de análise. Este "Sintonia" é um texto de boa elaboração, retratando a postura lírico-amorosa que relata o extasiamento frente ao amar e às suas nuances encantadoras, tão fortes ao espiritual que processam, em estado de contemplação, as condições psíquicas que fazem com que nasça a manifestação poética. No caso, esta tradução se dá em palavras, bem como bem se poderia perfectibilizar este estado através de outras manifestações como a arte plástica, a música na pauta, a composição musical, a fotografia, etc. O que vemos nesta peça, talvez devido ao estado inicial de criação fenomênica instalado na autora, é que ainda não temos a Arte Poética instaurada com definição através do gênero mais requintado, mais exigente – a Poesia. Percebe-se a vontade do agente em se expressar amorosamente... O que temos neste texto é um derramamento verbal lírico-amoroso apresentado num textual direto, doce, mas sem codificação a ponto de sentirmos a Poesia como gênero literário, devido à falta de utilização do sentido CONOTATIVO da linguagem, o que se daria através de figuras de estilo, especialmente metáforas e metonímias. E, sem estas, não há como se identificar um texto como grávido de Poesia. O que vemos aqui é a linguagem em sentido denotativo, com toda a doçura que o amar sugere... No entanto, o uso da linguagem em sentido DENOTATIVO (que é o caso) nunca conseguirá construir o poema, o qual é a expressão formal com que se apresenta a Poesia, tanto na forma clássica – a do verso metrificado e rimado – como no verso da contemporaneidade, andamento rítmico traduzido pelos versos brancos, sem rimas. A utilização da linguagem em sentido denotativo por certo poderá construir o artigo, a crônica, o memorialismo, etc., mas nunca a Poesia como expressão artística. A peça em exame está apresentada em VERSOS, denotando que a autora pretendeu apresentar ao leitor um poema, mas não conseguiu fazê-lo, por falta de linguagem codificada, como já se disse. Sim, porque há VERSOS COM POESIA, e há outros em que a Poesia não comparece com o seu mistério de dois patamares de linguagem – um aparente e outro subjacente – fruto do talento intuitivo na construção de uma “linguagem que não diz, apenas sugere”. Assim é a Poesia, que se apresenta sempre pela palavra em seu vestido de festa, diferente do lugar comum cotidiano, na interlocução com o Outro. E neste gênero de comunicação verbal nada é realmente simples, porque se transita nas veredas do Mistério, o único efetivamente capaz de trazer o intangível ao plano da realidade formal através de uma singela materialização – O POEMA.

– Do livro A FABRICAÇÃO DO REAL, 2013.

http://www.recantodasletras.com.br/ensaios/4515921