CRIADOR E CRIATURA

“Sempre fico muito feliz quando encontro um interlocutor que no tecer da palavra oferece o molde e a profundidade daquele que sabe que amealhar conhecimento é árdua tarefa, que nos consome e nos cinge a uma corrente filosófica humanista muitas vezes descoberta por intuição, e quase sempre superveniente ao que se escreveu num dado momento. A mágica do poetar – por sua imanente revelia – antecede à intelecção regida pelo conhecimento. Por que virei a ter soberba sobre o que não é meu, e sim é a resultante obra de um dos meus alter egos? Nem sei, a rigor, se estes me habitam, me leem e me revelam ou eu os leio neste revelar-se... Sim, eles vivem e sentem o despojamento porque sabem que sou a absurda passagem do que minimamente lampeja e depois se some nos escaninhos memoriais do além de mim... Ainda bem que temos amigos bem dotados em nosso entorno e que são companheiros de travessia. Alguns, por vezes lúcidos, outros, desastrados quando pensam... E passo a ser, na contemplação, o principal beneficiado. Instigam-me a criar textos frutificados desta maravilhosa e instigante síntese do homem do séc. XXI, que registra a sua inquietação sem pejos de sua autocrítica, no milagre virtual. Descubro um veio novo para o desafio do criar: a subjacência de saber que o meu irmão-poeta está do outro lado, na cadeia de união, algemado a mim sem que eu ou ele saibamos bem de onde vem essa magia...”. Joaquim Moncks, in DESPOJAMENTO.

– Do livro A FABRICAÇÃO DO REAL, 2013.

http://www.recantodasletras.com.br/tutoriais/4499104

– Marilú Duarte, por e-mail, em 27/09/2013:

A produção artística, em especial a poética, adquire sentido pleno quando atinge o leitor, despertando-lhe inusitadas reações e reflexões. Criar é uma atuação voltada para o Novo. Entretanto o ego, que é o centro da consciência e um dos maiores arquétipos da personalidade, determina nossas vidas conscientes, tendendo sempre a se contrapor a qualquer situação que possa ameaçar esta frágil estrutura da consciência. De acordo com Jung, a princípio a psique é apenas o inconsciente. O ego emerge dele e reúne numerosas experiências e memórias, desenvolvendo a divisão entre o inconsciente e o consciente. De uma forma mágica, o ato de criar muda a percepção da realidade, desenvolvendo e articulando um novo enfoque no pensar. O ato de criar muitas vezes exige que o autor se despoje do habitual e sedimentado posicionamento em relação à vida e aos viventes. Por vezes se faz necessário desvestir-se de preconceitos, de teorias que parecem não ter sentido, dos velhos paradigmas, de regras em desuso e daquilo que parece obsoleto e vazio. É preciso não ter medo do amanhã, construindo no hoje o esperado que certamente virá no depois. Para criar, o poeta deve fazer suas escolhas, e em cada momento determinar qual será o desfecho, o passo seguinte, já que existindo é que poderemos realmente ser. Há todo um significado metafórico no querer ser, e no que realmente se deseja ser. A existência antecede à nossa essência, que de per se convoca a ideia para que, ora permanente, ora contraditoriamente, se realize a magia da auto-criação. A intuição é a mãe da Sabedoria. A consciência de saber, apenas, sem intuir, é mistificar o concreto. É preciso que ocorra a libertação das amarras da lógica de causa e efeito, para deixar que o Novo penetre em nossos sentidos. A intuição é um modo de perceber a vida, a realidade, e a psique humana, sendo irracional, coloca-se em conflito com nossos valores ou expectativas. Aventurar-se no Novo é como ser portadora da chave-mestra que abrirá portas trancafiadas pela nossa rigorosa forma de pensar e ser, guardadas no inconsciente, sob os cuidados de um superego extremamente severo. Jung dizia que o pensamento e o sentimento são maneiras alternativas de elaborar julgamentos e tomar decisões. Já que o pensamento está relacionado com a verdade, com julgamentos derivados de critérios impessoais, lógicos e objetivos. Sentir é posicionar-se nas decisões, baseando-se em aspectos relacionados aos valores pessoais. Para Jung, tanto a sensação como a intuição determinam o aprendizado de informações. Outro ponto a destacar é o papel da “persona”, que nada mais é do que a personificação, isto é, o modo como nos mostramos para o mundo. É o caráter que assumimos, bem como a maneira como nos relacionamos com os outros, e em especial, como exercemos nossos papeis no núcleo social. O termo "persona" é derivado da palavra latina equivalente ao vocábulo “máscara”. Pessoa e personalidade também estão relacionadas a este termo. A magia que envolve todos os poetas é originada na fantasia, no sonho, no som e no tom do versejar de uma emoção simbolizada pela palavra. É um transcender do “alter ego”, o seu eu oculto, ou o outro eu que se esconde em cada persona alternativa. Batman, alter ego de Bruce Wayne; Homem-Aranha, alter ego de Peter Parker; Emília, personalidade oculta de Monteiro Lobato, entre outros. A mágica da Poesia consiste em produzir o “insight” através da palavra, reinventando-se com a descoberta e procurando encantar-se nesse processo criador – que é a própria criatura. Marilú.

– Do livro O IMORTAL ALÉM DA PALAVRA. Joaquim Moncks / Marilú Duarte, 2013.

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