AS FANTASIAS

“O leitor não tem a obrigação de decifrar o que está contido no texto, nem a de descobrir o personagem que se vivifica no textual. O dono dos personagens tanto na prosa como no verso é o autor. Mesmo assim, em se tratando de Poesia, pode nem ser o autor, e, sim, o “alter ego” deste (que pode ser até um hóspede indesejável) ou ser mais de um, como ocorre em Fernando Pessoa, através dos heterônimos descobertos e identificados pelo poeta em sua obra, ainda durante o (seu) processo criativo. Alguns deles tiveram até o registro de sua própria biografia, como se tivessem efetivamente existido no mundo dos fatos. Em muitas situações – nos versos – o personagem, através de seus elementos verbais, pensa diferente do (seu) criador literário, a ponto de, muitas vezes, o autor vir a ser surpreendido com uma frase ou verso que não é o que ele pensa, e, sim, diverso e até antagônico, e que aparece por vontade do “alter ego” dominador, no momento da intuição original, através da sensibilidade mágica do processo de criação. Talvez por essa razão seja pacífica, em Poesia, nos domínios da teoria literária, a figura do “fingidor”, tão bem fixado por Pessoa no seu poema “Autopsicografia”, de 1930. O que caracteriza a fixação de um admirador confesso é quando este leitor/receptor toma o texto como se tivesse sido escrito direta e unicamente para si próprio, e se aposse dele como seu, a ponto de que a voz poética passe a ser a sua própria voz, enfim, aquela nascida de seu mais fundo desejo. Desta sorte, o texto é objeto de prazer e gozo... Portanto, é absolutamente inconveniente que o autor apareça no seu poema ou na prosa poética através do "eu", ou seja, com o tratamento personalizado na primeira pessoa, na forma de apresentação do poema. Mesmo que se o diga personagem: O EU POÉTICO. Ou, no mesmo sentido, o criador pretenda que o leitor tome o seu lugar na historieta contada na proposta literária. Quem realmente dá vida à ficção sugerida é sempre o leitor. Ninguém mais...”. Joaquim Moncks, in A SITUAÇÃO OU O PERSONAGEM.

– Do livro A FABRICAÇÃO DO REAL, 2013.

http://www.recantodasletras.com.br/teorialiteraria/4500990

– Marilú Duarte, por e-mail, em 28/09/2013:

Sigmund Freud, pai da psicanálise escreveu: “Os poetas e os romancistas são os nossos mestres do conhecimento da alma, pois bebem de fontes que ainda não se tornaram acessíveis à ciência”. Freud afirmara que os escritores há muito conheciam e aplicavam em sua arte os mecanismos do inconsciente. Existir no mundo dos fatos por si só, já é uma grande aventura. Ser, no mundo da fantasia além de aventurar-se por roteiros imaginários, muitas vezes em busca de um desejo irrealizável e ainda não percebido é extremamente fantástico. A fantasia está na mais estreita relação com o desejo. Temos o conhecimento de que para Freud, o desejo tem a sua origem e o seu modelo na vivência de satisfação: "As fantasias, chegam muito próximo da consciência e enquanto não sofrem nenhuma barreira permanecem no pré-consciente, sendo apenas sufocadas se ameaçarem a estabilidade mental do Ego. Elas podem ser também um recurso utilizado pelo indivíduo de forma inconsciente, para lidar com uma realidade dolorosa para a qual ele não se encontra (ainda) suficientemente fortalecido". Por um lado são altamente organizadas, não apresentam contradições e se utilizam do sistema consciente, deixando-nos com dificuldade de distinguir o que é a fantasia e o que é a realidade. Mas, por outro lado, algumas vezes por serem inconscientes e incapazes de se tornar conscientes aparecem deformadas nos sonhos. A Psicologia se situa entre a neurologia, onde adquire o tratamento de Neurociência, e entre a Filosofia, que se aproxima da Poesia. Talvez por isso os poetas, com liberdade e exuberância, tratem dos temas relativos à existência com tanta abrangência. Opinam através de suas próprias normas estéticas e de certa forma até as transgridem e se aventuram em concepções que fogem ao seu conhecimento intelectivo, validadas pelo conhecimento intuitivo e poético. E assim vão construindo preciosidades que mais tarde passam a ser a matéria-prima para cientistas e filósofos elaborarem e ordenarem suas teorias, deduções e fórmulas explicativas. Exatamente como te referes no final do texto: “Quem realmente dá vida à ficção sugerida é sempre o leitor. Ninguém mais...”.

– Do livro O IMORTAL ALÉM DA PALAVRA. Joaquim Moncks / Marilú Duarte, 2013.

http://www.recantodasletras.com.br/ensaios/4505759