Um dia eu te amei
Um dia eu te amei.
Nas frias manhãs de verão, eu te amei.
Nas frias manhãs em que o sol emanava sua luz e calor sobre meu impenetrável coração.
Naquela fria, quente manhã, eu te amei.
Amei enquanto achei que meu coração era teu.
Sim, eu te amei.
Amei enquanto achei que meu coração não podia ser meu.
Sim, eu me lembro, te amei.
Amei-te enquanto o sol se punha e a areia inócua a farfalhar
entre meus dedos.
Sim, eu te amei.
Te amei.
Amei.
Amei como o vinho ama sua garrafa.
Amei da mesma forma que ele jorra na taça doas amantes
Deixando sua casa, e as janelas verdes que o abrigam do sol e da chuva.
Tal como o trajeto incessante e veloz das mãos e da rolha,
que explode em excitação a brandir sua espuma e vapores.
Tal como o vinho ama sua casa, eu te amei.
Ah, naqueles dias frios de verão...
Aqueles dias em que os pássaros a gorjear insistentemente sem som algum, e suas belas cores,
Que cores. Que cores... Que, cores...
As cores invernais que rodopiavam sobre as frondosas árvores de frutas amargas.
Deleitavam-se sem parecer dar importância alguma ao aspecto de seus manjares.
Amei-te nesses dias.
Te amei tanto que esqueci do mundo.
Te amei tanto que esqueci de tudo.
Te amei tanto que esqueci de mim.
Esqueci tanto de tudo que não me importava.
Esqueci-me da brisa quente que soprava do mar, nas tardes de pés molhados.
Aquelas tardes de estranhos tons de virtuoso anil.
Como eu me esqueci do sabor do doce das uvas.
Como...
Como pude...
Te amei nas estações,
Como te amei no volátil sussurro, dos uivos a plenos ares, dos lobos nas baixas colinas altas.
E te amei, e te amei.
Te amei até que as maçãs perderam, naquela chuva, sua cor.
A cada gota que tocava meu telhado em seus baques surdos e sem som.
Te amei, até o furor do relâmpago que em seu voraz açoite, surrou a terra inebriado com sua
ofuscante luz mortalmente bela.
Te amei até que o açoite dos Deuses socou minha terra, em luz e fogo, te amei.
Até o estrondo fulminante do trovão voraz,
vibrando minha frequência e transportando-me à sua.
Te amei.
Até que o fogo atingisse o âmago congelado de meu doce fluxo esquecido.
Vibrei até que as maçãs caíssem de seus galhos.
Inflado em um fôlego fortemente o vácuo de meus pulmões se preencheu,
expelindo por minha pele um urro que irrompeu do mais profundo de meu corpo.
E as maçãs trouxeram-me sua cor, e o uivo dos lobos a reverberar fortemente em minhas têmporas.
E no furor da tempestade te olhei, mas não te vi.
Te ouvi e não te senti.
Percebi enquanto teus gritos sonoros e bravios perdiam a vibração sob a luz flamejante do relâmpago dando lugar ao estrondo sonoro do martelo dos Deuses.
Sim, até a tempestade eu te amei.
Te amei até notar o bater de meu coração cobre sob meu peito.
Te amei a te notar, que meu coração, poderia ser meu.
Sim, sim
Sob o vibrante trovão eu me amei
Sob o furor da tempestade eu me amei.
Amei.
Amei, até o gorjear dos pássaros voltar a seus bicos junto ao doce das frondosas árvores.
Sim, naquela quente noite de inverno, me amei.