VAZIOS E SILÊNCIOS

“No rigor técnico-literário, o poema é um conjunto verbal que nada tem a ver com o que ocorre no plano da realidade, porque ele é apenas uma figuração alegórica e peculiar. Se a obra revelar tempo e lugar, exceto no relato fixado pelo circunstancial e/ou épico, a peça poética já nasce viciada, maculada pelo plano fático da realidade. O poema é uma peça abstrata – no seu conteúdo – que tem vivência à parte do mundo real. Não se destina a vinculações fáticas. Nem serve para dar respostas, e sim, por seu sugestional individuado e codificado, apenas propõe reflexões sobre a matéria da vida, transcendendo-a para além de si própria... Não se destina a aplicação direta no território do real. No entanto, este é o formato pelo qual a arte transfunde a vida como fingimento ou verdade. E há quem, por absolutamente necessária, a queira ou a deseje como elemento de concretude...”. Joaquim Moncks, in MATERIALIDADE DA POESIA.

– Do livro A FABRICAÇÃO DO REAL, 2013.

http://www.recantodasletras.com.br/teorialiteraria/4495233

– Marilú Duarte, através de e-mail em 24/09/2013.

“A arte transfunde a vida como fingimento ou verdade”. Como poderíamos definir Arte? Seria o fio que une o pensamento ao sentimento? O desejo à ação? O sonho à realidade? Seria a expressão de nossa consciência, que se revela na experiência estética? A arte é também um elemento terapêutico a serviço do artista. É através dela que o indivíduo pode prover elementos necessários e significativos na reconstrução de seu “eu”, ampliando assim o seu conhecimento e percepção onde o simbolismo conceitual não é suficiente para compreendê-lo. É importante destacar que um dos primeiros textos psicanalíticos sobre a arte e as primeiras tentativas de interpretação psicanalítica no campo estético foi “O poeta e a fantasia” (1908). Segundo Freud, as representações e as narrativas interpretam os desejos infantis – eróticos e agressivos – que a realidade não permite que se expressem como são. Heidegger relaciona todas as artes com a palavra do poeta. Por outro lado, se a arte é uma "concretização em obra" da autenticidade, o homem santo, o herói e, sobretudo, o pensador também é "criador” que encarna na história a verdade. Para Freud, “a obra de arte obtém o que a neurose não é capaz de realizar, isto é, a exoneração do registro fantasmático pela liberação controlada dos processos primários (no autor) e pela diminuição da tensão psíquica resultante da eliminação provisória de determinadas repressões (no leitor)”. O poeta é sem dúvidas um ilusionista, finge a felicidade onde há sofrimento; percebe a dor onde se esconde o sorriso; percebe a culpa travestida de compreensão, e, em muitas vezes, diante do temor mórbido de se expor, utiliza anteparos de proteção, tais como a altivez e/ou soberba, tudo para sofrenar a pronunciada autoestima... A Poesia é incontestavelmente mais do que apenas um instrumento de comunicação, ela é a obra prima da linguagem. É também através da Poética que são preenchidos vazios e silêncios. Pensar é poetizar, ou poetizar é pensar? O que importa realmente é o sentido que se dá ao que se quer dizer ou expressar. A criação é um ato de liberdade que deve sempre ser utilizada com ética, critério e responsabilidade. Todavia é de se pensar: até que ponto o possível estado de pureza intuitivo regido pela emoção pode conter todas estas características do fazer intelectual. Pode o agente intuitivo ter responsabilidade plena no ato de criar? E como se conseguirá explicação para mentes clinicamente doentes que produzem poemas de alta qualidade literária, produzindo obras originalíssimas? A peça poética, fala de todos os “eus” existentes e ainda não reconhecidos, interpretando o “nós” e pluralizando a dor e o amor, especialmente no lírico. Isto é arte poética: a coragem de se expor frente ao mundo que nos cerca e aponta o seu criador como um ser diferenciado dos que habitam o lugar comum da vida... Marilú.

– Do livro O IMORTAL ALÉM DA PALAVRA. Joaquim Moncks / Marilú Duarte, 2013.

http://www.recantodasletras.com.br/ensaios/4498512