O ENCANTO DA CIGARRA NAS MÚSICAS

Quem não conhece a história da cigarra e da formiga? A fábula de Ésopo se popularizou e até hoje inspira canções, poemas e diversos textos. A cigarra é a representação do bonvivant, aquele que nasceu para cantar e viver de boemia; a formiga, por outro lado, é o trabalhador, o que não descansa e é subordinado ao sistema.

Em um trecho da fábula, elas demonstram suas filosofias de vida e argumentam:

Era uma vez uma cigarra que vivia saltitando e cantando pelo bosque, sem se preocupar com o futuro. Esbarrando numa formiguinha, que carregava uma folha pesada, perguntou:

- Ei, formiguinha, para que todo esse trabalho? O verão é para gente aproveitar! O verão é para gente se divertir!

- Não, não, não! Nós, formigas, não temos tempo para diversão. É preciso trabalhar agora para guardar comida para o inverno.

É exatamente esta tensão entre as duas que chama a atenção para a fábula: trabalhar pensando no futuro ou aproveitar o momento inconsequentemente? A divertida música “Próxima encarnação” de 2008, interpretada por Zélia Duncan e composta por Itamar Assumpção, trata da dureza que é nascer formiga e almeja a boa vida da encantadora cigarra, comparada com grandes nomes da área musical brasileira como Tom Zé, Jamelão e Zé Kéti.

Na próxima encarnação

Não quero saber de barra

Replay de formiga não

Eu quero nascer cigarra.

Nascer Tom Zé, Jamelão

Cantar, Violeta Parra

Zé Kéti, Duke Ellington

Com banda, orquestra e fanfarra.

Já a canção “Cigarra” de Milton Nascimento e Ronaldo Baston de 1978, foi feita em homenagem a Simone, que numa ocasião lhe contou ter sonhado com a cigarra, pela qual a cantora ficou sendo chamada também a partir deste episódio. A canção tem um refrão até infantil e de fácil assimilação, com uma onomatopéia do barulho do bichinho ao final. Uma letra que prima pela simplicidade,

Porque você pediu uma canção para cantar

Como a cigarra arrebenta de tanta luz

E enche de som o ar

Porque a formiga é a melhor amiga da cigarra

Raízes da mesma fábula que ela arranha

Tece e espalha no ar

Porque ainda é inverno em nosso coração

Essa canção é para cantar

Como a cigarra acende o verão

E ilumina o ar.

No final das contas, quem ganha mais créditos, a formiga ou a cigarra? Para os músicos fica bem claro que a semelhança com o bichinho barulhento não é mera coincidência. Mas será que a pobre formiga é injustiçada nessas canções? Quem poderá fazer uma singela homenagem ao símbolo da disciplina e do bom cidadão na sociedade mais organizada de que se tem falado?