DOR DO OUTRO, NOSSA DOR

“É sumamente difícil escrever textos poéticos tendo por base o que é efetivamente ético. Normalmente a Poesia tem sua raiz intuitiva – para a sua materialidade no poema – nos fatos da vida, e aponta situações que possam ser tidas e havidas como sentenças éticas e morais, como ocorre na maioria dos poemas de Bertolt Brecht. Nada mais do que tenso registro da visão pontual do observador/criador exigindo uma conduta ética. Somos humanos, portanto imperfeitos, daí que as inquietações, devido a estas imperfeições, podem até sugerir a conduta ética para pautar ações no plano da realidade. Se o poetar é fruto do FINGIMENTO de seu criador, como desejar a conduta ética como VERDADE? Como diria o vulgo: ...às vezes "a gente fica num mato sem cachorro" para acreditar na veracidade da sentença que o poema contém. É por este fingir que alguns filósofos acreditam na inutilidade da Poesia como proposta... E a dor que ele deveras sente, aquela que ele finge que finge?” Joaquim Moncks, in POESIA E ÉTICA.

– Do livro A FABRICAÇÃO DO REAL, 2013.

http://www.recantodasletras.com.br/pensamentos/4448155

– Marilú Duarte, via e-mail, em 23/08/2013.

Concordo que é sumamente difícil escrever textos poéticos tendo por base no que é, efetivamente, ético. É difícil também reconhecer “o ser ético” num universo onde a corrupção traveste-se das mais variadas máscaras e dos mais diversos significados para subtrair o que deveria ser inviolável: os direitos fundamentais. Cada um de nós tem uma ou mais imagens de si mesmo, nas diversas facetas reveladas e referendadas em determinados valores, que nos qualificam (ou desqualificam) dos demais. Não existe a neutralidade. Ou se é realmente, ou não se é. A psicologia prefere trabalhar com as concepções de realidade psíquica. O importante é o que as pessoas criam acerca de seus ambientes, ou quais são realidades e verdades de uma pessoa ou de um grupo. Sigmund Freud, com suas descobertas, afirmou que somente uma pequena parte do que achamos que está depositada na esfera mental é consciente, o restante é inconsciente, portanto a razão não é adquirida se não houver esforço. Penso que, independente do que nós venhamos a ser, através da poesia revelamos nossa insatisfação diante dos desencontros nas interrelações; nossa precariedade frente às injustiças sociais, que continuam a proliferar, sem que nada possamos fazer; a tristeza de nossa alma em razão de nossos próprios desencantos e a desconstrução do sonho na expectativa frustrada de uma demanda que exige reconstrução. Através da poesia fingimos a alegria que deveras não sentimos, porque a dor do outro é também a nossa dor, pela impotência de mudar os acontecimentos. Vivemos uma época sem tempo para reconstruções, tudo é muito rápido e volátil. O poeta é um fingidor porque se utiliza da fantasia para se evadir da dor que por vezes é insuportável, mas que precisa ser imaginada e concretizada na arte que reverencia e intelectualiza a realidade, já que o perverso e o reverso estão na realidade e o tempo é o espaço de latência da dor. Colocas com um toque de nostalgia a frase: "Se o poetar é fruto do FINGIMENTO de seu criador, como desejar a conduta ética como VERDADE?" Certamente que se faz necessária a despersonalização do poeta, que corajosamente assume papéis imaginários identificando-se com a sua produção: a criatura, o homem, sua ironia e fingimento, com a resultante construção da arte, em sua instigante criação individuada. Marilú.

– Do livro O IMORTAL ALÉM DA PALAVRA. Joaquim Moncks / Marilú Duarte, 2013.

http://www.recantodasletras.com.br/ensaios/4459864