DAR SENTIDO AO NADA?

“Num país que lê minimamente, a cidadania sofre, porque os cidadãos pouco compreendem seus agentes culturais e políticos. Um país obtuso de leituras não conforma opinião, não se passa a limpo, leva tempo pra fixar objetivos, posterga decisões. Isto tudo transparece na notícia, no verso e na prosa, até nas conversas de botequim. Este exercitar-se é um ato de amor, de entrega ao irmão, de discussão de pátria, nunca de vassalagem. Que nos tenhamos em paz e razão pela coerência de ação e palavra... O poeta é apóstolo do nada?” Joaquim Moncks, in BRASIL: PALAVRA E CIDADANIA.

– Do livro A FABRICAÇÃO DO REAL, 2013.

http://www.recantodasletras.com.br/ensaios/4432394

A leitura é um hábito que inicia na idade infantil, normalmente incentivada pelos pais. É desta forma que a criança aprende, colhe informações e constrói os seus conhecimentos. Normalmente, onde não houver o espelhamento dos pais, ou seja, o caráter vivo da leitura em sua prática, dificilmente uma criança irá criar tal hábito. Muitos agentes culturais e políticos não são dados à leitura e muitos até nem sabem ler corretamente, até porque para ser investido em mandato não é exigido nenhum nível de escolaridade, somente saber ler e escrever minimamente, segundo as exigências da Justiça Eleitoral. No Brasil, o acesso ao livro sofre uma série de restrições oriundas de fatores sociais, econômicos e políticos. Poucas são as escolas que possuem biblioteca, especialmente no Norte e Nordeste do País, e se existentes, não possuem um acervo adequado ou até profissionais habilitados para orientar e motivar o público infantil. Sempre ouvi nossos avôs dizerem que a invasão tecnológica jamais iria substituir um bom e velho livro, fácil de manusear e mágico no encantar. Eu ainda acredito que o livro, por ser dotado de um fetichismo sem anterioridade para as crianças, nunca virá a ser substituído pela tecnologia, nem mesmo pelos “livros eletrônicos”. É bem verdade que a escrita já teve como suportes a pedra, o mármore, a argila, os ossos de animais, o cobre, o ferro, o couro, o bambu, a madeira, a seda, a cera, o tecido, o papiro, o pergaminho e o papel. Mas, mesmo assim, o livro é o único que não precisa de energia elétrica para funcionar. Fiquei um tempo pensando na pergunta: “o poeta é apóstolo do nada?” Resolvi então fazer a pergunta ao contrário: – O nada faz do poeta, um apóstolo? Talvez sim. Só o poeta consegue dar ao nada o sentido de tudo, com todas suas peculiares abrangências. Suas metáforas, na codificação das palavras poéticas, tão bem recosturadas no seu mais escondido self, conseguem dar vida à sensibilidade robotizada deste mundo eletrônico tão carente de sonhos. O poeta se procura e se encontra para em fim tornar-se ele mesmo. Os poemas projetam convicções de seu mundo interior, muitas vezes encoberto pelas restrições sociais. É um inopinado desvestir-se, para, num instante, investir-se de uma nova visão, sem máscaras e sem falsos rótulos e opressores preconceitos. Ser poeta... Sim, posso afirmar que sentir-se poeta é ser o apóstolo de um nada que constrói um sem fim do “tudo”, e para todos, onde a cidadania se possa fazer e se realizar pela palavra, em sua nudez recriacional.

– Do livro O IMORTAL ALÉM DA PALAVRA. Joaquim Moncks / Marilú Duarte, 2013.