O VÍCIO DE ORIGEM

A possessão exclui o amor, porque este não é posse, e, sim, entrega... E neste, a meu ver, sempre um dos polos exercita o amar em patamar mais alto. E o que é pior, há alguns possessos (e possessas) que fazem versos, apenas versos sem Poesia, como se fossem, efetivamente, espécimes de Dona Poética. São, em verdade, meros recados convidativos ao amar. Ou escrevem em frases pensando que estão fazendo poemas, e sempre com a mesma possessão excludente da confraternidade que a verdadeira Poesia traduz. Em verdade, a possessão é um vício de origem, em matéria de Poesia. É bom e aconselhável observar-se a obra poética de Florbela Espanca, Alfonsina Storni, Cecília Meireles, Clarice Lispector, Lya Luft, Adélia Prado, etc. Nestas, há a proscrição ou minimização da posse, daí a consagração... É deste modo que o leitor – sempre ávido e possessivo – se apossa do amar-personagem, que não é do autor e de ninguém mais, a não ser o conviva à espera da chegada de seu receptor...

– Do livro A FABRICAÇÃO DO REAL, 2013.

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