TEMPO DO AMADURECER

“E é assim que os vejo: chorando muito, com fome, rindo e beijando com a boquinha babada de leite, mijando no nosso colo, andando sobre os nossos passos, divergindo pra poder ter opinião própria, construindo suas próprias vidas, fazendo os seus brotos, colhendo o que estiver reservado ou o que se os faça felizes ou infelizes, porém, acima e antes de tudo, buscadores da chave do cofre que a sucessão patrimonial lhes dá. E é aí que a porca torce o rabo, e se vão a la cria... E não mais sentem o cheiro do leite nas nossas bochechas babadas de saudade... Do que foi e do que servirá como flor à hora dos círios da despedida. E que a Providência retribua o fervor dos vivos para que caminhemos em harmonia...” Joaquim Moncks, in PAIS E FILHOS.

– Do livro A FABRICAÇÃO DO REAL, 2013.

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Concordo com Gibran: "Vossos filhos não são vossos filhos. São filhos e filhas da ânsia da vida por si mesma. Vêm através de vós, mas não de vós.". Penso que não são os nossos filhos que partem para o mundo, é o mundo que os absorve e os engole com a sedutora promessa de liberdade. Afinal, o fato de não estarem mais sob nossa tutela, não nos absolve da boa ou má orientação dada na infância. Pensando bem, se até o filho do pai morreu crucificado e deixou o caminho livre para o "depois", não seríamos nós que estaríamos juntos de nossos filhos até que “a morte nos separe”. Felizmente, depois do engatinhar e dos primeiros tropeços, eles seguem em frente e não se detêm. Se assim não fosse, estaríamos presos a um passado que já sendo presente, estaria impedido de ser futuro e voar na dimensão do universo, à procura de seu próprio espaço. Mesmo assim, conheço alguns pais, que simbioticamente envolvidos com seus filhos, não os permitem "serem eles próprios" e alçar voo em direção ao futuro. Isso é um imperdoável erro, principalmente porque vivemos a época das confrontações e, queiramos ou não, as falhas acontecem e se fazem necessárias. Por vezes, descobrimos que foi através dos erros que quando jovens ingenuamente cometemos, é que chegamos aos acertos. O “depois” (futuro), sempre irá depender do "antes" (passado). E sendo assim, somos o resultado da educação recebida na família e nos grupos externos. Orientação esta que deveria ser sempre baseada no afeto, tendo como suporte o limite, a ética e o exemplo. Assim como a criança precisa conhecer o amor, o respeito, a confiança, deve também reconhecer o ponto demarcatório onde começa o direito do outro e onde termina o seu, para que possa não apenas ser aceito, mas, sobretudo, integrar-se à sociedade da qual faz parte. Pensar em filhos é nos enrolarmos no tempo, desejando que este se detenha, mesmo que seja só na imaginação. Quem de nós poderá esquecer as noites mal dormidas, o choro inconsolável que se misturava com nossas lágrimas na impotência de não poder dissipar até uma simples cólica? Ou da emoção das primeiras palavras pronunciadas: papa... mama..., no reconhecer de sua identidade e a de seus afetos? Assim é a vida: para cada impasse uma solução, a qual, na maioria das vezes, não é imediata. Para cada sonho uma expectativa, para cada aprendizado a independência e para cada chegada uma partida. Sim, eu também ainda sinto o cheiro de meus bebês, embora nos braços eu não mais os embale. Hoje eles cumprem o seu destino, aquecendo, alimentando e amando os seus próprios rebentos. Sei que amadurecer é um processo muito doloroso, porém necessário. É um constante descobrir-se, e muitas vezes por caminhos difíceis, sem a presença dos pais para podar arestas e arrancar os espinhos do imprevisto. Chega um tempo em que precisamos abandonar as crenças e as utopias, encarando, de frente, a realidade, fugando do conto de fadas ou daquelas historinhas infantis contadas e pinceladas com o uso de inusitadas cores, na contação amorosa de nossos pais. Chega um momento em que é preciso crescer e para isso é preciso autoconhecer-se, amar-se, e principalmente desenvolver a maturidade emocional, que nada mais é do que exercer a habilidade de se interrelacionar, de conhecer os seus limites e os limites do outro. Da mesma forma, responsabilizarmo-nos por nossos atos, e entender quando o mundo nos diz: não! A base da maturidade é a capacidade de tolerar a frustração. E para que tudo isso ocorra, é necessário obter uma estrutura emocional bem solidificada, resultante do amor recebido na infância e principalmente pela aprendizagem da imposição dos limites coerentes e necessários ao bom desempenho de uma personalidade em formação. E assim é a vida: ontem fomos nós, hoje são eles que sentem "o cheiro do leite nas suas bochechas babadas de saudade..." Nossa missão foi cumprida. Se acaso erramos, certamente foi por desconhecimento ou amor, e se acertamos, haveremos de comprovar, se assim pudermos e tivermos tempo, o novo contexto vivenciado pelos nossos brotos. Só Deus sabe como muito bem finalizas: "E que a Providência retribua o fervor dos vivos para que caminhemos em harmonia"... Afinal, viver nada mais é do que dar tempo à passagem para o período do amadurecer. Marilú.

– Do livro O IMORTAL ALÉM DA PALAVRA. Joaquim Moncks / Marilú Duarte, 2013.

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